Tópicos:
Vimos que a Constituição brasileira em 1891 adotou o controle difuso de constitucionalidade. É que só havia o modelo americano para se inspirar. Ele surgiu nos EUA como um sistema natural, decorrente da forma e da estrutura jurídica adotada. Então, no caso Marbury x Madison, John Marshall chegou à conclusão que ou se reconhece que a Constituição é suprema e portanto as normas infraconstitucionais têm que estar subordinadas a ela, ou então não tem sentido falar em Constituição com suas prerrogativas. Então, restou reconhecido o poder de todos os juízes e tribunais efetuar o controle de constitucionalidade.
O Brasil adotou esse sistema em 1891. Acontece que, diferentemente do sistema norte-americano, o sistema brasileiro enseja uma divergência de decisões sobre uma mesma situação, por força da inexistência do precedente vinculante (stare decisis). Houve, então, a proposta incluída na Constituição de 1934 de tentar solucionar o problema da inadequação do sistema em face do sistema romano-germânico, com duas soluções: a primeira era a reserva de plenário. Por que ela veio? Dentro de um mesmo tribunal, existem vários órgãos fracionários que fazem o controle de constitucionalidade. Dentro do tribunal eles se dividem internamente e a decisão do órgão é decisão do próprio tribunal. Para os casos em que houvesse entendimentos diversos, criou-se a cláusula da reserva de plenário. Hoje, a norma está no art. 97 da Constituição Federal de 1988. Diz que somente pela maioria absoluta dos membros do tribunal que se pode determinar a inconstitucionalidade de uma lei. Vimos também que, no dia-a-dia dos órgãos fracionários, essa situação é comum. Quando acontece num país que usa o sistema romano-germânico, o mecanismo se assemelhará ao controle concentrado de constitucionalidade. O juiz paralisa o processo e o remete ao TCF (Tribunal Constitucional Federal, como existe na Alemanha), que se manifesta exclusivamente sobre a inconstitucionalidade. Os órgãos fracionários dos tribunais que estavam julgando o caso que foi paralisado não poderão desobedecer a essa manifestação do TCF.
Uma segunda solução foi encontrada para resolver o problema da divergência generalizada entre os juízes vinculados a todos os tribunais sobre determinada lei ser ou não inconstitucional. Não havia vinculação antes disso, nem mesmo pelo Supremo. Então, isso gera, como dissemos, um caos, fazendo com que a questão chegue ao Supremo Tribunal Federal, que se manifesta igualmente ao que já havia feito. Mas, até chegar ao Supremo, deve-se passar por todas as instancias, porque o RE pressupõe o esgotamento de todas as instâncias ordinariamente previstas. Então, para trazer segurança jurídica, a outra solução adotada foi a competência que foi atribuída ao Senado Federal de suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Hoje, esse dispositivo está no art. 52, inciso X.
Seção
IV
DO SENADO FEDERAL Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; |
Se o Supremo declarou a lei inconstitucional integralmente, o Senado Federal suspende a lei integralmente. Se parcialmente, o Senado só suspende aqueles dispositivos. Como? Por meio de resolução, que é promulgada e publicada. Nisso, serão produzidos efeitos para quem? Note que ainda não estava difundida a idéia de controle concentrado, que surgiu em 1920 na Áustria. Então, o controle ainda é apenas difuso. Vale, portanto, apenas entre as partes. Qual é o efeito dessa decisão, para as partes? Desde quando nasceu a lei. Para as partes, é como se aquela lei nunca tivesse existido. Assim, a decisão de inconstitucionalidade retroage. Mas, como essa retroatividade era apenas para as partes, acontecia a divergência generalizada de decisões. Foi em 1934 que se queria solucionar esse problema. Qual foi a solução proposta? Criar uma competência para o Senado Federal de suspender a execução dessa lei que foi declarada inconstitucional pelo guardião final da Constituição. O Senado, então, elabora essa resolução com conteúdo: “suspendo a execução da lei 123456”. Como é uma espécie normativa, ela é promulgada e publicada. Produzirá, portanto, efeitos para quem e a partir de quando? A partir desse momento. É como se ela tivesse sido revogada. O instrumento usado foi a suspensão de sua execução. Não é bem revogação porque não foi uma nova lei que provocou o afastamento de seus efeitos. Então, a partir daí, nenhum juiz mais poderá aplicará a lei.
