Direito Penal

quarta-feira, 11 de março de 2009

Aplicação da pena



Frase do dia: Nunca, jamais, em tempo algum se esqueçam da parte geral do Código Penal.

Aprendemos o que é pena de reclusão, de detenção, como se estabelece o regime fechado, o regime semi-aberto, o aberto, progressão, substituição das penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, então já conhecemos tudo sobre a pena! A partir de agora, vamos aplicar essas regras, tomando casos concretos para sabermos como o juiz chega a um determinado quantitativo de pena. Há parâmetros abstratos mínimos e máximos. O juiz precisa deixar explicitado na sentença por que ele chegou àquele quantitativo de pena. Essa inclusive é uma regra constitucional, prevista no art. 93 inciso IX da Constituição. As partes do processo que sucumbirem entrarão com recurso. As partes que podem ser o Ministério Público e o acusado, ou querelante e querelado. Por isso será necessário que haja uma sentença clara especialmente na parte da dosimetria da pena. Se a sentença não for clara, qualquer das partes pode pedir ao juiz que declare essa sentença. Seja por omissão, confusão, excesso de erudição, etc. Então, surge o embargo declaratório, instrumento que estudaremos no processo penal. A dosimetria, portanto, é fundamental.
 

O sistema trifásico

O art. 68 do Código Penal estabelece como regra o sistema trifásico para a aplicação da pena.

        Cálculo da pena

        Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. 

        Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
  1. A primeira fase é a aplicação das circunstâncias judiciais do art. 59. O juiz as utilizará para estabelecer a pena base. São circunstâncias judiciais porque são apreciadas pelo juiz. As circunstâncias são as do art. 59: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime e o comportamento da vítima.
  2. Então o juiz parte para a segunda fase, que são as circunstâncias genéricas, que se aplicam a todos os crimes, desde que estejam presentes. As agravantes estão nos artigos 61 e 62, enquanto as atenuantes estão nos artigos 65 e 66. Assim, o juiz tomará o rol das circunstâncias, para chegar a um limite.
    Observação: nas duas primeiras fases, a pena não excederá os limites inferior e superior.
  3. Na terceira fase, ele aplicará as causas de aumento e diminuição da pena. Estão na parte geral do Código, e são de aplicação obrigatória. Daqui sairá a pena definitiva.

Veremos que não há determinado percentual para as circunstâncias nem para as atenuantes nem agravantes. Tudo deverá ser aplicado de forma que a pena não se torne desproporcional. O princípio da proporcionalidade diz: a pena deve ser proporcional à gravidade do fato. Isso não significa que, se a lei não determinar a gravidade do fato, o juiz deverá fixar a pena máxima. Veremos que, quando isso acontece, o que se tem feito é começar pela pena mínima. No Brasil, no sistema trifásico, perceberemos que para pessoas que praticam o mesmo tipo de crime, com as mesmas circunstâncias, a pena pode sair diferente. O que está presente aqui é a individualização da pena. Nem sempre as circunstâncias que alcançam um indivíduo alcançarão outro.

Isso está no art. 30: concurso de agentes.

        Circunstâncias incomunicáveis

        Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. 

O sistema unitário ou monista diz claramente o seguinte, conforme o art. 29:

TÍTULO IV
DO CONCURSO DE PESSOAS

        Regras comuns às penas privativas de liberdade

        Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 

        § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. 

        § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. 

Ou seja, de acordo com a culpabilidade, que é a reprovação, a censura feita, etc.

O Código Penal estabelece regras das circunstâncias agravantes, das circunstâncias atenuantes, que veremos uma a uma. Mas lembrem-se que o art. 12 do Código Penal diz...

        Legislação especial

        Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. 

Pode decorar esse artigo. Podemos por exemplo tomar a Lei Ambiental 9605/98 e nela notar as agravantes específicas, e, se não conflitarem com as do Código Penal, ambas serão aplicadas. Isso quer dizer: se a lei 9605, sendo lei especial, dispuser de modo contrário sobre determinadas circunstâncias agravantes ou atenuantes, as regras dessa lei terão prioridade sobre as regras do Código Penal. As regras do CP deverão ser aplicadas subsidiariamente. 

Veja as circunstâncias do art. 59.

CAPÍTULO III
DA APLICAÇÃO DA PENA

        Fixação da pena

        Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: 

        I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

        II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

        III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

        IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. 

