Direito Constitucional

quinta-feira, 16 de abril de 2009

A medida provisória



Observação: esta nota foi finalizada no dia 22/04/09 às 02:38, então a revisão final está fora de cogitação por ora. Tentarei fazê-la durante o dia, se houver tempo. Muito cuidado.

Cheguei atrasado hoje. Perdi os primeiros minutos de aula. Aqui está a aula a partir do primeiro momento audível. Amigos me disseram que a perda não foi grande, mas o parágrafo abaixo não tem sentido sem a introdução da idéia. Portanto, olhem suas anotações também.

Então há 60 dias para se apreciar a medida provisória, e se não for terminada a apreciação, o prazo pode ser estendido por mais 60 dias, de acordo com o que diz o § 7º do art. 62. Internamente existe um procedimento para a prorrogação, mas ele se dá, na prática, de maneira automática.

        § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

Então, a princípio, o prazo máximo de vigência de uma medida provisória é de 120 dias. Há como exceder? Sim. § 4º:

Suspendendo-se durante os períodos de recesso. E se uma medida provisória for editada exatamente no dia 20/12, dois dias antes do recesso? Dia 20 é o dia da publicação. Quando o recesso inicia, dia 23, já se passaram 3 dias de vigência da medida provisória. A partir de 23/12, o prazo é suspenso, mas a medida provisória continua vigorando, e continuamos obrigados a fazer ou deixar de fazer coisas em razão dela. O recesso acabará dia 1º de fevereiro do ano seguinte. Durante o mês de janeiro inteiro

ela ficou em vigor, com o Congresso Nacional sem funcionar. Daí, concluímos que a medida provisória ficou vigendo durante 161 dias. Isso é o que poderá acontecer se ela for editada em data próxima ao início do recesso parlamentar, ser prorrogada depois de retomadas as atividades por não-apreciação e ainda assim passar pelas duas Casas.

Quando perguntarem o prazo máximo, a resposta é: depende, se houver recesso no meio ou não. Mas, se a pergunta for: “excluindo a possibilidade de edição de medida provisória durante período que abranja o recesso parlamentar, qual é o tempo máximo de duração?” aí sim, 120 dias.

 Agora, uma questão também interessante é a seguinte: 120 dias é o prazo máximo pelo qual poderá a medida provisória vigorar caso não haja recesso parlamentar em seu decurso, certo? Só que a medida provisória perderá eficácia desde a edição caso não seja aprovada pelo Congresso Nacional. Para evitar que o Congresso Nacional simplesmente não aprecie a medida provisória, o constituinte derivado estabeleceu uma regra para obrigar o Parlamento a apreciá-la, que é a regra prevista no § 6º.

        § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

Isso é o que passou a ser chamado de “trancamento de pauta”. Quando a medida provisória faz 45 dias de idade, ela tranca a pauta da casa onde ela estiver tramitando nesse dia. A partir de então, ela vai carregar consigo essa conseqüência: para onde for, ela já chegará trancando a pauta. Exemplo: ela completou 45 dias de apreciação na Câmara dos Deputados e trancou a pauta da Casa, depois passou para o Senado. Em lá chegando, a medida provisória imediatamente tranca a pauta da Casa. Então, independe de onde ela esteja; onde estiver, a pauta será trancada.

Onde a medida provisória começa? Na Câmara dos Deputados, sempre. Qual a razão disso? Porque a medida provisória é um "projeto de lei" do Presidente da República com efeitos antecipados. Então, por lógica/analogia, é aqui, da mesma forma que os projetos de lei de iniciativa reservada do Presidente da República são apreciados primeiro pela Câmara dos Deputados.

Digamos, então, que os deputados apreciaram a medida provisória no 30º dia. Trancou a pauta? Não. Então, ela vai para o Senado. Suponha que os senadores correram para apreciar essa MP em 5 dias, e mandaram para o Presidente da República. Houve trancamento de pauta? Não. 

Agora suponha que a medida provisória tenha chegado à Câmara dos Deputados, enquanto os deputados estão atarefados com muitos outros projetos para votar, e a MP fez 45 dias. Ao chegar no 45º dia, a pauta é trancada. Enquanto isso, a Casa não poderá fazer nenhuma deliberação legislativa. Note que CPI, por exemplo, que não é deliberação legislativa, continuará funcionando normalmente. Só não se pode deliberar sobre nenhum projeto de lei pendente nem de emenda constitucional.