Então,
naquele raciocínio
cronológico, se o objetivo dessa competência do Senado é dar efeitos erga omnes a uma decisão que só existe
para as partes, isso é controle de constitucionalidade concentrado?
Ainda não,
porque a própria decisão já teria que ter esse efeito. Então, só pode
ser para
o controle difuso.
Para
não dizer que o controle de
constitucionalidade concentrado no Brasil só surgiu em 1965, com a
Emenda Constitucional
nº 16 da Constituição de 1946, há quem reconheça o embrião desse
controle em
1934. Ele estaria num mecanismo chamado representação
interventiva. Nada a ver com o Senado ou com o controle
difuso. Por que
concentrado? Porque só no Supremo Tribunal Federal que se poderia fazer
essa
análise. Mas este é um caso concreto, ainda que seja uma análise em
tese, e ainda
que no Supremo Tribunal Federal. Por que no caso concreto? Porque
objetiva uma
questão material, fática da vida, que, pelo próprio nome, podemos
identificar.
Do que se trata? Qual é o objetivo da representação interventiva? Aqui,
há a
igualdade e independência dos entes federativos. Mas a Constituição
prevê
hipóteses excepcionalíssimas de suspensão dessa autonomia. Para que
isso aconteça,
há um procedimento. Do estamos falando? Intervenção
federal. Por um problema, a União afasta os governantes,
mesmo que tenham
sido eleitos pelo povo no estado, o que é a expressão da autonomia do
ente
federativo, e gere diretamente aquele estado da Federação. E esse
procedimento,
em 1934, era a representação interventiva, que funcionava assim: se
houvesse
esse problema, essa exceção dentro de um ente federativo que exigisse a
intervenção da União, o Senado propunha um projeto de lei cujo conteúdo
era a
intervenção. Então, inicia-se um processo legislativo. Mas essa lei
fica pendente
de uma confirmação de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal. É
como se o Supremo tivesse que agir como o Presidente da República
quando
sanciona ou veta. E se a lei fosse declarada constitucional pelo
Supremo,
haveria a intervenção. Por que isto pode ser entendido como o embrião
do
controle concentrado? Por que só o Supremo poderia fazer, então ele concentra o ato.
Manteve-se o mesmo mecanismo de controle difuso com as regras de suspensão de execução da lei pelo Senado e com a reserva de plenário. Só que, a “polaca”, que foi uma Constituição semântica (classificação de Karl Loewenstein), só estabelecia palavras, já que Getúlio é quem de fato governava, além de que previa um plebiscito para acontecer, mas que nunca aconteceu. Também havia a previsão de que o Congresso Nacional, enquanto não se reunisse, deixaria que o Presidente da República trabalhasse como o próprio Congresso. Então, havia outro dispositivo que estabelecia que, se o Supremo Tribunal Federal declarasse a inconstitucionalidade de uma lei, poderia o Presidente da República submeter essa lei novamente ao Congresso Nacional para que ele a confirmasse e, então, ela voltaria a produzir seus efeitos como se nunca tivesse sido declarada inconstitucional pelo Supremo. Bastava o Presidente da República achar que a lei era importante para o interesse público. O que acontecia, então? O próprio Presidente fazia papel de Legislativo.
Então,
1937 houve esse
retrocesso: o órgão final (que deveria ser o Supremo) deixou de ser o
órgão
final.
Com
o retorno da democracia,
todos os instrumentos considerados autoritários foram extirpados do
texto
constitucional. Manteve-se o controle de constitucionalidade difuso
como
adotamos em 1891 como as duas soluções adotadas em 1934. Além disso, em
1946, a
representação interventiva mudou de procedimento. Em 1934, se houvesse
a necessidade
da intervenção federal, o Supremo atuava como uma Casa que confirmaria,
por
meio da “sanção” de constitucionalidade daquela lei. Agora, a
sistemática, o
procedimento da representante interventiva muda. O que se faz, a partir
de
então? Não é uma lei que proporá a intervenção federal. Em razão do
problema,
do ato praticado no âmbito do estado-membro, que gera a necessidade da
intervenção federal, o Procurador Geral da República propõe uma ação interventiva no Supremo Tribunal
Federal. Essa ação é como se fosse uma ação de inconstitucionalidade,
mas de
que ato? Do ato de governo local que viola a Constituição e que,
portanto, se o
Supremo reconhece a inconstitucionalidade do governo local, ao mesmo
tempo ele
reconhece a necessidade da...