Culpabilidade, neste caso, é entendida como reprovação, censura que se faz da prática de um ato criminoso. Os antecedentes estão aqui porque nas agravantes temos a reincidência, que é diferente de antecedentes, como já vimos, mas estudaremos essa diferença ainda melhor depois. Considera-se reincidente o agente que pratica um crime já tendo contra si uma sentença penal condenatória transitada em julgado por crime cometido no Brasil ou no estrangeiro. Se for condenado em primeira instância, o que significa que ainda não houve o trânsito em julgado, o agente se encaixará na descrição de tecnicamente primário. Para isso, os antecedentes foram incluídos na norma para se fazer a equiparação com os reincidentes, já que estes estariam em situação desvantajosa.

Há doutrinadores que dizem que antecedentes negativos são considerados todos os atos que o indivíduo já cometeu, mesmo que não haja trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Outra parte minoritária considera como antecedente quando há condenação sem trânsito em julgado. Para não causar nenhuma insegurança, valerá o que comentamos em sala e o que está escrito no parágrafo acima sobre os antecedentes e a reincidência.

Conduta social: o indivíduo vive bem com a família, é brigão, vive bem em sociedade, é bom no tratamento? Isso será considerado para a pena. Não se pode pensar nisso duas vezes. A análise da conduta social é o momento em que alguns juízes incorrem em erro, pois a consideram novamente mesmo quando a conduta social faz parte já dos elementos do crime, como a tipicidade, a ilicitude ou a culpabilidade. Assim, ocorre bis in idem.

Personalidade do agente: há uma crítica na doutrina que diz que o juiz não tem como avaliar a personalidade do agente, a não ser que se valha da ajuda de um psicólogo forense. Sem isso, o juiz não está qualificado para dizer quem tem personalidade perigosa. Mais: outra parte da doutrina atenta para o fato de o juiz não ter papel de reprovar o réu pelo que é, mas pelo que fez, fazendo uma imprópria distinção entre Direito Penal do autor e Direito Penal do fato. Do juiz não é exigido saber tudo. Os auxiliares são trazidos para subsidiar o trabalho do juiz. Inclusive a fundamentação de personalidade pode ser derrubada em recurso, caso fique claro que o juiz não se valeu da ajuda de um especialista.

Motivos do crime: estes são os motivos levados em consideração o grupo do art. 59. Eles podem levar o juiz a incrementar a pena base. Mas cuidado: os motivos também entram no rol do art. 61 como circunstâncias agravantes, caso sejam do tipo fútil ou torpe. Logo, o juiz poderá considerar o motivo enquanto fixando a pena base,  na primeira fase da aplicação, em que se olham as circunstâncias do art. 59, ou na segunda fase, ao se levar em conta as agravantes e atenuantes. Nunca nas duas fases ou ocorrerá bis in idem.

Circunstâncias do crime: tudo que se relaciona ao meio, modo, tempo e lugar do crime. Um crime cometido de madrugada, por exemplo, é mais grave do que um crime cometido à luz do dia. O juiz pode também observar o próprio instrumento do crime, ao ver que ele é desproporcional à execução do crime. Matar a pauladas é diferente de matar com um tiro, enquanto matar com um tiro é bem diferente de matar com dezoito. No caso do furto, a pena aumenta em 1/3 se o crime for cometido durante o repouso noturno. Cuidado, então, com o bis in idem. No furto, o cometimento do crime durante o repouso noturno é uma qualificadora, enquanto nos demais o horário de cometimento será tomado como uma circunstância pertencente ao rol do art. 59. O que em geral sobra para apreciação do juiz são os elementos que não constituem o crime.

Ao advogado, ao promotor e ao juiz, não cabe apenas o fato de fazer a dosimetria. Devem-se observar as regras legais. Quando um advogado é contratado, nem sempre ele conseguirá inocentar o cliente, principalmente quando se tratar de um crime de notória autoria. Então, ele dará uma assistência técnico-jurídica para acompanhar a sentença. Caiu até em concurso do Cespe: a situação era de uma dosimetria malfeita numa sentença de um crime de furto, e que também se aplicou o regime prisional inicial errado, e não houve substituição. Caberia ao candidato analisar os erros na sentença.

