Direito Constitucional

quinta-feira, 26 de março de 2009

Veto presidencial, fase complementar do processo legislativo, processo legislativo sumário e leis complementares



Tópicos:

  1. Veto presidencial, promulgação e publicação
  2. Processo legislativo sumário
  3. Lei complementar

Veto presidencial, promulgação e publicação

Está disposto no art. 66 da Constituição:

        Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

        § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

        § 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

        § 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.

        § 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto.

        § 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.

        § 6º - Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

        § 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

O veto presidencial tem que ser expresso, já que o Presidente tem 15 dias para analisar o projeto de lei e vetá-lo, se quiser. Ao vetar, ele manifesta sua posição de discordância. O veto tem que ser motivado, porque o projeto de lei vetado voltará para o Congresso Nacional para que este delibere sobre o veto, podendo ele ser mantido ou derrubado. Com a derrubada do veto, o projeto de lei se transforma em lei. Assim, os dois atos que transformam o projeto de lei em lei são a sanção e a derrubada do veto. Qual o quorum necessário para derrubar um veto presidencial? Maioria absoluta, em reunião conjunta, exatamente como dispõe o § 4º do art. 66 acima. Logo, por ser em sessão conjunta, tem que ser verificada a Casa de origem de cada parlamentar. Por que isso? Não é uma deliberação unicameral; inclusive não há mais nenhuma deliberação unicameral prevista na Constituição, a não ser as do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Por que são transitórias? São disposições que têm tempo para ocorrer. (Falando nisso, ontem foi o 185º aniversario da Constituição de 1824!)

Em razão dessa possibilidade de derrubada, o Presidente da República tem que motivar o veto e dizer as razões porque rejeitou aquele projeto de lei. Se não se manifestar, o projeto será sancionado tacitamente. E se o Presidente vetar e não mandar os motivos para o Congresso Nacional? Ele deve mandar a fundamentação em 48 horas para o presidente do Senado Federal, pois o Presidente do Senado é o presidente do Congresso Nacional, e a deliberação sobre o veto será feita em sessão conjunta. Sem os motivos, que são indispensáveis, o veto não terá eficácia; e o que acontecerá será a sanção tácita.

Sendo o projeto de lei sancionado ou o veto sendo derrubado, o projeto se transforma em lei.

Quem sabe que existe uma lei nova no exato ato da sanção ou da derrubada do veto? Somente o Presidente da República! Ou quem quer que lhe esteja servindo café na escrivaninha. Nessa hora, existe um direito novo no ordenamento jurídico. Lembrem-se do princípio da legalidade: lei nova criará ou restringirá direitos, e é apenas em função delas que deveremos fazer ou deixar de fazer algo. Antes de a lei ser publicada, o Presidente dará uma certidão de nascimento para a lei: "existe uma lei que passou por todo o processo legislativo previsto pela constituição e inova o ordenamento jurídico validamente. É a Lei nº 123456789 que trata do assunto XYZ." Esse é o ato da promulgação. Está no art. 66, §§ 5º e 7º, no quadro acima.

Sendo o veto derrubado, temos uma lei. Há uma imprecisão no texto constitucional: o constituinte usou o termo projeto, e não lei, no § 5º. É que já houve sanção. Se o veto não for mantido, a lei será enviada para promulgação. A promulgação é uma certificação de que a lei entrou no ordenamento jurídico de maneira válida. O Presidente da República, depois de ter analisado aquele projeto, considerou-o razoável, e mesmo podendo ter feito um controle de constitucionalidade preventivo, ele achou que o projeto estava OK então o sancionou. Tendo sancionado o projeto, ele tomará a nova lei e a promulgará. Regra para jamais esquecer: sancionam-se projetos de lei e promulgam-se leis; não faz sentido falar em sanção de leis ou promulgação de projetos.

