Direito Constitucional

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Medida provisória - conclusão


Não dei a última lida de revisão nesta página. Publiquei assim mesmo por causa da prova que está tão perto. Cuidado. Quanto à nota de ontem, 16/4, como cheguei atrasado, ela ficou muito comprometida, e é necessário eu trabalhar mais nela para que ela fique com um mínimo de qualidade.

Tópicos:
  1. Continuação
  2. Impossibilidade de o Presidente da República retirar medida provisória já editada
  3. Medida provisória e lei anterior que trate do mesmo assunto
  4. Proteção das relações jurídicas formadas durante a vigência da medida provisória
  5. Medidas provisórias nos estados e municípios
  6. Medidas provisórias "definitivas"?

Continuação

Vimos na aula passada que não é possível a reedição de medidas provisórias na mesma sessão legislativa em que ela tenha sido rejeitada (não na mesma sessão legislativa que ela tenha sido apreciada). Ou seja, se a pergunta for “é possível a reedição de medida provisória?” A resposta deve ser “sim”. Desde que seja na próxima ou em outra sessão legislativa ¹. Vimos também que, se o Presidente da República edita uma medida provisória que é rejeitada antes do recesso parlamentar, que começa em 23/12, ele não poderá reeditá-la antes de terminar a atual sessão. Para simplificar, o que temos que saber é que o que não pode é o Presidente editar novamente uma medida provisória que trate da mesma matéria na mesma sessão legislativa. E isso já aconteceu. Havia, no final de 2007, a necessidade do Presidente da República de renovar a autorização da cobrança da CPMF, que tinha sua existência prevista na Constituição até 31/12/2007. Para continuar a cobrança, seria necessária uma nova emenda constitucional. Então, essa proposta de emenda constitucional não tinha como ser apreciada e o ano estava acabando. Por que não tinha como? Porque a pauta estava trancada por uma medida provisória sobre porte e registro de armas de fogo, que, obviamente, também foi obra do Presidente. Então, o Presidente da República revogou essa medida provisória. Como? Editando outra, exatamente para isso. O texto era próximo de “fica revogada a medida provisória número 379/2007”. Quando isso foi feito, a pauta pôde caminhar, e pôde ser apreciada a CPMF. O governo perdeu. O Presidente da República na verdade queria sim o conteúdo daquela medida provisória que foi revogada, mas ela havia se tornado um obstáculo para a causa mais urgente, que era a CPMF. Então, depois de destrancada a pauta, ele a reeditou, mas na mesma sessão legislativa. Ao reeditar, o PSDB e o DEM ajuizaram uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo, que foi deferida, pois o Presidente da República havia editado a mesma MP na mesma sessão legislativa. Isso foi em 12/12/2007. A medida provisória poderia ter sido rejeitada, mas foi o Presidente quem a revogou. O Min. Carlos Britto entendeu que a revogação se equipara à rejeição, no que chamou de “auto-rejeição da medida provisória”, no sentido de que ela não pode ser reeditada na mesma sessão legislativa. Até porque se o Presidente da República revoga e a reedita, isso configura a tentativa do Presidente da República de controlar a pauta do Congresso Nacional. Não é o Presidente da República que pode fazer isso, mas o próprio Congresso. O que está por trás? Separação dos poderes! Seria uma manifesta intervenção do Executivo no trabalho do Legislativo.

No final desse julgamento, quando estudarmos o controle de constitucionalidade, o ato impugnado será defendido pelo Advogado Geral da União. Dia 23/12/2007 a medida provisória foi editada novamente. Note que agora não usamos o termo “reeditada” para deixar claro que agora estamos falando já de outra sessão legislativa. Veja o informativo sobre essa decisão. Nessa página, consulte o acórdão. (Informativo 492 ², ADI nº 3964 ³.)

