Direito Penal

quarta-feira, 4 de março de 2009

Penas restritivas de direitos


 

Terminamos a aula passada iniciando o assunto de pena restritiva de direitos.

O próprio nome já diz: restringe alguns direitos do indivíduo. Alguns as chamam de penas alternativas, porque são alternativas, substitutivas à pena privativa de liberdade. Reclusão, detenção, prisão simples. Vieram com a reforma feita no Código Penal em 1984.

Em vez de o Estado segregar o indivíduo, ele substitui essa pena por alguma atividade que ele deva exercer. Falamos antes que o preso primário, de bons antecedentes, quando fica preso na companhia de alguns, ele de fato aprende novas práticas criminosas. Isso é para que ele compreenda a gravidade do fato que praticou mas fique com alguns dos direitos restringidos.

As penas restritivas de direitos, como falamos, não estão previstas em abstrato no Código Penal. O que significa isso? Se pegarmos todos os crimes, do art. 121 ao 361, não encontraremos nenhum preceito com pena colocada em abstrato. Entretanto na lei de trânsito há disposições abstratas, bem como na Lei de Crimes Ambientais e na Lei de Drogas. Por quê? Porque são penas substitutivas, ou seja, só substituem as penas privativas de liberdade; elas não são aplicadas simultaneamente. Quando o juiz sentenciar um sujeito, ele dirá assim: “Isto posto, condeno o réu a uma pena de dois anos de detenção. Porém, substituo essa pena por prestação de serviços à comunidade ou entidade pública que deverá ser exercida na instituição X durante o período Y.” Primeiramente, então, ele aplica a pena privativa de liberdade, depois analisa se o condenado reúne os pressupostos objetivos e subjetivos, e então faz a substituição. Há critérios para isso.

A Constituição Federal, no art. 93, inciso IX, diz...

        Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

       IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

Trata da publicidade dos atos judiciais, com fundamentação. Isso significa que quando o juiz condena alguém a dois anos de detenção, ele terá que fundamentar o porquê de ter decidido de tal forma. Se substituir ou não, também terá que fundamentar. Para isso, ele olhará o art. 59 do Código Penal.

CAPÍTULO III
DA APLICAÇÃO DA PENA

        Fixação da pena

        Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

        I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

        II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

        III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

        IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Isso significa que o sujeito pode deixar de receber a substituição mesmo sendo tecnicamente primário, como, por exemplo, no caso em que  estiver respondendo a cinco processos simultaneamente, mas sem ter havido o trânsito em julgado de nenhuma das sentenças penais condenatórias.

A fundamentação tem uma razão especial: permitir que o sujeito recorra da decisão. Se o juiz não declara o porquê da pena aplicada, o sujeito pode entrar com embargo declaratório. Assim, o juiz pode corrigir a sentença ou, se não tiver nada a rever, o condenado poderá apelar.

Outra coisa: no semestre passado, aprendemos com base no art. 12 do Código Penal que:

        Legislação especial

        Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

Podem-se aplicar essas regras a qualquer crime, mesmo que não estejam no Código Penal, desde que não disponham de modo contrário. O art. 12 remete tudo isso para a parte especial. Podemos aplicar no crime de trânsito, de drogas, Maria da Penha, onde for possível.

Outra coisa a alertar: tudo que aprendemos tem uma razão de ser. Estamos criando uma estrutura para a compreensão de nosso futuro em termos de Processo Penal e Direito Penal. O aluno tem o costume de esquecer-se dos semestres anteriores. Isso é tudo natural. Mas tudo que vemos aqui é para aplicar nos crimes. Se não soubermos disso, como defenderemos nossos clientes? Como fiscalizar a lei, se resolvermos trabalhar no Ministério Público, ou como aplicá-la, se formos para a magistratura? Esta é uma matéria não muito agradável, mas temos que engoli-la. No Direito, chamamos de “perfumaria” aquilo que não tem validade, o que não é o caso aqui. No último exame da Ordem, caiu uma questão exatamente sobre um caso de não fundamentação da sentença pelo juiz. Você, como advogado, deveria fazer a defesa de seu cliente. O examinador em concurso está nos martelando nas partes mais básicas do Direito.

Pena pecuniária

Então, como penas restritivas de direitos, temos a pena pecuniária. Toda vez que algum valor estiver envolvido, o juiz tem que levar em consideração a situação econômica do condenado, nos termos do art. 60.

        Critérios especiais da pena de multa

        Art. 60 - Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.

       § 1º - A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo.

Se o condenado não puder pagar, a pena não surtirá efeito algum. A pena será convertida em prisão caso o sujeito não pague. Por isso o juiz deve levar em consideração essas possibilidades.

Não confunda a prestação pecuniária com pena de multa nem reparação de dano de trânsito. A pena pecuniária não está vinculada a nada; o juiz simplesmente faz essa substituição. Mas se a vítima buscar no cível uma indenização, o valor determinado no processo penal será deduzido da ação indenizatória para que não ocorra bis in idem.

