Estudamos
no semestre passado o
Título I, dos Princípios Fundamentais da Constituição da
República Federativa do Brasil. Esses princípios estão todos enunciados
no
texto constitucional. São todos detalhados, densificados ao longo da
Constituição. Então, se está escrito que o Brasil é uma República
Federativa,
deverá haver, à frente, o artigo dispondo sobre o funcionamento da
Federação: União,
estados, municípios, quais as competências de cada um, suas
composições, etc.
A Constituição
também enuncia, no art. 1º,
parágrafo único que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.
Além disso o art. 2º
enuncia que são poderes
independentes e harmônicos entre si o Executivo, Legislativo e
Judiciário.
Portanto, a partir
de toda a noção vista na aula passada, estudaremos, agora, como
funciona a
separação dos poderes no Brasil. A separação dos poderes, como sabemos,
é uma
doutrina concebida com o objetivo de limitar o poder. Como ela funciona
é o que
veremos a partir de agora.
Depois do Título I
vem o Título dos Direitos e Garantias Fundamentais. Direitos
individuais,
sociais, políticos, de nacionalidade, a partir do art.
5º. Essa parte da Constituição termina com as disposições
sobre os partidos políticos.
O Título seguinte (III) fala da Organização do
Estado. Especificação da Federação brasileira,
como ela funciona. O que são bens da União, dos estados, suas
competências e
tudo mais a partir do art. 18 até o
art. 36, que trata da intervenção.
Essa matéria, como
dissemos, é a divisão territorial do
poder.
A partir do art. 37
temos o tratamento da Administração
Pública. Como ela funciona? Quais são os princípios da Administração
Pública no
Brasil? Esse assunto é tratatdo até o art.
43. Direitos do servidor público, aposentadoria, promoção,
etc. Não vamos
estudar essa matéria, que é tema de Direito Administrativo. Então vamos
pular o
art. 37 e vamos diretamente para o art.
44, que é o objeto destá aula.
Entraremos então no Título IV, que trata da divisão funcional do poder. Ela se dá
pela separação dos poderes. Na verdade, o nome mais correto é separação de funções do Estado, por isso
“divisão funcional”. Veremos como o Brasil fez essa divisão.
O
Capítulo I fala sobre
o Poder Legislativo, o Capítulo II fala sobre o Poder Executivo, o
Capítulo III
trata do Poder Judiciário e o Capítulo IV, apesar de estar dentro do
Título de Organização
dos Poderes, trata do Ministério Público e da Advocacia Pública, que
não são órgãos do poder. São as funções essenciais à Justiça.
Inclusive há um
problema recorrente em concursos públicos, que é quando pergunta-se a
que poder
o Ministério Público pertence. Se você estiver indeciso entre as três
alternativas:
Executivo, Legislativo e Judiciário, marque Executivo. O presidente
nomeia o Procurador
Geral da República, mas não pode demiti-lo quando quiser. Veja como
isso é problemático.
Mas que fique claro que o Ministério Público não é parte integrante de
nenhuma
das funções do Estado.
Está
disposto no art. 44 da Constituição:
Da Organização dos Poderes
CAPÍTULO I
DO PODER LEGISLATIVO
Seção I
DO CONGRESSO NACIONAL
Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso
Nacional, que se
compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de
quatro anos.
A partir
daqui podemos
responder: qual a estrutura do Poder Legislativo brasileiro? Bicameral. Temos duas Câmaras, cuja
composição reflete uma representação diferente. Há a Câmara dos
Deputados e Senado
Federal. Mas o poder Legislativo é exercido pelas duas
casas, ou seja, não há possibilidade de uma lei nos obrigar,
nos
termos do inciso II do art. 5º da Constituição, a fazer ou deixar de
fazer algo
sem que ela tenha tramitado pelas duas casas. É um dos incisos mais
importantes, portanto decore-o. Uma lei que não tenha passado pelas
duas casas
não terá condições de existir validamente; tanto os deputados quanto os
senadores terão que apreciar o projeto. A regra é: se há uma lei (strictu sensu), obrigatoriamente ela é
obra do Poder Legislativo. E, sendo o Legislativo composto pelas duas
casas,
logo obrigatoriamente a lei terá que ter sido apreciado pela Câmara e
pelo
Senado.
