Direito Penal

segunda-feira, 9 de março de 2009

Penas restritivas de direitos - continuação




Tópicos:

  1. Limitação de fim de semana
  2. Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade
  3. Pena de multa
  4. Critério de aplicação da pena de multa

Encerramos na aula passada falando das penas restritivas de direitos. Vimos que elas substituem as penas privativas de liberdade, e que estão previstas no Código Penal como substitutivas em concreto, nunca em abstrato, a não ser na legislação especial. Isto é, no Código Penal, a pena de multa, por exemplo, nunca está parametrizada. Só vemos, nas cominações:

“Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa." Note que a pena privativa de liberdade está dentro de um intervalo pré-determinado, enquanto a pena de multa ficou deixada em aberto. Já na legislação especial, como na lei de droga, vemos:

CAPÍTULO II

DOS CRIMES

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

[...]

Tais penas substitutivas são: pena pecuniária, interdição temporária de direitos, prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, perda de bens e valores e limitação de fim de semana. Falamos sobretudo das regras para a pena pecuniária, da quantia paga ao ofendido ou ao seus herdeiros. Tais penas estão no rol do art. 43 do Código Penal. Lembre-se que esse rol é taxativo, não meramente exemplificativo, logo o juiz não pode criar, arbitrariamente, novas modalidades de penas restritivas de direitos. Faltou falar da limitação de fim de semana.


Limitação de fim de semana

A limitação de fim de semana consiste em substituir a pena privativa de liberdade impondo ao condenado que fique, durante o final de semana, no mínimo 5 horas diárias no sábado e no domingo em albergue ou estabelecimento similar. É raro haver albergues em todas as cidades, portanto na maioria das vezes tais estabelecimentos serão empregados. Servem para os que ficaram sujeitos à limitação ou então para os condenados que estiverem cumprindo pena em regime aberto.

Dependendo de qual for a condenação, e também como a pena tem um caráter ressocializador, o sujeito pode ser obrigado a ver filmes ou a fazer cursos ou assistir palestras. A pena deve ser compatível com a sentença. Isso significa que um condenado por crime de trânsito pode ser compelido a assistir documentários ou palestras sobre acidentes de trânsito.

Regras: são as regras do art. 44. Para ter direito à substituição da pena privativa de liberdade pela limitação de fim de semana, portanto:

  1. O réu não pode ser reincidente em crime doloso. Se for, ele não terá direito.
  2. A pena aplicada não poderá ter sido superior a 4 anos a não ser que se trate de crime culposo.
  3. O crime não pode ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.
  4. As circunstâncias devem ser favoráveis ao réu. São elas a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do indivíduo.

Se a pena fixada for igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por uma pena de multa ou uma pena restritiva de direitos. Sendo a pena superior a 1 anos e não exceder 4, a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por uma pena de multa e uma pena restritiva de direitos, ou então duas penas restritivas de direitos.

O juiz terá que ver se há compatibilidade entre as duas penas. Por isso há a possibilidade de haver uma pena restritiva de direitos e uma multa, para afastar a possibilidade de duas penas restritivas de direitos incompatíveis entre si serem aplicadas.

Se as circunstâncias do art. 59 não forem favoráveis ao réu, o juiz não deverá fazer a substituição. Não estão quantificadas; são variáveis que o juiz afere discricionariamente.

 

Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade

Se a pena restritiva de direitos substitui uma pena privativa de liberdade implica dizer que quando essa pena não for cumprida injustificadamente, a conversão da primeira para a segunda poderá ocorrer. Se a conversão for feita mesmo que o sujeito consiga justificar o não-cumprimento das penas restritivas de direitos, caberá recurso dessa conversão. Isso significa também que é possível haver a substituição da substituição, ou seja, a pena restritiva de direitos é uma pena substitutiva da pena privativa de liberdade à qual o indivíduo foi inicialmente condenado; ele ganhou o direito à substituição porque apresentou os requisitos para o benefício. É algo que o Estado lhe oferece. Entretanto, se essa pena restritiva de direitos se tornar, com o tempo, incompatível com a situação atual do sujeito, ela também poderá ser convertida novamente. Vamos dar um exemplo.

