Direito Penal

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Sanção penal

Nossa matéria é Teoria da Pena. Vamos ver hoje o que é sanção penal.

Tópicos:

  1. Conceito
  2. Princípios associados à pena
  3. Princípio da anterioridade
  4. Princípio da individualização da pena
  5. Princípio da pessoalidade da pena
  6. Princípios que vedam tipos específicos de pena
  7. Princípio da proporcionalidade
  8. Finalidade da pena

Conceito

Conceituando, temos que a sanção penal é a “sanção de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, através da ação penal, ao autor da infração penal, como retribuição ao seu ato ilícito.”

Vamos analisar a expressão acima por partes.

"...de caráter aflitivo...": priva o cidadão de liberdade, ataca o indivíduo. Aqui pode ocorrer tanto a privação quanto a restrição da liberdade, que são conceitos diferentes. O primeiro é a remoção completa do direito de ir e vir, enquanto o segundo é, como diz o nome, de restrições àquele direito, como pela proibição de freqüentar determinados lugares. A pena é imposta pelo Estado, que detém o direito de punir. Vimos na parte geral do Código Penal que toda vez que alguém comete um crime surge ao Estado o direito e o dever de punir o indivíduo, o dito jus puniendi. É um dever abstrato que existe e se concretiza através de uma ação penal quando o indivíduo comete um crime.

Vamos aprender um conteúdo chamado ação penal no final deste semestre. Existe a ação penal pública e a privada. A pública é um tipo de ação que o próprio Código define cujo titular é o promotor de justiça, o Ministério Público. Na privada, o titular da ação é o ofendido, chamado querelante, ou seu representante legal. Ambas se restringem a provocar o Estado para que este preste a jurisdição ao cidadão. A jurisdição tem um caráter substitutivo, ou seja, toma o conflito entre indivíduos e chama para si a resolução. A pretensão de resolver o conflito é transferida para o Estado.  Se o indivíduo for condenado, será o próprio Estado que imporá a sanção penal. Pode ser uma pena privativa de liberdade ou uma pena restritiva de direitos. O Estado impõe a sanção porque o conflito de interesses entre particulares pode gerar mais conflitos ainda. A jurisdição é indeclinável (princípio da indeclinabilidade da jurisdição), ou seja, o Estado não pode se abster de prestar a jurisdição.

"...através de uma ação penal...
": É através do desenvolvimento dos procedimentos que o juiz fará toda essa busca da verdade real. Ele irá interrogar o réu, ouvir as testemunhas, tomar as provas periciais que forem apresentadas, estabelecer acareações, e ele próprio pode fazer diligências. As partes vão observar o processo, e, ao final, o juiz irá sentenciar. É o princípio da presunção de inocência que está subjacente a isso: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. A ação penal é exatamente o instrumento para aferir a  inocência.  Aqui esta o princípio do devido processo legal, visto no art. 5º, inciso LIV da Constituição:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

A justiça tem uma natureza inquisitiva. Especialmente a justiça penal. De um lado, Ministério Público, apresentando a denúncia e constituindo a parte acusadora. De outro, o réu. Assumindo uma posição de imparcialidade, o juiz, constituindo o terceiro vértice desse triângulo. Assim se estabelece a relação processual. A defesa sempre age no sentido de pedir a absolvição ou a diminuição dessa aflição que uma eventual sanção trará.

Vimos também no Direito Constitucional que o professor nos ensinou que estamos no Estado Democrático de Direito. O que é isso? Além dos outros conceitos, o principal é que o Estado é obrigado a se submeter às regras que ele mesmo cria. Ou seja, se o devido processo legal não for respeitado, o processo deverá ser anulado. Por isso o professor não acredita que haja advogado bom, mas sim advogado diligente: aquele que acompanha minuciosamente cada etapa do processo contra seu cliente.

“...ao autor da infração penal...": Não autor do crime, porque a sanção penal também se aplica às contravenções penais. A infração penal é um gênero, enquanto o crime ou delito e a contravenção são as espécies. No Brasil, crime e delito são sinônimos.

“...Como retribuição ao seu ato ilícito...”: porque o indivíduo que comete um crime tem como retribuição uma sanção penal. Não importa qual seja ela, pode ser pena privativa de liberdade, pena restritiva de direitos, prestação pecuniária, etc.

Então, deveremos ter essa noção preambular em relação à pena.
 

Princípios associados à pena

Princípio da anterioridade 

Está expresso tanto no artigo. 1º do Código Penal quanto no inciso XXXIX do artigo. 5º da Constituição. Se dizemos que ao crime de homicídio está cominada uma pena que varia de 6 a 20 anos, dizemos que o Estado ficará restrito a esse parâmetro, pois este é um Estado Democrático de Direito. O juiz está preso a um parâmetro abstrato da pena. Significa dizer que, antes que o sujeito cometa o delito, a pena já deve estar estabelecida. Também temos aqui que a regra penal foi feita para regular o futuro, e só retroagirá para beneficiar o acusado (princípio da irretroatividade da lei penal mais severa). O Código Penal adota a teoria da atividade (ou da ação, como vimos). O que importa é o tempo da ação, não do resultado. Portanto, se um sujeito pratica um fato não tipificado como crime no dia 11/02/2009, cujo resultado só veio a se efetivar seis meses depois, quando já existia uma lei definindo aquele fato como criminoso e cominando uma pena, o sujeito ficará isento de processo por ter praticado aquele fato.