Agora há uma nova lei. Já devemos obedecê-la? Não teria como fazê-lo ainda, certo? Então vem o próximo ato: a publicação integral no Diário Oficial da União para que os destinatários da lei tomem dela conhecimento e deles possa ser exigido o seu cumprimento. Por isso é presumido que todos leiamos o Diário Oficial da União todos os dias. A publicação serve para para se presumir o conhecimento, já que ninguém, a partir daí, poderá alegar desconhecimento da lei. A promulgação e a publicação são atos inerentes à lei, não ao projeto, por isso dizemos que fazem parte da fase complementar do processo legislativo, até porque nem se está mais no processo legislativo propriamente dito.

Então o Presidente da República tem o dever de apreciar os projetos de lei que lhe chegam. Lembram daquela idéia da razão da existência da sanção tácita? Por que ela existe? Para evitar que o Presidente da República impeça a transformação em lei daquilo que os representantes do povo brasileiro determinaram. É o sistema de freios e contrapesos atuando claramente, preservando a separação dos poderes. Do contrário, o Legislativo ficaria sempre aguardando apreciação do Executivo, comprometendo o equilíbrio. O veto absoluto existia no nosso ordenamento jurídico, no passado. Na época de Montesquieu, o veto era absoluto, e não havia a possibilidade da derrubada do veto. Era uma maneira de dar sobrevida ao poder absoluto do “príncipe”.

Suponhamos, então, que o Presidente da República não concordou com determinado projeto de lei e o vetou. Ao fazê-lo, esse veto estará pendente de apreciação pelo Congresso Nacional, que poderá derrubá-lo. Caso aconteça, agora temos outra possibilidade de o Presidente da República impedir o início da vigência dessa lei pois ele pode, a princípio, não promulgá-la e publicá-la. Nesse caso, a Constituição dispõe, no § 5º do art. 66:

        § 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.

Mas o presidente vetou, porque ele teria, então, interesse em promulgar isso? Dada essa possibilidade, veio o § 7º:

        § 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

Logo, quem a promulgará caso o Presidente não o faça será o Presidente do Senado Federal. Mas se ele não se interessar por fazê-lo ou não fizer por qualquer motivo, caberá a promulgação ao Vice-Presidente do senado. O que não pode acontecer é uma lei deixar de ser promulgada. Se é lei, então ela necessariamente passou pelo Congresso Nacional e por todo o processo legislativo. Se o Vice-Presidente do Senado, que é o último nessa cadeia de obrigações, não o fizer, ele estará sujeito a denúncia por crime de responsabilidade.

O veto, ao ser derrubado, transforma o projeto de lei em lei e ela tem que ser promulgada e publicada. A publicação gera presunção de conhecimento geral da lei pelos seus destinatários. Daí vai para a publicação no Diário Oficial da União.

Há prazo para a deliberação? A regra é que não haja prazo, e de fato não há! A transformação de um conteúdo em direito novo, pela sua importância capital, não está, em regra, submetida a prazo nenhum. Justamente porque se presume que essa transformação em novo direito é de vital importância, o constituinte deu ao legislador o tempo necessário para deliberar. Veja o Código Civil, por exemplo. Tramitou de 1973 até 2001. Pode, portanto, demorar muito mais do que o tempo de uma legislatura. E se a matéria for de urgência? Para isso, temos, excepcionalmente, o rito do...
 

Processo legislativo sumário

Quando usamos a palavra sumário, a noção que temos é de rapidez. Daí o sumário dos livros: servem para dar uma idéia rápida de seu conteúdo. Demissão sumária: uma demissão que não tem que esperar dilação nenhuma, ou análise de prova, de procedimentos; é tudo imediato: “Aconteceu o fato, então você está demitido!” Temos o processo legislativo sumário também. E, neste caso, o processo, que logicamente não será de um dia para a noite, terá um prazo constitucionalmente definido. Ocorrerá quando o processo legislativo for de iniciativa do Presidente da República. Então os parlamentares não podem pedir que se dê de forma urgente? Podem, mas a prerrogativa deles consta nos regimentos internos das Casas, não a Constituição. A disposição constitucional só está prevista para o Presidente da República, no art. 64, § 1º.

        Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.

        § 1º - O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.

        § 2º -  Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.

        [...]