Um sujeito foi condenado a uma pena privativa de liberdade que foi substituída por limitação de fim de semana. Ele trabalha apenas durante a semana, então, a princípio, não há problemas de compatibilidade entre a pena recebida e sua grade horária profissional. Entretanto, ele pode ser promovido no emprego, e passar a ter de trabalhar durante os fins de semana também, entrando em choque de horário com sua pena restritiva de direitos que é a limitação de fim de semana. Se isso acontecer, ele pode pedir ao juiz que converta essa limitação de fim de semana numa outra pena que seja compatível com sua janela de tempo. A conversão para pena privativa de liberdade só ocorrerá em caso de descumprimento injustificado. Ninguém pode ser obrigado a cumprir uma pena ou recolher-se completamente só porque não há mais condições de cumprir a imposição de ficar recolhido durante o fim de semana.

Imagine, então, que ele tenha cumprido 3 meses já. Faltariam 9. Se ele descumpriu injustificadamente, ele será recolhido. Converte-se a pena para pena privativa de liberdade, mas ocorrerá a detração desse tempo já cumprido. Aqui há um porém: caso ocorra essa conversão, o sujeito terá que cumprir o prazo mínimo de 30 dias de pena privativa de liberdade. Isso significa que, se, depois de contabilizada a detração sobrarem menos de 30 dias, o sujeito ainda assim terá que passar esses trinta dias, independente de isso significar cumprir uma pena além da qual foi condenado.

A pena de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, para se fazer a conversão, está no art.181 § 1º da Lei de Execução Penal.

        Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal.

        § 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

        a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;

        b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

        c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

        d) praticar falta grave;

        e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.

        [...]

No processo penal temos citação, intimação e notificação.

Quando o sujeito não comparecer, ele será intimado para se apresentar e ter sua pena convertida. Veremos que toda vez que o réu estiver em local incerto ou não sabido, ele será citado por edital. Essa citação será feita pelos meios da imprensa local, nos veículos encarregados de fazer as comunicações judiciais. Então, primeiro vem a intimação. Se não for encontrado, será citado por algum órgão de comunicação.

Por que essa conversão é feita? Há uma regra que diz que o sujeito deve dar a maior atenção possível ao seu processo. Então, o simples fato de ele não atender por edital ensejará a conversão. Inclusive ele pode ser preventivamente preso para cumprir sua pena, pois um dos motivos que ensejam a prisão preventiva é a garantia da aplicação da lei penal.

O sujeito não pode deixar de comparecer injustificadamente à entidade ou local que tenha ficado de prestar serviços. Para isso, a entidade emitirá uma declaração ou dará ao condenado uma lista de ponto para que ele assine sua presença e leve, posteriormente, à Vara da Execução Criminal comprovando as atividades às quais ficou obrigado.

A não-adaptação pode ser justificável. Ninguém pode dar a uma pessoa uma prestação de serviço que o indivíduo não tenha condições de cumprir por algum motivo psicológico ou físico. Um sujeito que tenha problemas ao deparar com sangue e ferimentos pode justificar a não-adaptação à prestação de serviços em um hospital.

A alínea “d” fala sobre a prática de falta grave durante a prestação. Esse é um motivo que pode ensejar a conversão da pena restritiva de direitos da prestação de serviços à comunidade ou entidade pública para pena privativa de liberdade.

Por fim, a superveniência de nova condenação a pena privativa de liberdade cuja execução não tenha sido suspensa.

Note que essas regras são um pouco diferentes das regras para as demais penas restritivas de direitos.