E se a medida provisória for aprovada ao 50º dia? Ela irá para o Senado Federal, já trancando sua pauta. O que tranca a pauta é a chegada do 45º dia, independente de onde a medida provisória esteja em tal momento.

Caso essa medida provisória não seja editada em período próximo de recesso, e, caso eles não apreciem essa medida provisória, o que acontece? O prazo máximo que pode ficar trancada a pauta da Câmara, em virtude da existência da medida provisória que não é apreciada de jeito nenhum, até que ela seja rejeitada de maneira tácita? 75 dias. Mas isso não acontece porque eles não ficarão 75 dias de braços cruzados. Então, eles apreciam a medida provisória. ¹ É justamente isso que o constituinte derivado quis. Mas, mesmo assim, se não acontecer isso, poucos dias de pauta trancada já geram o problema que o Congresso Nacional tanto sofre: uma medida provisória atrás da outra.

Diante desse clima de paralisação, Michel Temer, o Presidente da Câmara dos Deputados, elaborou uma resolução estabelecendo que a pauta fica trancada apenas para projetos de leis ordinárias. Assim, o Congresso Nacional não fica impedido de deliberar sobre projetos de leis complementares, projetos de emendas constitucionais... qual foi o raciocínio dele? Não é correto, mas é engenhoso e interessante. Foi uma interpretação forçada, e o Supremo, liminarmente, comprou a idéia. É que a medida provisória só versa sobre matérias de lei ordinária. A Constituição não diz isso; foi uma saída que ele encontrou, com a qual a verdade é: não se deve concordar, porque é uma volta na Constituição, que não estabelece expressamente que só deliberações legislativas referentes a projetos de leis ordinárias. Deliberação legislativa envolve deliberação de projeto de lei complementar, ou por acaso lei complementar não é aprovada pelo processo legislativo? Na verdade, essa é uma interpretação forçada, e o Supremo acatou, pelo menos liminarmente, ao não conceder um mandado de segurança ajuizado por um parlamentar em virtude desse ato do Presidente da Câmara. Isso tudo é por causa da situação política de paralisação do Congresso Nacional. Já se questionou se mandado de segurança sobre isso poderia ser usado para evitar ato abusivo de autoridade contra direito liquido e certo, por exemplo, se algum outro parlamentar se sentir prejudicado no sentido de ter apenas a pauta de votações de projetos de lei ordinárias paralisados, e não de leis complementares, como na hipótese em que ele gostaria muito da rapidez na apreciação de uma medida provisória, mas uma lei complementar (que não teve sua votação paralisada pelo trancamento de pauta) está disputando tempo de trabalho com aquela medida provisória, pois ele é aliado do Presidente da República e ambos partilham o interesse de rápida apreciação da MP. Entretanto a resolução foi disposta de maneira geral, e não incidiu sobre nenhuma medida provisória especificamente. A regra é que mandado de segurança não pode ser usado contra lei em tese, lei em sentido amplo. Para isso, deve-se usar a ação direta de inconstitucionalidade. Ou mesmo uma argüição de descumprimento de preceito fundamental.
 

Apreciação dos pressupostos de relevância e urgência

Diz a Constituição, no § 5º do art. 62, que a deliberação de cada uma das casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias (o conteúdo delas) deverá obedecer aos pressupostos constitucionais. Não é a eficácia, que tem a ver com a produção de efeitos. A eficácia da medida provisória produzirá efeitos em relação a o que? Ao conteúdo! Digamos que à medida provisória seja sobre aumento de salário mínimo. Vejamos o que será apreciado, de acordo com o § 5º:

        § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

Então, antes se analisam os pressupostos constitucionais da medida provisória. Quais são? Relevância e urgência. Então, quem decide que determinado assunto é considerado urgente e relevante a ponto de editar-se uma medida provisória? O Presidente da República. Ela fica entendida, então, como uma medida legislativa cautelar. Pelo abuso, essa idéia fica diluída, mas a idéia é essa. Mas essa avaliação dele é apenas dele para editar, e então acautelar um dano futuro, uma situação emergente. É um instrumento legislativo que se submete ao controle do Poder Legislativo; aí o constituinte derivado estabeleceu: se o Congresso Nacional não considerar igualmente urgente e relevante, ela deverá ser rejeitada. Então o Congresso Nacional controla a análise e o juízo do Presidente da República sobre a urgência e relevância.