Observação: não está dito que tem que ser objeto de aprovação das duas
casas,
mas de apreciação.
Voltaremos a isso em processo Legislativo.
Então, o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional. Será que esse bicameralismo tem relação com a forma de Estado que adotamos? E qual é essa forma de Estado? Federação. O que é uma federação? União de estados autônomos. Para saber a resposta completa, vamos aos arts. 45 e 46, que respectivamente tratam da composição da Câmara e do Senado.
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de
representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada
Estado, em cada Território e no Distrito Federal. § 1º - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. § 2º - Cada Território elegerá quatro Deputados. |
Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos
Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. § 1º - Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos. § 2º - A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços. § 3º - Cada Senador será eleito com dois suplentes. |
Logo, o
bicameralismo
está diretamente relacionado à forma de Estado que adotamos, sendo que
uma das câmaras
tem uma representação de todo o parlamento, que é o povo. Todo
parlamento é
composto necessariamente de representantes do povo. No Brasil, então,
uma das
casas resolve a questão da representação; esta é a Câmara dos
Deputados. A outra
resolverá o
quê? Se ela tem relação direta com a forma de Estado adotada, ela serve
para
representar cada estado
da Federação. Então, por esses artigos, qual é
a razão
de ser do Senado Federal? Podemos construir uma resposta a partir dos
artigos
acima. Note que, pela proporção, o estado de São Paulo tem
mais representação do
que Sergipe. Se existisse
apenas a Câmara dos Deputados, sendo ela proporcional à população, os
estados
mais populosos seriam beneficiados, em detrimento dos menos populosos.
O estado
de SP conseguiria aprovar leis que lhe interessassem. Mas,
objetivamente
falando, numa Federação, a relação jurídica entre os estados-membros é
de igualdade. Não importa se SP é
mais
populoso que SE, nem se MG é territorialmente menor que AM. São todos
estados
juridicamente iguais. Materialmente podemos ver diferenças. Enquanto
existe uma
proporcionalidade, deve haver, sim, uma representação maior. O Senado,
portanto, é um freio, já que os senadores existem em número
igualitário.
Então, a formação da
vontade nacional pode ser
substituída
pelo substantivo lei? Em tese, sim.
Nós
que elegemos os representantes que a promulgaram, então indiretamente
ela é
nossa vontade. Dela participam os estados-membros na formação da
vontade
nacional.
Logo,
especificamente por causa da forma de Estado que adotamos, o Brasil tem
a forma
bicameral.
Os
Estados que não
adotam o sistema federativo são os Estados unitários. Qual a estrutura
do Legislativo
neles, normalmente? Unicameral. Mas há exceções. Inglaterra, por
exemplo. Lá há
a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. Isso não significa,
entretanto, que a
Inglaterra não é um
país democrático.
Pudemos
ver que, falando em
representação e proporcionalidade, há uma questão importante:
§ 1º - O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. |
Lei complementar estabelecerá
o número de deputados. Mas não está, obviamente, dizendo nada sobre
senadores,
porque eles
são exatamente 81. A Constituição nem precisaria tratar desse assunto,
mas sim sobre
os deputados. Esse número tem que obedecer à representação proporcional
da
população.
Então
veio a Lei
Complementar 78/93, que estabeleceu que a Câmara dos Deputados terá não
mais
que 513 cadeiras.