Quando pegamos um tipo penal, muitas vezes vimos: crime - pena. Vemos pena: tempo e/ou multa. Há algum critério para que o juiz aplique essa multa? Sim. Toda decisão judicial deve ser devidamente fundamentada. A sentença é a decisão. Quando o juiz sentenciar alguém, ele tem que fundamentar, dizendo porque aplica tal pena restritiva de direitos, dizer porque o acusado não reúne tais elementos que lhe dariam benefícios, etc. A sentença tem que ser clara e objetiva. Se não, o sentenciado tem direito a que o juiz declare essa sentença. É o que se chama de embargo declaratório. Os recursos apelatórios, como veremos em Processo Penal, sairão todos da fundamentação do juiz. O Processo Penal é um instrumento de garantia do cidadão. Veremos que, como estamos em um Estado democrático de Direito, o Estado tem que se submeter às regras que ele mesmo cria. Ora, o juiz é o Estado, e o Processo Penal é um direito do indivíduo. A sentença, portanto, não pode ser obscura muito menos omissa. O juiz deve dizer, inclusive, porque não substituiu a pena privativa de liberdade para pena de multa ou outra pena restritiva de direitos. O que está subjacente a isso é o princípio da ampla defesa. Sem se conhecer do que está contra um sujeito, do que ele se defenderá?

O advogado não tem apenas o objetivo de inocentar o cliente. Muitas vezes o crime é de autoria tão notória que nem adianta tentar criar histórias paralelas ou novas narrativas nesse tipo caso; isso é, inclusive, cometer falta de ética. Há advogados que instruem seus clientes a dizerem em juízo que confessaram porque apanharam da autoridade policial, visando invalidar a confissão. Observe bem: se o sujeito disser ter apanhado e não provar, ele ainda será processado por denunciação caluniosa:

Art. 339 do CP:

        Denunciação caluniosa

        Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: 

        Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

        § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.

        § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

 

Pena de multa

Veremos que em todos os crimes em que o sujeito aufere vantagem, haverá pena de multa, a começar pelo furto, no art. 155. Até essa parte do Código, os crimes, como calúnia, por exemplo, são apenados com pena privativa de liberdade ou multa, mas não cumulativamente. Discutimos, em Direito Penal 1, o art. 12 do Código Penal.

        Legislação especial

        Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

A pena de multa é regulada pela parte geral do Código. Aplica-se a todos os crimes do Código Penal e também àqueles que estão na legislação especial desde que estas não disponham de modo contrário. A lei 11343, a lei de droga, por exemplo, dispõe de maneira específica, então não se pode aplicar as regras da parte geral do Código Penal para as penas de multa lá previstas. Há, na lei de droga, a previsão para o pagamento de até 4000 dias-multa, enquanto o Código Penal prevê um máximo de 360. O que não pode é haver conflito entre a parte geral do Código Penal e a legislação especial. Lembrem-se que lex specialis derrogat legi generali (lei especial derroga lei geral).

Todo dinheiro coletado nas penas de multa é mandado ao Fundo Penitenciário Nacional. O juiz não deve impor uma pena de multa que o indivíduo não tenha condições de pagar, ou a pena não terá eficácia alguma. Sempre que houver dinheiro ou pecúnia envolvida, o juiz deve levar em consideração a situação socioeconômica do sujeito. A multa tem que ser exeqüível.

 

Critério de aplicação da pena de multa

Cada dia multa será de no mínimo 10 dias e no máximo 360, de acordo com o Código Penal. O valor não poderá ser menor que 1/30 nem maior que 5 vezes o salário Maximo. Esses são os parâmetros.

Fixação da quantidade de dias-multa: o juiz deve aplicar o sistema trifásico. Ele contém:

  1. Circunstâncias judiciais;
  2. Agravantes e atenuantes;
  3. Aumento e diminuição de pena.

Esse é o sistema trifásico. As circunstâncias judiciais estão no art. 59 do CP. Inclui culpabilidade, antecedentes (tecnicamente primário), a conduta social do agente, personalidade, se é contumaz, os motivos do crime. Motivo fútil ou torpe (discutiremos em aulas futuras). Circunstâncias também têm a ver com meio, modo e tempo de execução do crime. Em seguida, notam-se as conseqüências. Por último o juiz analisará o comportamento da vítima. Há pessoas que são vítimas em potencial, como irritadores insistentes. Há também a injusta provocação da vítima. Na dinâmica do crime, tudo deve ser analisado, até se averiguar o que levou o sujeito a praticar aquele crime.