Princípio da individualização da pena

A pena deve ser individualizada, não apenas de indivíduo para a indivíduo, mas também de crime para crime. Um homicídio praticado contra um homem para que em seguida se pratique estupro contra sua mulher constitui concurso de crimes: ambos deverão ser tratados separadamente ao se realizar a interpretação. Em seguida, dever-se-á seguir a lei para realizar a dosimetria nesse caso de concurso de crimes. O estupro e o homicídio têm características diferentes, e não se pode unificá-los no momento do juízo.

Art. 29:

TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS

        Regras comuns às penas privativas de liberdade

        Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

        § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

        § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.


Um sujeito pode cometer um crime juntamente com alguém e ainda assim a pena não ser igual. Deve-se observar as circunstâncias de caráter pessoal.

A lei também manda que o juiz adote diversos critérios para aplicar a pena. Culpabilidade, por exemplo.

Princípio da pessoalidade da pena

A Constituição Federal também garante que a pena não passará da pessoa do criminoso. Ninguém pode se oferecer para cumprir pena no lugar de alguém. A pena também não pode ser transmitida a sucessores. Entretanto, civilmente, se eu recebo uma herança, também herdo as dívidas e as obrigações.

Veja o artigo. 91, que traz os efeitos da condenação:

CAPÍTULO VI
DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO

        Efeitos genéricos e específicos

        Art. 91 - São efeitos da condenação:

        I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

        II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

        a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

        b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Art. 387 do Código de Processo Penal: o juiz deverá fixar um valor mínimo para a reparação do dano. Lembre-se que a sentença penal condenatória transitada em julgado também faz coisa julgada no cível.

        Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:

[...]

        IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

[...]

 

Princípios que vedam tipos específicos de pena

A Constituição nos garante que não haverá pena de morte, exceto em caso de guerra, e para crimes expressamente definidos. Esta norma é conhecida como princípio da vedação da pena de morte. Aliado a este há também o princípio da vedação da pena de caráter perpétuo. A pena recebida por um condenado, antes da unificação, servirá de parâmetro para benefícios. Por exemplo, se alguém foi condenado a 201 anos de prisão e recebeu um benefício a ser gozado depois de cumprido 1/3 da pena, a pessoa só terá direito a ele depois de cumprir 67 anos.

Também não haverá pena de trabalhos forçados. O trabalho do preso é regulamentado. O preso é obrigado a trabalhar, pois isso é parte de sua reeducação. Mas há limite de horas, remuneração e contabilizam-se os dias trabalhados para a previdência. O trabalho forçado é considerado aquele que não é remunerado e excessivo.

Penais cruéis, degradantes e desumanas: as penas deverão ser compatíveis com a situação do cidadão. Mesmo preso, de acordo com o inciso III do art. 5º da Constituição, ninguém deverá ser submetido à tortura. O crime de tortura, previsto no art. 1º da lei 9455/97, possui um parágrafo (§ 1º) tratando especificamente sobre a tortura de presos. O Estado tem que garantir que o preso não será torturado.  O que pode ser chamado de cruel, mas na verdade não é considerado crueldade, é a Lei 7210/84 (Lei de Execuções Penais).

Banimento: não há. Estudaremos melhor o instituto em Direito Internacional. Não há extradição de nacionais. O Brasil, em nenhuma hipótese, extradita brasileiros.

Princípio da proporcionalidade

A Constituição garante que a pena aplicada a um indivíduo tem que ser proporcional à gravidade do fato. Esta proporcionalidade não é apenas com relação ao quantitativo, mas também aos benefícios. Quem comete crime hediondo só tem direito ao livramento condicional com 2/3 da pena cumpridos. A dosimetria é complicada de ser feita porque o art. 59 não define parâmetros objetivos para o juiz. Então, a dosimetria fica abarcada pelo seu poder discricionário. Conviveremos com o art. 59 por muito tempo neste curso. É usado como parâmetro para encontrar os incrementos de uma pena:

CAPÍTULO III
DA APLICAÇÃO DA PENA

        Fixação da pena

        Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

        I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

        II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

        III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

        IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Art. 61: circunstâncias agravantes. A primeira enumerada é a reincidência:

        Circunstâncias agravantes

        Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

        I - a reincidência;

        II - ter o agente cometido o crime:

        a) por motivo fútil ou torpe;

        b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

        c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;

        d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

        e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

        f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

        g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;

        h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;

        i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;

        j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;

        l) em estado de embriaguez preordenada.

Artigo. 93 da Constituição: até a publicidade do ato é um direito:

        Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

       XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;

[...]


 

Finalidade da pena

É regulada por três teorias:

  1. Absoluta ou da retribuição: que aquele que delinqüiu retribua à sociedade;
  2. Teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção: os termos são aqui tidos como sinônimos. Objetiva a segregação social do criminoso como meio de impedi-o de voltar a delinqüir. As pessoas não delinqüem porque têm medo de receber punição (intimidação coletiva);
  3. Teoria mista ou eclética: fusão das duas acima. A pena tem a função tanto de punir o criminoso quanto de prevenir a prática do crime pela reeducação e pela intimidação coletiva. É ao mesmo tempo retributiva e preventiva.