LEI COMPLEMENTAR Nº 78, DE 30 DE
DEZEMBRO DE 1993
Disciplina a fixação do número de Deputados, nos termos do art. 45, § 1º, da Constituição Federal. Art. 1º Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da Federação. Parágrafo único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Eleitoral fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas. Art. 2º Nenhum dos Estados membros da Federação terá menos de oito deputados federais. Parágrafo único. Cada Território Federal será representado por quatro deputados federais. Art. 3º O Estado mais populoso será representado por setenta deputados federais. Art. 4º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 30 de dezembro de 1993, 172º da Independência e 105º da República. |
Eles são
distribuídos
entre os 27 estados, conforme a população de cada um. Se levada essa
proporcionalidade sem essa restrição do § 1º do art. 45 da
Constituição, São
Paulo dominaria o Poder Legislativo. Isso gera, claramente, uma
subrepresentação dos estados mais populosos, e o contrario para os
menos
populosos. Isso provocou um inconformismo por parte dos estados mais
populosos;
ao fixar em 70 o número máximo, a proporcionalidade tecnicamente iria
para o
abismo. Por isso houve o ajuizamento de uma ação direta de
inconstitucionalidade
no Supremo em 1996: “peço que se declare a inconstitucionalidade do §
1º do
art. 45 da Constituição Federal.” (ADIn
815, ADIn é a sigla que o STF usa ¹). Por conta de que ? O
caput do
art. 45
diz que a representação é proporcional, enquanto o § 1º do mesmo artigo
diz que é
proporcional
mas com restrições. O que, como dito, viola efetivamente a
proporcionalidade
fixada pelo caput.
A resposta do Supremo Tribunal Federal foi: “não vou
nem
conhecer dessa ADIN. Não se pode declarar a inconstitucionalidade de
parte da
própria Constituição.” Mas que parte da Constituição é essa que não
pode ser
declarada inconstitucional? E por quê? Esta parte especificamente não
pode ser
declarada inconstitucional porque
foi elaborada pelo poder constituinte
originário.
Ao se manifestar, ele é ilimitado, inicial, incondicionado; ele cria. E
também
é ele mesmo que pode criar as restrições. O poder constituinte
originário não
é limitável.
Veja um exemplo que pode mostrar claramente essa impossibilidade: ele
estabeleceu
os direitos fundamentais, e todos têm liberdade de locomoção. Mas será
que essa
liberdade de locomoção não pode ser restrita? Ninguém poderá ser preso
senão
por ordem de autoridade judiciária. Aqui, o legislador constituinte
originário
criou tanto a norma quanto a própria restrição. Logo, a regra é: normas
constitucionais
originarias não podem ser declaradas inconstitucionais. O próprio
Supremo Tribunal
Federal foi criado pelo poder constituinte originário.
Já a
Emenda
Constitucional é norma constitucional, porém derivada.
Tem como ela ser inconstitucional e ser assim declarada? Sim.
Mas não foi ela feita para alterar a Constituição e, para
isso, ela não acabaria por mudar o que dizia o poder constituinte
originário? Sim, a emenda pode
fazer
isso, e deve! Ela foi prevista pelo próprio poder original. Logo, como
o
Supremo Tribunal Federal vai declarar a inconstitucionalidade de uma
norma que
tem essa natureza? Declarando a inconstitucionalidade, sem violar os
limites que o constituinte originário
impôs ao
derivado. Exemplos: direitos fundamentais, voto direto, secreto,
periódico e
universal, forma federativa, separação dos poderes. São cláusulas
pétreas, mas
não são apenas essas. Tais coisas não podem ser alterado de
forma a restringi-las.
Art. 60. A Constituição
poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. |
As coisas
protegidas por cláusulas pétreas podem sim ser alteradas, mas desde que
para
fortalecer, nunca para enfraquecer.
Agora vamos para o art. 47, para o qual voltaremos ao ver o processo Legislativo.
Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. |
Todo
órgão
colegiado decide por meio de votação. Então, para cada tipo de decisão
pode-se ter
um quorum diferente. O legislador constituinte exigiu, para se criar
uma Emenda
Constitucional, o quorum de 3/5, como estabeleceu o quórum de 2/3 para
iniciar
investigação do Presidente da República por crime de responsabilidade.
