Vamos tratar hoje do chamado sursis, que, na verdade, é a suspensão condicional da pena. Deveremos ouvir, ou já ouvimos, falar do sursis processual, que é diferente.
Foi um instituto criado pela Lei 9099/97, que criou o Juizado Especial Criminal, e agora determina a possibilidade de suspensão do processo de todos os crimes cuja pena mínima cominada não seja maior que um ano. A relação jurídica processual é instaurada, mas o processo não segue. O processo seguirá caso se descumpra o que foi estabelecido. No caso em pauta, que veremos a partir de hoje, no sursis, que chamamos de suspensão condicional do processo, o juiz impõe a pena e, se reunir as condições subjetivas e objetivas, o juiz deixa de executar a pena. No final, a punibilidade do agente é extinta. Estudamos até então que o juiz termina o processo, aplica a pena, e, desde que não seja maior que 4 anos e se reunir tais condições, há a substituição por pena restritiva de direitos. No sursis não há substituição alguma; é como se o juiz passasse a seguinte mensagem ao réu: “vá para casa, cumpra essas obrigações que lhe imponho, reúna as condições e sua punibilidade está extinta.” Não há outra situação a não ser cumprir o que determina a lei e o juízo.
Hoje
em dia, com o avanço da política criminal e a substituição da pena
privativa de liberdade, o sursis
está
praticamente inaplicável; só é aplicável agora quando houver uma
reincidência em crime culposo. Fora disso não, porque uma das condições
que ele exige é a
inaplicabilidade de
penas restritivas de direitos. Por mais que pareça não ser, a pena
restritiva
de direitos é mais benéfica que o sursis.
É o instituto jurídico pelo qual a pena privativa de liberdade, não superior a 2 anos, tem a sua execução suspensa mediante o cumprimento de determinadas condições estabelecidas na lei e pelo juiz (respectivamente as circunstâncias legais e judiciais.)
"Pena que não ultrapasse 2 anos" é a
regra geral, pois nos 2
últimos tipos de sursis, que
veremos
em seguida, a pena é de 4 anos. Conseqüência: o indivíduo não é
recolhido ao cárcere.
Uma vez cumpridas as condições, ele estará isento e sua punibilidade é extinta.
Requisitos objetivos do sursis
Requisito da qualidade da pena: só pode haver sursis em pena privativa de liberdade. É o que diz o próprio conceito. Não há em pena restritiva de direitos nem em pena de multa. Por que não? Quando estudamos as penas restritivas de direitos, no art. 44 do Código Penal, vimos que no Código não há pena restritiva de direito cominada em abstrato. Na legislação especial existe a pena restritiva de direitos cominada em abstrato: Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503), Lei de Crimes Ambientais, Lei de Drogas (art. 28, que trata do comportamento para o uso de drogas).
A regra é que, no sursis, o tipo de pena (a referida qualidade) deverá ser a pena privativa de liberdade.
Requisito da quantidade da pena: o quantitativo não deverá ser superior a 2 anos, desde que o sursis seja do tipo simples ou especial, ou de 4 anos para o sursis etário ou humanitário (que segue as mesmas condições do daquele.)
E,
finalmente, o sursis tem o
requisito da inaplicabilidade
de pena
restritiva de direitos
no lugar da pena privativa de
liberdade. Isso porque,
quando o indivíduo que recebe o beneficio não cumpre aquela pena
injustificadamente, ocorrerá a conversão daquela pena restritiva de
direitos para pena privaiva de liberdade. No entanto, neste caso há
detração penal, pois o sujeito já chegou a cumprir uma parte da pena.
No sursis,
não há detração, pois o período em que ele ficou em casa
não contou como período de cumprimento. Se ele descumprir as condições,
ele voltará à privação da liberdade e cumprirá integralmente sua pena.
Por isso que, para o condenado, é melhor a substituição para pena
restritiva de direitos do que a aplicação do sursis.
Esses
são os requisitos objetivos.