Art. 91 do Código Penal, inciso II: analise-o juntamente com o art. 188 do Código Civil.

CAPÍTULO VI
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Efeitos genéricos e específicos

Art. 91 - São efeitos da condenação:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Não esqueçam que o Direito é todo integrado. A separação em campos é meramente didática. Só hoje já falamos em Direito Penal, Direito Civil e Direito Constitucional. O aluno deve ser, portanto, multidisciplinar. É outro hábito que precisamos cultivar desde já.

Esta prestação pecuniária não se confunde com pena de multa penal. Isso porque há crimes que verificaremos, como na parte de crimes especiais: pena e multa. Um exemplo é o crime de peculato, do art. 312 do Código.

TÍTULO XI
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CAPÍTULO I
DOS CRIMES PRATICADOS
POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

        Peculato

        Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

        Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

        § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

No Código de Trânsito Brasileiro, o art.297 (Lei 9503/97) fala em multa reparatória. A priori, ela se confunde com a prestação pecuniária. Mas a multa reparatória está vinculada ao dano material decorrente do crime de trânsito. A pena pecuniária não está vinculada a nada, é uma mera substituição associada à pena privativa de liberdade que o sujeito poderia ter recebido caso não reunisse os requisitos.

 

Perda de bens e valores

É outra pena restritiva de direitos. A Constituição, no inciso XLVI do art. 5º, diz...

        XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

        a) privação ou restrição da liberdade;

        b) perda de bens;

        c) multa;

        d) prestação social alternativa;

        e) suspensão ou interdição de direitos;

É sobre a individualização e a individuação. Os bens dos filhos não podem ser recolhidos, nem do cônjuge se não houver comunicação com os bens do condenado. Note que não se trata de efeito da condenação como diz o art. 91 do CP.

Há também o art. 243 da Constituição, que dispõe sobre a expropriação de terras de cultivo de plantas psicotrópicas:

        Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

        Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

A expropriação pode ser tanto efeito da substituição da pena privativa de liberdade quanto efeito da condenação conforme o art. 91 do CP.

 

Prestação de serviços à comunidade ou entidade pública

É a mais comum e aplicada com maior constância.

As pessoas ficam às vezes pasmas porque vêem que sujeito matou no trânsito e não foi preso. O crime de homicídio culposo no trânsito tem pena de 2 a 4 anos, mas o crime culposo, de acordo com o Código Penal, pode ter sua pena, se privativa de liberdade, substituída por pena restritiva de direitos. Deve-se lembrar que, no crime culposo, o resultado não é pretendido pelo agente, não há demonstração de periculosidade, de ânimo de praticar, do desvalor do ato.

Mas se o crime for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, então a substituição não é possível. Está no art. 44 inciso I.

        Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

        I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

[...]

Esta pena pode ser aplicada para crimes cuja pena privativa de liberdade não for superior a seis meses. Mas este serviço é uma pena substitutiva, e portanto é gratuito. Não confunda com trabalho do preso. Se a pena for inferior a 6 meses, então a substituição deve ser para outra pena restritiva de direitos. Isso está no art. 46 do Código.

        Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas

        Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.

        § 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. 

        § 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

        § 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.

        § 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.

Deve-se respeitar inclusive a regra constitucional da liberdade de culto: não se deve pôr um evangélico para trabalhar em ambientes onde se pratica a macumba.

Quando a pena for superior a quatro anos, então a substituição não pode ser feita.

 

Interdição temporária de direitos

Não é permanente, como diz o nome. Lembre-se que no Brasil não pode haver penas de caráter perpétuo. Isso vai além de “prisão perpétua”.

  1. Primeira: proibição do exercício de cargo ou função pública, bem como mandato eletivo. Este tipo de substituição só é permitida quando o sujeito cometer o crime no exercício de sua atividade pública.
  2. Segunda: proibição de exercício de profissão, atividade ou oficio que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público. Também para crimes cometidos no exercício do oficio profissional.
  3. Terceira: suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veiculo. É uma substituição por uma pena que se pegou. Cuidado com a sutileza. Como esta é uma pena substitutiva, a suspensão da habilitação não pode ocorrer juntamente com uma pena privativa de liberdade.

O art. 92 do Código Penal traz os efeitos da condenação.

        Art. 92 - São também efeitos da condenação:

        I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

        a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

        b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

        II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

        III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

        Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Se for crime de trânsito, a suspensão da carteira pode vir junto com pena privativa de liberdade e multa.

  4. Quarta: proibição de freqüentar determinados lugares.

Sendo esta mais uma forma de pena restritiva de direitos, ela é substitutiva. Ao mesmo tempo, ela é condição para o livramento condicional e o sursis. Nesses dois institutos, o sujeito não está obrigado a cumprir as determinações, mas apenas ficará privado do benefício caso as condições não sejam satisfeitas.

Cuidado com as múltiplas possibilidades de confusão.


Quando terminarmos as penas restritivas de direitos, vamos ver um filme sobre sentença admonitória. Vale meio ponto, e não será aceito atestado médico de quem faltar aula.