Então, onde o Presidente da República deve apresentar seu projeto de lei? Na Câmara dos Deputados. Se ele pediu que o projeto de lei tramite em regime de urgência, a Câmara terá que fazer todo a análise pelas comissões, submeter ao plenário ou, se necessário, fazer a deliberação no ambito das comissões, a delegação interna corporis, em  no máximo 45 dias. Se não ocorrer, sobresta-se a pauta do Congresso Nacional, suspende-se, sobrestamento esse vulgarmente conhecido como “trancamento da pauta”. Ou seja, serão suspensas as discussões sobre todas as demais proposições legislativas que estiverem em trâmite, com exceção das que têm prazo constitucional determinado. Leia o § 2º. O projeto de lei aprovado em uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação. Aprovado na Câmara dos Deputados em até 45 dias, o projeto de lei irá para o Senado Federal, que terá mais 45 dias para também fazer toda a tramitação interna e aprovar esse projeto de lei ou rejeitá-lo. A consequência para o Senado, no caso de também exceder esses 45 dias, é de sobrestamento da pauta. Então, são 45 dias mais 45 dias, podendo ainda haver alteração enquanto o projeto estiver sob apreciação do Senado. Vamos, então supor que haja alteração no Senado. Tendo a alteração ocorrido na Casa revisora, o que acontece? Tais alterações voltam para a Casa iniciadora, para que esta aprecie e opte por mantê-las ou rejeitá-las

No § 3º do art. 64 está dito que...

        § 3º - A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, observado quanto ao mais o disposto no parágrafo anterior.

Logo, para a deliberação parlamentar, qual é o prazo constitucionalmente fixado, no final das contas? 100 dias. Pode ir além disso, mas ocorrerá, por conseqüência, o sobrestamento da pauta. 

Esse é o processo legislativo sumário, o processo legislativo cujo trâmite se dá em regime de urgência, que de acordo com a Constituição só pode ser pedido pelo Presidente da República em projetos de lei de sua iniciativa. Podem os parlamentares pedir que seus projetos tramitem em regime de urgência? Sim, mas, como falado, não é estabelecido pela Constituição, mas pelo regimento interno da casa. Quando o Presidente da República requer urgência, os parlamentares não têm opção; o projeto terá, obrigatoriamente, que tramitar em regime de urgência..

E se o presidente desistir da urgência? Ele retira o pedido, e tudo volta ao normal; as matérias sobrestadas reentram em discussão.

Por que precisamos de uma previsão de processo legislativo sumário na Constituição, já que a idéia é de total debate? Para casos de necessidade. Mas, não satisfeito com essa previsão, o constituinte pensou em outras duas formas de dar poder de legislar ao Executivo, uma menos grave, que é a lei delegada, e a mais grave, a medida provisória. Esta vira regra no dia seguinte, independente de ter havido ou não debate, torna-se direito novo no ordenamento jurídico tal como os advindos das leis ordinárias.

Para terminar, vamos unir as noções de veto com sobrestamento de pauta: o art. 66, § 4º diz que o veto será apreciado em sessão conjunta em 30 dias a contar de seu recebimento. O Congresso Nacional, então, tem 30 dias para apreciar o veto presidencial. Se ele não deliberar nesses 30 dias, § 6º:

        § 6º - Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

Veja que o veto é mais um instrumento de trancamento de pauta. Ele deve que ser deliberado pelo Congresso Nacional no prazo de 30 dias, ou a pauta ficará trancada até a sua deliberação. Que pauta é essa? A pauta da Câmara dos Deputados, pauta do Senado Federal... Qual? Vejam: temos vetos aguardando deliberação desde 1996. A pauta em questão é a pauta das sessões conjuntas do Congresso Nacional. Felizmente não é algo que acontece tão freqüentemente, e, portanto, não gera tanto transtorno quanto o trancamento da pauta da Câmara ou do Senado, como acontece quando há projetos de lei que tramitam em regime de urgência e com as medidas provisórias. Então a pauta que fica trancada é a pauta do que alguns consideram como a “terceira casa”, que seria o Congresso Nacional. Por isso há vetos aguardando apreciação há tanto tempo.