Veja o art. 34 da Constituição atual:
CAPÍTULO
VI
DA INTERVENÇÃO Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. |
O conteúdo esse artigo mostra claramente que o princípio que vigora é o da autonomia. A regra é de não-intervenção. Excepcionalmente, essa autonomia será restrita, afastada. Em quais casos? Vamos discorrer sobre alguns dos incisos:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário; II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. [...] |
Ou seja, há uma decisão judicial que não está sendo acatada, ou uma lei federal que não está sendo cumprida.
Inciso III - aqui está a representação interventiva. Só mudou de nome; agora se chama de ação direta de inconstitucionalidade interventiva. O que é “provimento”? Julgar procedente. Ou seja, há uma ação direta de inconstitucionalidade dizendo: “com o ato tal, o estado-membro prejudica a autonomia municipal.” Peço, portanto, a declaração de inconstitucionalidade do ato do Executivo.
§ 1º:
§ 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas. |
A intervenção depende de uma discussão? Quem decreta a intervenção federal? O Presidente da República. Em alguns casos, de ofício, em outros, por provocação. Esse decreto de intervenção depende de apreciação do Congresso Nacional. Ou seja, é o Poder Legislativo que confirmará a decretação de intervenção federal pelo Presidente da República.
§ 2º:
§ 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas. |
Convocação extraordinária para o caso de acontecer no período de recesso.
§ 3º:
§ 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. |
§ 4º:
§ 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal. |
Exceções: estado de defesa, de sitio, e intervenção federal.
Vejam,
portanto, que é um
controle concentrado porque é no Supremo Tribunal Federal, mas não é
abstrato;
é feito num caso concreto.
Emenda Constitucional nº 16 da Constituição de 1946
e o controle concentrado
Com relação à Constituição de 1946, somente com a Emenda Constitucional nº 16 de 1965 veio a possibilidade de representação de inconstitucionalidade. É genérica, em relação à representação interventiva. Essa emenda trouxe a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de qualquer lei ou ato federal ou estadual que violasse a Constituição Federal. Não somente lei ou ato de governo local. Agora, pode haver representação contra qualquer violação.
Então, em 65, criamos um instrumento de controle em tese, em abstrato, diretamente no Supremo Tribunal Federal contra todo e qualquer ato que violasse qualquer dispositivo da Constituição Federal. Esse controle foi inspirado no modelo europeu. Até 88, somente o Procurador Geral da República era o legitimado para propor a representação interventiva. Em muitos casos, o Procurador Geral da República propunha a representação para atender a uma exigência com relação a discussões sobre a constitucionalidade ou não de determinado ato, mas, para os casos em que ele não estivesse convencido daquela inconstitucionalidade, adotou-se uma praxe de permitir que, se ele não concordasse com a inconstitucionalidade, ele poderia dar um parecer pela constitucionalidade. Isso é o embrião da ação declaratória de constitucionalidade.
Além
disso, a Emenda 16 trouxe a
possibilidade de os Tribunais de Justiça dos estados fazerem o controle
concentrado de leis municipais em face das Constituições estaduais.
Não
houve mudança significativa
no controle de constitucionalidade em comparação com a Emenda de 65 à
Constituição de 1946. Ampliou-se, entretanto, a representação
interventiva,
confiada ao Procurador-Geral da República. Com a Emenda 1 de 69, ficou
previsto
o controle de constitucionalidade de lei municipal em face da
Constituição
estadual para fins de intervenção no município. ¹
Agora, são nove os legitimados para ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade. Estão no art. 103 da Constituição Federal de 88.
Art. 103. Podem
propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. § 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal. § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado. |
São esses os legitimados para pedir declaração de inconstitucionalidade em tese. Isso tem o efeito de retirar a lei do ordenamento jurídico. Daí dizer que o Supremo é o legislador negativo, atuando como uma “terceira Casa legislativa”.
Isso
fez com que o Supremo
ampliasse enormemente sua atuação no controle concentrado. Agora, o
controle
concentrado está quase ultrapassando em utilização e importância o
controle
difuso.
Amanhã: instrumentos do controle concentrado. Ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, argüição de descumprimento de preceito fundamental e ação direta de inconstitucionalidade por omissão.