Se nada
estiver escrito, aplica-se o disposto no art. 47.
Essa é a
estrutura
do Congresso Nacional.
Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso
Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos. |
A cada
legislatura
temos um Congresso Nacional diferente, ainda que alguns dos
parlamentares sejam
reeleitos. A cada quatro anos há o recomeço de tudo. No Brasil existe o
que se
chama responsabilidade política dos
parlamentares. Se falharem, incumbirá ao povo a tarefa de não os
reelegerem. É daí que
vem o termo “absolvido pelas urnas”. Mas os senadores não têm oito anos
de
mandato? É porque o Senado é renovado, a cada legislatura, em 1 ou 2
terços. A legislatura é
subdividida em períodos de tempo menores. São chamados sessões
legislativas
ordinárias: há quatro dentro da legislatura. São os
períodos normais
de
trabalho dos parlamentares.
Seção VI
DAS REUNIÕES Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. [...] |
Portanto,
a sessão
legislativa ordinária é o ano de funcionamento do Congresso Nacional. A
sessão
é interrompida no meio do ano, no dia 17 de julho. Veja bem as datas.
Os períodos
não trabalhados são os períodos de recesso do Congresso Nacional.
Nesses períodos
pode haver convocação? Sim. Será a sessão
legislativa extraordinária. Atenção neste particular: temos
que falar a
expressão completa; se falarmos apenas em “sessão extraordinária”,
estaremos
falando somente daquele dia
de trabalho, não do ano completo. Sessão
ordinária
é o dia de trabalho, enquanto sessão extraordinária é a hora extra.
Durante os
recessos temos sessões legislativas extraordinárias, que não
são continuação da sessão legislativa ordinária. Ela termina no
dia 22 de dezembro. Portanto, mesmo que os parlamentares não consigam
votar o
orçamento do ano seguinte, a sessão estará encerrada, e uma sessão
legislativa
extraordinária deverá ser convocada. Lembre-se: ela não é continuação
da sessão
legislativa ordinária.
Os
trabalhos do
Congresso Nacional começam no dia 2 de fevereiro, certo? Eles são
eleitos em
outubro e tomam posse em 1º de fevereiro. Isso
também
está no art. 57, § 4º.
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. |
O que
aconteceu no
início deste mês? Eleição das mesas. É o órgão diretor que organiza os
trabalhos. O Presidente da Mesa da Câmara é Michel Temer e do Senado é
José Sarney
². Eles são os presidentes das casas porque são presidentes das mesas.
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal funcionam separadamente. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, mas cada uma das casas atua separadamente. Os servidores do Senado e os servidores da Câmara são servidores do Congresso Nacional, mas não são a mesma coisa. Os dois existem separadamente. Curiosidade: a representação do povo e dos estados foi, de certa forma, representada por Oscar Niemeyer na estrutura do Congresso Nacional ³. Outra observação: se é assim, com cada uma das casas atuando separadamente, a regra do bicameralismo é que inicialmente se decida separadamente, e finalmente se chegue a uma decisão pela composição das duas rodadas. Mas momentos há em que a Câmara e o Senado atuam em conjunto, e praticam conjuntamente atos do Congresso Nacional, mesmo sendo ele bicameral. Isso significa que a reunião é conjunta, mas a contagem dos votos continua bicameral. Precisa-se saber qual a origem do votante (Senado ou Câmara). Se não fosse assim, haveria uma manifestação unicameral, como a revisão da forma do Congresso cinco anos depois da promulgação da Constituição. Foi uma situação única, prevista pelo Poder Constituinte Originário. Diferente de reunião conjunta, que está prevista no art. 57 § 3º.
§ 3º - Além de outros casos previstos nesta Constituição,
a Câmara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se-ão em sessão
conjunta para: I - inaugurar a sessão legislativa; II - elaborar o regimento comum e regular a criação de serviços comuns às duas Casas; III - receber o compromisso do Presidente e do Vice-Presidente da República; IV - conhecer do veto e sobre ele deliberar. |