Art. 155:

TÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO I
DO FURTO

        Furto

        Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

        § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

        § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

        § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

        Furto qualificado

        § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

        I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

        II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

        III - com emprego de chave falsa;

        IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

        § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Nunca, jamais, em tempo algum se esqueçam da parte geral do Código Penal.

Dosimetria e sentença é a parte mais difícil nos concursos. Aqui, aprendemos regras básicas. À medida que criamos uma cultura jurídica maior, veremos como a dosimetria é bem mais difícil. Há inclusive cursos permanentes exatamente para ensinar candidatos a promotores e a juízes essa particularidade que muitas vezes é deixada em segundo plano.

Em seguida, analisam-se as conseqüências do crime. Podem ser maiores ou menores, a depender do tipo do crime: patrimonial, físicas, morais... Quando estudamos na parte geral que a pena para o crime tentado é a mesma do crime consumado diminuída de 1/3 a 2/3, como essa diminuição será feita pelo juiz? Olhando-se as conseqüências do crime. Quanto mais próximo da consumação ficou o crime, menor será a diminuição; quanto mais distante o crime ficou, maior deverá ser a diminuição.

Estupro de mulher virgem: deve-se fazer exame de corpo de delito, e os dados serão trazidos para o processo. Para que tudo isso? Para que o juiz leve em consideração no momento da dosimetria. Extorsão mediante seqüestro: art.159. Nada está dito, entretanto, se o crime foi exaurido ou não (se o agente recebeu ou não o resgate).

        Extorsão mediante seqüestro

        Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:

        Pena - reclusão, de oito a quinze anos.. 

        § 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha.      

        Pena - reclusão, de doze a vinte anos. 

        § 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

        Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos. 

        § 3º - Se resulta a morte:

        Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. 

        § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

Veja o último parágrafo. Nada está dito sobre o pagamento do resgate. Se a família pagar, a conseqüência foi mais grave, e isso deverá ser considerado na dosimetria.

Art.121 § 1º:

        Homicídio simples

        Art 121. Matar alguem:

        Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

        Caso de diminuição de pena

        § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Observação: o aumento na terceira fase pode ultrapassar os parâmetros, mas não nas duas primeiras.

No atentado violento ao pudor, deve estar presente o motivo da satisfação da libido se um sujeito apalpa uma mulher, por exemplo. Tal ato pode ser injúria ou até uma mera contravenção. Sem entrar a satisfação, o ato não entra na esfera do dolo.

O art. 61 diz:

        Circunstâncias agravantes

        Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

        I - a reincidência; 

        II - ter o agente cometido o crime: 

        a) por motivo fútil ou torpe;

        b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

        c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;

        d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

        e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

        f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

        g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;

        h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;

        i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;

        j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;

        l) em estado de embriaguez preordenada.

Sempre agravam a pena. É um imperativo, não uma faculdade. Quando não constituem ou qualificam o crime. Por quê? Porque há situações que são agravantes e podem ser aplicados a um crime, mas em outros são qualificadoras. Então, devemos criar essa cultura de diferenciar bem as agravantes das qualificadoras. O melhor exemplo para isso é o homicídio.

Traição e emboscada: circunstâncias que podem ser aplicadas a todos os crimes exceto o homicídio, em que a traição e a emboscada já figuram como qualificadoras. Se houver dupla aplicação, será um manifesto bis in idem.

§ 2º do art.121: vamos, em seguida, olhar os incisos:

        Homicídio qualificado

        § 2° Se o homicídio é cometido:

        I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

        II - por motivo futil;

        III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

        IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

        V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Inciso I: mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe, que é aquele que não tem justificativa para se cometer o crime. Motivo fútil: desproporcional, que causa espanto, ignóbil, como matar a mulher porque queimou o feijão ou o cobrador do ônibus porque voltou o troco errado.

Inciso III: olhem a interpretação analógica presente no inciso acima.

Inciso IV: atenção: aqui, como vimos acima, a traição e a emboscada figuram como qualificadoras do homicídio, diferentemente do art. 61, que dispõe, no inciso II, alínea c, da mesma traição e emboscada como agravantes genéricas.

Quando ouvimos a expressão “sujeito praticou homicídio duplamente qualificado", esse termo é, na verdade, impróprio. A qualificação não pode ser feita mais de uma vez. Qualifica-se por uma circunstância e agrava-se a pena pelas outras.

Depois vamos ter uma aula apenas para fazer exercício de dosimetria.