Questão interessante: sabendo que há vetos com deliberação paralisada há 13 anos, precisa-se deliberar sobre todos os vetos, começando pelos de 96 até, cronologicamente, chegar até os que foram vetados mais recentemente? A Constituição diz que o veto será analisado em 30 dias. A verdade é que essa é uma prática que o Regimento Interno permitiu pela sua redação e o STF, ao apreciar uma questão dessas, acaba saindo pela tangente por considerar que esse é um assunto para deliberação interna corporis. O Regimento Interno das Casas estabelece que o recebimento não é a entrada física do documento, mas a leitura por uma sessão do Congresso Nacional. Então, a leitura, para que o prazo possa começar a  ocorrer, é feita daquele veto que os parlamentares acharem que devem analisar; tanto que os vetos de 1996 provavelmente ficarão lá para sempre pois já se perdeu, há muito tempo, o interesse político de analisá-los. Leis há que deveriam conter 40 artigos, mas dois foram vetados, e a lei entrou em vigor com apenas 38 mesmo assim. 

Essa regra do regimento interno tem, portanto, uma constitucionalidade duvidosa, que trata o recebimento como a leitura, que não deveria assim, mas como o protocolo do recebimento. É uma questão que os parlamentares elegeram como o momento, até porque trata-se de um órgão político, portanto as Casas do Congresso se organizam e decidem internamente elaborando seu Regimento Interno. Essa leitura é que gera o início da contagem do prazo de 30 dias. Isso pode ser objeto de mandado de segurança, como de fato já foi, em que o DEM, na época PFL, ajuizou um mandado de segurança junto ao Supremo, cujo então Ministro Sepúlveda Pertence relatou. Alegou o PFL: “é direito liquido e certo do parlamentar participar de um processo legislativo correto. Aqui está a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal fazer o controle preventivo de constitucionalidade”. ¹ Sepúlveda entrou na discussão da seguinte forma: o veto que foi objeto de deliberação teve sua leitura na sessão, e o prazo começou a correr. Os demais, que lá estavam parados, ainda não haviam sido lidos, portanto o prazo não correu. Observem que ninguém impugnou a inconstitucionalidade da norma do Regimento Interno, pelo menos não nesse mandado de segurança. Se o Supremo quisesse, ele faria uma declaração de inconstitucionalidade incidental, nesse mandado de segurança, para reconhecer o impedimento do trâmite daquela votação do veto. Mas o mandado de segurança foi indeferido. 

Vamos agora ver a próxima espécie legislativa, a...
 

Lei complementar

Vamos reler o art. 59:

Seção VIII
DO PROCESSO LEGISLATIVO
Subseção I
Disposição Geral

        Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

        I - emendas à Constituição;

        II - leis complementares;

        III - leis ordinárias;

        IV - leis delegadas;

        V - medidas provisórias;

        VI - decretos legislativos;

        VII - resoluções.

        Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Nos já vimos o processo legislativo de resoluções, e vimos que ele não tem um tratamento dado pela Constituição. Depois vimos o processo legislativo ordinário, que é a base de todos os processos legislativos. Vamos agora estudar processos legislativos especiais. O processo legislativo ordinário pode ser sumário, quando existe um prazo para a deliberação. O que estudaremos agora é o próximo processo legislativo, que é o da lei complementar.

Quando se fala em lei complementar, pelo próprio nome, achamos que ela complementa o que? A Constituição. A idéia é que todas as leis complementem, concretizem a constituição. A constituição deve ter, portanto, normas bem detalhadas, o que não é plenamente realizável, então as demais leis vêm para especificar tais normas e regulá-las.

Mas a lei complementar tem uma peculiaridade: é chamada de tertium genus, o terceiro gênero de espécie normativa. Por quê? Pelo seguinte: nós temos três gêneros:

  1. Normas constitucionais, e quando falamos delas, estamos nos referindo às originárias e das derivadas, que são as emendas; estão, portanto, no ápice do ordenamento jurídico;
  2. A legislação ordinária, em que estamos tratando das leis ordinárias e das demais normas que têm exatamente o mesmo status de lei ordinária, que são as: medidas provisórias, os decretos legislativos, resoluções e leis delegadas;
  3. O terceiro gênero, que fica entre as constitucionais e as ordinárias: as leis complementares.