Impossibilidade de o Presidente da República retirar medida provisória já editada

Imagine que o Presidente  editou hoje uma medida provisória, que é a espécie normativa que tem caráter de lei com efeitos antecipados. Então uma medida provisória editada hoje já está gerando efeitos. Digamos que ela fica em vigor por 30 dias. Relações jurídicas se estabelecem durante esse tempo. Daí o Presidente, ao seu próprio alvedrio, retira-a, quando decide que todos os efeitos já foram atingidos. Agora veja: quanto ao projeto de lei que o Presidente tem iniciativa: ele pode retirar? Sim. No projeto de lei, ele pode praticar esse ato chamado "retirar". Mas a medida provisória, que já produz efeitos, não pode ser simplesmente retirada. A sociedade já sente os efeitos sem que o Congresso Nacional, o representante da sociedade para elaborar as leis, a tenha apreciado. Será que o Presidente da República, depois de um tempo em que ela foi editada, pode dizer “desisti”? Afinal ela já produziu efeitos. Aí sim, isso seria realmente fraudar a atividade do Congresso Nacional. Imagine que ele retira uma medida provisória e edite outra. E assim sucessivamente. Se assim fosse, até por mais celeridade, poderíamos fechar o Congresso Nacional de uma vez por todas e o Presidente da República será o único legislador! Então não é admissível que o Presidente possa retirar medidas provisórias que tenha proposto.

Mas não pode ele revogar a medida provisória, caso ela esteja trancando a pauta? Note: o Presidente pode revogar, mas não retirar. Independentemente da matéria. Somente devemos ter em mente a ressalva sobre a medida provisória que trate de impostos, que não terá efeitos antecipados, conforme reza o § 2º do art. 62. Então, no final das contas, qual é a diferença então entre revogar e retirar? É que a medida provisória só pode ser revogada por outra, que será, necessariamente, apreciada pelo Congresso Nacional. A idéia é não privar o Legislativo da apreciação da medida provisória; se o Presidente edita e retira, o Congresso Nacional fica sem chances de apreciar o dispositivo. 

Com duas medidas provisórias correndo do Congresso, em que uma delas tem o conteúdo único de revogar medida provisória anterior, qual deve ser apreciada primeiro? A última a chegar, pois ela paralisa a primeira. No final, as duas deverão ser apreciadas. Pode-se rejeitar a primeira e converter a segunda, acontecer o contrário, ou rejeitar as duas. Contudo, em se tratando de duas medidas provisórias de diferentes teores, aprecia-se a primeira a chegar pois ela está mais perto de esgotar o prazo para sobrestar a pauta do Congresso Nacional.

Medida provisória e lei anterior que trate do mesmo assunto

Olhem o nome do instrumento legislativo: “medida provisória”. Se já existe uma lei que trata do assunto X, e o Presidente da República acha que a matéria precisa de algo mais, o que ele faz? Ele edita uma medida provisória sobre aquele assunto. O que acontece com a lei? A eficácia dela fica suspensa, não revogada. Isso porque trata-se de uma medida provisória. Então, enquanto a medida provisória estiver em vigor sobre o mesmo assunto de lei preexistente, a lei terá sua eficácia suspensa. Se a medida provisória for convertida em lei, aí sim, a lei que já existia será revogada. E se a medida provisória for rejeitada? Daí seguirá que a lei nunca terá sido revogada, então ela sai da suspensão e volta a produzir efeitos. O termo bom para se usar é suspensão da eficácia, quando ocorre uma medida provisória que conflita com uma lei já existente sobre aquele mesmo assunto. Então, não se fala em revogação de lei por medida provisória; apenas é próprio falar em revogação quando for de medida provisória por outra medida provisória. 

Proteção das relações jurídicas formadas durante a vigência da medida provisória

E se o Congresso Nacional não editar o decreto legislativo?

Raciocínio é: um determinado assunto está sendo proposto. O Congresso Nacional tem 120 dias para apreciar, concordando ou não com o tratamento que foi dado pelo Presidente. Significa então que o presidente então teve sua oportunidade, e agora é o Congresso Nacional que está se manifestando. Ou então simplesmente rejeitou-se a medida provisória; nisso a Constituição diz ao Legislativo: “você não quis concordar com o Presidente da República, então você terá que dar uma solução jurídica para as relações jurídicas elaboradas, por meio de decreto legislativo." Para saber o que acontecerá, § 11.

        § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
 
Se o Legislativo não elaborar o decreto legislativo que regulará as relações jurídicas formadas na vigência daquela medida provisória, ela subsistirá para regular aquelas relações. Note que a medida provisória já deixou de existir, mas continua com efeitos restritos, que são de regular somente aquelas relações jurídicas. Medida provisória com eficácia terminada não pode ensejar a formação de novas relações jurídicas.

Observação: os 120 dias supracitados correspondem aos 60 dias que a medida provisória terá para ser convertida em lei mais os outros 60, caso o Congresso Nacional não se manifeste. Lembrem-se que a vigência da medida provisória poderá ser de até quase um semestre, caso ela entre em vigor perto do início do recesso parlamentar.

Medidas provisórias nos estados e municípios

A constituição diz, expressamente, no art. 62, caput, que...

        Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Será que, se o Presidente da República, que é o sujeito do caput do art. 62, pode editar medidas provisórias, os chefes de Executivos dos demais entes federativos também podem editar medidas provisórias? A única previsão constitucional que pode nos dar uma pista para a resposta está no art. 25, § 2º. Qual é a localização? Título III, que diz respeito aos estados federados.

CAPÍTULO III
DOS ESTADOS FEDERADOS

        Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
       
        [...]


        § 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. 

        [...]

A mensagem do artigo é que o poder constituinte originário estabelece o mínimo para a organização dos estados federados e, a partir de então, eles seguem com sua autonomia.

Observe o § 2º, que é o que está transcrito acima. Serviço de gás canalizado não é competência nem da União nem de município, mas do estado. Ao fazê-lo, ele não pode se utilizar de medida provisória. Quando o constituinte originário escreveu isso, que medida provisória ele estava se referindo? Obviamente não é editada pelo Presidente da República. Então, só pode ser obra do chefe do Executivo estadual. Isso posto, essa é a única norma constitucional que nos dá o indício para a resposta à pergunta: podem os governadores editar medidas provisórias? Sim. O Supremo Tribunal Federal já entendeu que sim, é possível, mas não é obrigatório. Se eles adotarem o instituto da medida provisória, ele deverá estar trazido expressamente nas respectivas constituições estaduais e leis orgânicas. A mera interpretação não é suficiente aqui.

Medidas provisórias "definitivas"?

Parece logicamente contraditório o termo. Existem sim, entre aspas. São tão definitivas como uma lei é definitiva até que dure ou seja revogada. Está previsto na Emenda Constitucional nº 32, no art. 2º. Sabemos que uma emenda constitucional é uma espécie normativa, assim como a lei ordinária, a lei complementar, o decreto legislativo, etc. Então existe o diploma legislativo da emenda constitucional. Ela pode fazer dois tipos de alteração na Constituição: alterar redação dos artigos, ou também, nesse primeiro tipo, incluir novos artigos no próprio texto Constitucional, como "art. 15-A" ou art. 251 (já que a Constituição tem 250 artigos). A emenda constitucional nº 32 tem três artigos: o art. 1º altera vários artigos da Constituição, inclusive o 62. Mas a emenda constitucional pode ser autônoma no sentido de que ela pode trazer uma regulamentação própria, como a do art. 2º da própria Emenda 32:

        Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Viram o efeito? Significa que entre 12/08/2001 e 11/09/2001, se houvesse medidas provisórias em vigor, elas ficariam indefinidamente em vigor. No caso, umas 60. Estão pendentes de apreciação, e se comportam como leis, que obrigam os indivíduos a fazer ou a deixar de fazer determinadas coisas. Se quiser acabar com elas, o Presidente da República edita outra medida provisória revogando-as expressamente, ou o Congresso Nacional aprecia e rejeita-as.


Fim da matéria da prova.

  1. Não necessariamente sessão legislativa ordinária, mas sessão legislativa, podendo ser uma sessão legislativa extraordinária também.
  2. http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo492.htm
  3. http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3964&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M