Vamos hipoteticamente dizer que o juiz estabeleceu 10 dias-multa. Ao notar uma agravante, ele elevou a pena, na segunda fase, para 12 dias. Na terceira fase houve uma causa de aumento, talvez porque ele seja funcionário público, o que acarreta um aumento de 1/6, resultando em 14 dias-multa. Note que o juiz pode até triplicar o valor da multa se entender que foi pouco para o réu.

A norma que baliza esses cálculos, no caso da pena de multa, está no art. 49 do Código.

SEÇÃO III
DA PENA DE MULTA

        Multa

        Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

        § 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

        § 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.

Vamos tomar o salário mínimo com valor de R$ 480,00. 1/30 de 480 = 16 reais por dia. Então, a multa mínima será de 16 reais x 10 dias-multa. Logo será, no mínimo, de R$ 160,00. O máximo será, por outro lado, de 5 (cinco salários mínimos como valor máximo previsto) x 480 (valor do salário mínimo) x 360 (máximo de dias-multa aplicável) = R$ 864.000,00 ¹, podendo até triplicar...

Art. 60 § 1º

        Critérios especiais da pena de multa

        Art. 60 - Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.

       § 1º - A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo.

         [...]

...resultando em R$ 2.592.000,00. Como vimos, há multas que apenas grandes traficantes conseguem pagar.

Isso significa que se o condenado não pagar, como o dinheiro deveria ser recolhido ao Fundo Penitenciário Nacional, que é órgão federal, a multa será executada como dívida tributária, conforme a Lei de Execução Fiscal (Lei 6830/80).

A pena de multa só é devida após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Os autos iam a um contador, que é um dos auxiliares do juiz. Antigamente todos os cálculos dessa natureza eram enviados ao contador, mas hoje o processo está mais automatizado, e apenas alguns casos são levados ao contador. Ele faz o cálculo da atualização monetária a partir da data do fato. Uma vez condenado, o condenado tem 10 dias para pagar a multa. Se necessário, ele poderá pedir ao juiz que parcele, desde que sejam observadas as condições do § 1º do art. 50 do Código Penal:

        Pagamento da multa

        Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.

        § 1º - A cobrança da multa pode efetuar-se mediante desconto no vencimento ou salário do condenado quando:

        a) aplicada isoladamente;

        b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos;

        c) concedida a suspensão condicional da pena.

        § 2º - O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família.

Observações: 

  1. Dificilmente caberá falar em parcelamento da multa se o sujeito estiver cumprindo pena privativa de liberdade, afinal, ele não estará trabalhando nesse tempo. 
  2. Como o contador calculará a atualização retroativamente à data do fato, a demora natural do processo torna a multa mais onerosa ao condenado.

A pena de multa não pode ser convertida em pena privativa de liberdade pois a Constituição só permite a prisão por dívida se o sujeito for depositário infiel ou por pensão alimentícia. Logo não há a possibilidade de conversão para pena privativa de liberdade. Sem contar com o Pacto de São Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, que proíbe a prisão civil do depositário infiel.

Vamos discutir a aplicação da pena na aula que vem.


  1. Na aula, o professor chegou ao resultado parcial de R$ 2.880,00 x 360 = R$ 1.036.800,00, mas aparentemente não é o valor correto. Ao se tomar o valor de 2880, estaríamos admitindo que o salário mínimo é de R$ 576,00, assim 2880 / 576 = 5, que é o máximo de salários mínimos que se pode aplicar. Penso que os cálculos no corpo desta página estão corretos: 5 x (R$ 480) x 360 = R$ 864.000,00.