Essas leis existem para complementar a constituição. Por quê? A constituição já não deveria ser complementada pelas leis ordinárias? É que existem alguns assuntos que o constituinte valorou como sendo materialmente de importância constitucional, no sentido de serem assuntos que poderiam estar tratados na constituição, mas o constituinte pensou:"não é bom que este assunto, apesar de sua importância, esteja engessado na Constituição. Só que, pelo seu grau de importância, ela também não deve poder ser alterada ordinariamente." Alterada ordinariamente temos, por exemplo, a lei ordinária, que é aprovada por maioria simples e todas as espécies normativas que têm hierarquia de lei ordinária. Então o constituinte entendeu que esses assuntos não poderiam ficar sujeitos a uma flexibilização tal que pudessem ser alterados a qualquer momento, por qualquer maioria, mas também entendeu, ao mesmo tempo, que pela necessidade de uma certa flexibilização, esse assunto não poderia estar entalhado na Constituição, pois ela, para ser alterada, precisa de um procedimento extremamente complexo. O quorum é além da maioria absoluta: 3/5 para alterar a Constituição, pela emenda constitucional. Logo há uma espécie intermediária. Dessa forma, o constituinte, escolhendo essas matérias, tratou de disciplinar na Constituição que elas só poderiam ser tratadas por meio da espécie normativa da lei complementar, espécie normativa com quorum previsto maior do que o necessário para lei ordinária. É o que diz o simples art. 69.

        Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

Este é o único artigo disponível sobre o processo legislativo da lei complementar. O processo legislativo da lei complementar é exatamente igual ao da lei ordinária, com a única diferença do quorum para a aprovação, estabelecido no art. 69 acima. O art. 69 é, então, a única disposição constitucional contrária ao art. 47, que é a regra geral. Assim o constituinte conseguiu dar um tratamento adequado àqueles assuntos que entendeu que não poderiam ficar tratados ao sabor de maioria simples, com alta flexibilidade, mas também não engessou a possibilidade de alteração por colocá-los na própria Constituição. O quorum resultante, portanto, ficou intermediário: maioria simples < maioria absoluta < 3/5. São assuntos complementares à Constituição mas que, pela necessidade de mudança mais flexível que o necessário para uma emenda constitucional, não estão no próprio corpo da Constituição.

A pergunta é: quais são esses assuntos? Onde vamos encontrá-los? Na própria Constituição. Nela veremos os temas que serão objeto de lei complementar. Quando o constituinte quis que determinado assunto fosse tratado por lei complementar, significa que ele visualizou tudo isso que acabamos de ver: a importância do assunto mais a necessidade de que ele fosse tratado como uma espécie normativa intermediária, então ele escreve expressamente no texto constitucional. “Tal assunto será tratado por lei complementar.” Exemplo: normas gerais em matéria tributária. Isso é importante? Sim, complementa a Constituição. Tributos, seu estabelecimento e alteração: será que isso é importante? Quais são as possibilidades de se aumentar tributos? Isso gera direitos para o contribuinte? Sim, pois se não for naquelas hipóteses expressas, não pode haver aumento de tributos. Outro exemplo é a inelegibilidade. Também é assunto importante? Sim, trata de direitos políticos. São os direitos do art. 14, de votar e ser votado. Quem pode e quem não pode votar ou se candidatar? É assunto materialmente constitucional, que diz respeito à soberania popular. Mas o constituinte determinou que a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade. § 9º do art. 14.

         § 9º  Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Nessas condições, suponhamos que um parlamentar resolva criar um projeto de lei que trate de novas hipóteses de inelegibilidade. O projeto passa por todo o trâmite do processo legislativo e também pelas fases complementares (promulgação e publicação). Teremos, no final das contas, uma lei ordinária tratando de uma matéria que a Constituição expressamente disse que a deve ser objeto de lei complementar. Logo, essa lei ordinária é inconstitucional, formalmente. Inconstitucionalidade formal sempre torna a lei inteiramente inconstitucional.


Próxima aula: mais sobre lei complementar.
  1. Não sei se foi exatamente com essas palavras.