O
condenado não pode ser reincidente
em crime doloso, e as
circunstâncias do art. 59 (a culpabilidade, os antecedentes, a conduta
social,
a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e
conseqüências do
crime e o comportamento da vítima) têm que ser favoráveis a ele.
Falamos que
essas circunstâncias judiciais estarão conosco em todo o tempo de nossa
vida acadêmica,
e também enquanto estivermos trabalhando com atividades ligadas ao
Direito, ou
até estudando para concursos. Tais condições do art. 59 são
fundamentais para a
concessão de qualquer benefício. Ao
estudar o art. 89,
o livramento condicional, não poderemos nos desvencilhar do
conhecimento dessas circunstâncias.
Para os sursis etário e simples, temos uma diferença pequena de requisitos. O juiz deve olhar as circunstâncias do art. 59 do Código, transcritas acima.
No
sursis simples, o juiz não precisa
analisar todas as
condições do art. 59.
No especial, todas aquelas circunstâncias têm que ser favoráveis ao agente.
Os
requisitos estão enumerados no
art. 77 do Código (abaixo); os
objetivos estão no caput e os subjetivos estão nos
incisos.
Sursis simples: o condenado deverá, obrigatoriamente, prestar serviço à comunidade ou submeter-se a limitação de fim de semana, durante um ano. Note que ele tem sempre que reparar o dano e em favor dele militarem as circunstâncias judiciais do art. 59. A previsão legal do sursis está nos arts. 77 a 82 do Código Penal.
Art. 77:
CAPÍTULO
IV
DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA Requisitos da suspensão da pena Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. § 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. § 2º - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão. |
O art. 44, referido no 77, trata da pena restritiva de direitos. É o que dissemos: o sursis é menos benéfico ao agente do que a substituição por pena restritiva de direitos, logo, se esta for aplicável, aquele não podera ser.
§ 1º: condenação anterior a pena de multa: não a consideraremos; só vamos considerar se a pena for privativa de liberdade. Se o indivíduo for reincidente, mesmo que o crime seja doloso mas a pena tiver sido de multa, o Supremo Tribunal Federal entende que o sursis poderá ser concedido.
Esse
foi o sursis
simples.
O sursis especial se encontra no § 2º do art. 78:
Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado
ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições
estabelecidas pelo juiz. § 1º - No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art. 48). § 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. |
A diferença entre o sursis simples e o especial está no § 2º. São as condições estabelecidas. Note que, para que se obtenha o sursis especial, as condições do art. 59 deverão ser inteiramente favoráveis a ele.
A substituição das exigências para o sursis simples poderão ser substituídas pelas seguintes, aplicadas cumulativamente, desde que o sujeito tenha reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e ter em seu favor as circunstâncias do art. 59 em sua inteireza:
No sursis simples, o condenado deverá, obrigatoriamente, prestar serviço à comunidade ou submeter-se a limitação de fim de semana, durante um ano.
A reparação do dano não é condição estabelecida na lei, mas, se não ocorrer, pode revogar o sursis. Vamos estudar, depois, o art. 91, com os efeitos da condenação. O que acontece com a reparação do dano: é obrigatória como efeito da condenação.
CAPÍTULO
VI
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO Efeitos genéricos e específicos Art. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. |
Reparação do dano é conditio sine qua non para o indivíduo que comete qualquer ato ilícito contra alguém, independente da esfera do Direito. Já tivemos a oportunidade de ver isso, brevemente, no Direito Civil. Em países mais evoluídos, que imaginamos haver sociedades mais cultas e estudadas; neles, encostar o carinho do supermercado no tornozelo de alguém já pode ser motivo de reparação de dano. Mas não é somente pela questão cultural e educacional. É que, como se sabe em qualquer lugar do mundo, a parte mais sensível do corpo humano é o bolso. E a cultura, nos países europeus e nos Estados Unidos, é de indenizações de pelo menos duas ordens de grandeza ² maiores do que as do Brasil, grosseiramente analisando.