Mas, suponhamos que o Presidente da República edite a medida provisória, que está pendente de apreciação do Congresso Nacional. Nada foi apreciado ainda. Um partido, contrário à idéia que está sendo veiculada na medida provisória, ajuíza uma ação direta de inconstitucionalidade contra ela. Pode? Tranquilamente. E se ela for convertida em lei e a ADIN não for julgada ainda? A princípio, a ADIN perderia o objeto, que dizia respeito à medida provisória, não à lei depois da conversão. Quem ajuíza a ação direta de inconstitucionalidade deve, portanto, peticionar ao Ministro que se mantenha a ação direta de inconstitucionalidade, agora, em função da Lei nº xyz, na qual foi convertida a medida provisória. Isso é um pedido de aditamento da petição inicial para ADIN, para corrigir esse problema. O objeto, então, não é perdido. Mas a pergunta diz respeito à possibilidade do judiciário, diante de uma ação direta, julgar se estão presentes os pressupostos constitucionais de edição de medida provisória. Digamos que o interessado diga: não houve urgência. Então, a Constituição está sendo violada. Quem julga a relevância, a priori, é o Presidente da República. Será que o Supremo pode declarar que aquela medida provisória não é urgente? Não vamos falar em relevância ainda porque esta é mais subjetiva. Não pode! O Supremo Tribunal Federal, durante muito tempo, decidia nesse sentido: dizia que era um juízo exclusivo do Presidente da República, e o Judiciário não poderia intervir nesse sentido. Com o abuso, a jurisprudência do Supremo mudou: o STF, como guardião da Constituição, pode agora avaliar a constitucionalidade dessa medida provisória. A jurisprudência tem decidido com a argumentação nesse sentido. Contudo, nunca se declarou a inconstitucionalidade de uma medida provisória. Então o supremo apenas plantou o terreno para o futuro; sinalizou que “apesar de eu não ter feito isso ainda, declaro que isso poderá sim ocorrer.” Veja a ADI nº 2213, informativo 301.

Vamos ver a argumentação: abuso presidencial na edição de medida provisória. Possibilidade de controle jurisdicional. O acórdão se compõe da ementa, votos e acórdão strictu sensu. As palavras na ementa são colocadas numa ordem para dar um sentido compreensível. Cada voto tem o seu próprio relatório, a fundamentação, e, no final, o dispositivo. O acórdão strictu sensu é o dispositivo da decisão: “Os ministros julgaram procedente no sentido de [...] portanto, entendo isso e tal.”
 

Reedição de medida provisória

Como dissemos, a praxe anterior da possibilidade de reedição não foi admitida pela emenda constitucional nº 32. A praxe anterior se desenvolveu em razão do período de tempo curto, de 30 dias, que a medida provisória vigia. Hoje, o texto é expresso no sentido de que... (§ 10):

        § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

Ou seja, se houver uma medida provisória que foi rejeitada no final da sessão legislativa ordinária, no dia 20/12, e o Congresso Nacional for convocado em sessão extraordinária, o Presidente da República poderá reeditar? Sim, pois não é a mesma sessão legislativa; agora se iniciou uma nova sessão legislativa, do tipo extraordinária. Aconteceu com a medida provisória nº 397 e a ação direta de inconstitucionalidade que foi ajuizada em razão dela, a ADI nº 3964. Leia!


  1. Essa deve ser provavelmente uma daquelas questões bizarras de concurso, nas quais pergunta-se algo que jamais acontecerá apenas para testar o conhecimento teórico do candidato, como esta: “era uma vez um navio com bandeira japonesa, tripulação mista de coreanos, malaios e indonésios, passageiros filipinos, navegando por águas chinesas. Ao chegar ao porto de Xangai, um tripulante planta uma bomba no navio, que vem a explodir quando este atinge águas internacionais. O passageiro atingido pelos estilhaços foi rapidamente levado para Austrália, país mais próximo naquele momento, mas morreu no hospital. Qual país terá a competência para julgar a ação penal desse fato?” – nota de Direito Penal de 25/08/08.