"Salvo impossibilidade de fazê-lo": ninguém pode ficar obstado do benefício por não conseguir reparar o dano. Essa impossibilidade, então, é sobre a condição financeira do agente. Ele poderá provar ao juiz que não tem como pagar a reparação do dano. Se for o caso, ele não estará obstado de receber o benefício. Do contrário, os condenados com menor nível socioeconômico sempre ficariam sem o benefício do sursis por não terem condições de reparar o dano e acabariam voltando para o cárcere. Não é isso que tem acontecido. Essa norma vem inclusive para afastar o imaginário de que o presídio é lugar de “PPP” ¹
No
Distrito Federal, principalmente,
os negros já não
respondem pela maioria da população carcerária. Para averiguar as
questões prisionais
no DF, especialmente as estatisticas, leia o livro: O Perfil do Preso no
DF, do juiz George Lopes Leite.
O benefício, então, só pode ser obstado se o sujeito tiver meios de pagar a multa e não paga.
A regra hoje está bem mais consolidada, com relação aos textos anteriores, no sentido de dar especial atenção à chamada reparação do dano, que a própria Lei 11719, que respondeu por parte da reforma sofrida pelo Código de Processo Penal em 2008, alterou o art. 387 do CPP, que agora determina que, já na sentença, o juiz, ao prolatá-la, deverá estipular um valor mínimo para a reparação desse dano.
Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: [...] IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; |
Posteriormente as partes poderão questionar o quantitativo.
A reparação do dano também está dentre os principais objetivos do Juizado Especial. É provavelmente o lugar onde teremos o primeiro contato nas nossas experiências de estágio. O outro objetivo do Juizado Especial está relacionado à aplicação da pena privativa de liberdade. Tanto que lá há a audiência preliminar ou conciliatória. Nessa etapa ainda não há sentença. O juiz da Vara Especial recebe, e as partes comparecem. Não gera antecedentes e tudo pode se resolver lá; nem processo haverá. Se não resolver, o Ministério Público, em se tratando de uma ação penal pública, oferecerá de imediato a transação penal. Esta é mais uma inovação do Código de Processo Penal. É a proposta de substituição que o sujeito receberia, caso fosse condenado, por uma pena restritiva de direitos.
A
sentença penal condenatória
transitada em julgado faz
coisa julgada no cível. Isso significa que, no Processo Penal, se
houver
condenação, a parte que é vítima não precisa ajuizar nada no cível para
discutir quem é o autor do fato. Basta pegar a sentença penal para que
o juiz
do cível apenas a execute. O próprio Código de Processo Civil considera
a
sentença penal condenatória transitada em julgado como título executivo
judicial.
Voltando às condições do sursis especial: o sujeito pode receber o direito de ter suas exigências primarias (prestar serviços à comunidade, ou submeter-se a limitação de fim de semana) trocadas por aqueles enumeradas: não freqüentar determinados lugares, não se ausentar da comarca onde reside sem autorização judicial, e prestação de satisfação ao juiz. Vamos ver uma a uma agora.
Observação:
quando estudarmos a Lei
de Execuções Penais,
veremos a previsão sobre o conselho da comunidade, que ajuda na
fiscalização do
cumprimento da pena. Funciona bem em algumas cidades pequenas.
Aplicável
a condenado que, na data da
sentença, for maior de
70 anos. Cuidado com o quantitativo: o quantitativo é algo que deve ser
levado
isso a sério para tudo. A idade de 70 anos e um dia já satisfaz a condição. Em virtude da
Emenda Constitucional nº 45, que incluiu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição, o Tribunal
do Júri
já não mais pode passar de 90 dias na fase da pronúncia.
Sursis humanitário ou profilático
É estabelecido a pessoas que estão em estado de saúde avançado. Como o Estado não tem condições de dar um tratamento médico adequado no sistema prisional, o Estado permite que o indivíduo nessas condições tenha o sursis. Ele vai para casa. Mantê-lo no cárcere, nessas condições, seria como condenar o indivíduo à morte. O sursis profilático possui os mesmos requisitos do etário.
Na próxima aula: vamos assistir alguns documentários e entrevistas. Não faltem.