Direito Penal

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Efeitos da condenação – continuação



Tópicos:

  1. Incidência de excludentes de ilicitude
  2. Efeitos da sentença penal absolutória
  3. Prescrição e indenização
  4. Perda de bens
  5. Proveito do crime
  6. Outros efeitos e efeitos específicos

Na aula passada começamos a falar dos efeitos da condenação. O efeito principal é naturalmente a aplicação da sanção relativa. Sabemos que o Direito Penal cria crimes e estabelece a pena. Isso está patente no art. 1º do Código Penal.

        Anterioridade da Lei

        Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Dentre os efeitos secundários estão os penais e extrapenais. Vimos os primeiros na aula passada. Eles modificam as condições para o sursis, livramento condicional, reincidência, etc. Os efeitos extrapenais se subdividem em genéricos, que são aplicados a todos os crimes, e o juiz não precisa fundamentar, e os específicos, que precisam de fundamentação na sentença. Lembramos que, com a reforma do Código de Processo Penal, passou o juiz, por ocasião da sentença, a ter a obrigação de determinar um valor mínimo para a reparação do dano. Por que isso? Porque se ele estabelecer uma regra e um valor mínimo para a reparação do dano e a parte ofendida se sentir satisfeita, tudo acaba. Do contrário, ela vai ao cível pedir indenização além do valor da reparação do dano estipulada pelo juiz na sentença penal condenatória.

Entre os efeitos genéricos, principalmente os extrapenais, estão os reflexos civis decorrentes da indenização. Há um elo entre o Direito Penal e o Direito Civil no que tange à ação indenizatória em razão de crime. Esses danos têm uma idéia genérica. Antigamente, a doutrina admitia somente os danos materiais. Hoje os morais também são perfeitamente incluídos nessa questão.

Falta ao Brasil a cultura de indenização.  Na Europa e Estados Unidos ela é bem difundida pelos altos valores, já que todos os indivíduos têm medo de perder dinheiro. Agora, inclusive quanto a cigarro. Muito comum ultimamente é fumante passivo ter doença respiratória e mover ações contra o fabricante. Aqui, ainda prevalece a cultura do livre-arbítrio do fumante, portanto não vemos ainda, na jurisprudência brasileira, condenações desse tipo.

Também falamos na aula passada que, dentre as penas restritivas de direitos, que substituem as penas privativas de liberdade, temos a prestação pecuniária. O indivíduo paga o valor em substituição à pena privativa de liberdade. A própria lei ressalva que, se houver condenação ou sentença penal condenatória, o valor pago na prestação pecuniária será deduzido de eventual ação indenizatória. Um tipo de pena pecuniária é a multa reparatória prevista no Código de Trânsito Brasileiro.

O Código Civil traz a idéia do status quo ante. Ato ilícito enseja reparação do dano. O ofensor deverá restabelecer a condição que o ofendido estava antes do fato. Não esqueçamos também da questão dos lucros cessantes, que são os valores pagos ao ofendido que fica impossibilitado de trabalhar por causa das lesões. A vítima, que deveria ganhar um dinheiro de trabalho se não estivesse hospitalizada, fica sem receber, portanto sem subsistência. E não só neste caso, o lucro cessante também se aplica a lucros que estão além da subsistência.

A obrigação de indenizar transmite-se aos herdeiros do criminoso, no limite da herança. Estudamos o princípio da pessoalidade da pena. É um princípio garantido constitucionalmente:

         Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

        [...]

        XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

A obrigação de indenizar não está incluída na idéia de pena, porque é uma sanção civil. Também porque é o patrimônio do indivíduo que garante sua dívida. Tanto que, se devo ao Sr. Trompieri e não o pago, ele deverá ajuizar uma ação de confisco de bens contra mim. Mas se eu tinha um patrimônio de R$ 1.000.000,00 e tenho 4 filhos, é natural que fique R$ 250.000,00 para cada um. Se sou filho de um criminoso, o Estado não pode pegar algo que é meu para pagar a reparação do dano, mas uma herança vinda de meu pai, que foi quem praticou o fato, sim.
 

Incidência de excludentes de ilicitude

A sentença que absolve um sujeito que praticou um fato amparado por excludente de ilicitude faz coisa julgada no cível. Se cometo um fato amparado por excludente de ilicitude, não sou obrigado a indenizar. Isso porque o Código Civil dispõe que só somos obrigados a restituir quando o fato é ilícito. Em estado de necessidade, sem excesso doloso ou culposo, também não. Mas se a legítima defesa for real com aberratio ictus, o terceiro tem que ser indenizado pois ele nada tinha a ver.

Arts. 186 e 187 do Código Civil:

TÍTULO III
Dos Atos Ilícitos

        Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

        Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Havendo inimputabilidade penal por doença mental, a responsabilidade passa ao responsável pelo amental. O responsável, entretanto, só pode ser responsabilizado se ficar provada sua negligência no cuidado do inimputável.
 

Efeitos da sentença penal absolutória

Vamos agora esquecer a possibilidade de incidência de excludentes de ilicitude. Pensávamos que os efeitos da condenação só atuavam se o indivíduo fosse condenado. Mas a sentença absolutória, para amparar o autor do fato, também tem seus efeitos. Se ficar provado que o indivíduo não é autor do fato criminoso, ele não terá a obrigação de indenizar ninguém. Se alguém ajuizar ação indenizatória contra alguém que foi absolvido por negativa de autoria, basta tirar uma certidão de sentença penal absolutória explicitando essa negativa de autoria.

Entretanto, se a sentença absolutória for por insuficiência de provas, isso não impedirá que o ofendido ou representante ajuíze a ação indenizatória, pois ele ainda pode ser autor do fato. A diferença está no fato de o Processo Civil buscar apenas a verdade formal (ficta) enquanto o Processo Penal busca a verdade material (real). Daí segue que é mais difícil provar a autoria no Processo Penal. Só mesmo a sentença absolutória com negativa de autoria pode isentá-lo, seguramente, de ter que pagar indenização posteriormente. Se a sentença for lacunosa, como uma sentença que simplesmente diz: “absolvo o réu por insuficiência de provas”, a família da vítima pode propor ações no cível.
 

Prescrição e indenização

O crime prescreve, mas não a obrigação de indenizar. A reparação do dano é, como diz o próprio nome, do dano, questão civil. Mesmo que ocorra a prescrição, o indivíduo ainda é obrigado a indenizar. A prescrição é a perda do jus puniendi por decurso de tempo: direito do Estado de punir o indivíduo, ou seja, atribuir-lhe uma pena. A indenização não tem caráter penal.

O Direito Penal é lógico. Se não se vê logicidade, é por causa da subjetividade em virtude da teoria finalista da ação. Os institutos não podem entrar em contradição. Uma aparente contradição é a ocasião da morte do agente, que leva os herdeiros à obrigação de pagar contraposta à morte do agente como causa de extinção de punibilidade.
 

Perda de bens

É o efeito que alcança o instrumento do crime e os produtos. No caso dos instrumentos, somente se o fabrico, porte, uso, detenção ou alienação constituam fato ilícito. Sendo lícito, não se perdem os instrumentos. Os produtos sempre deverão ser perdidos. Exceção: Lei de Droga (11343) e Lei de Infrações Ambientais (9605), respectivamente nos arts. 62 e 25.

        Art. 62.  Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.

        [...]

        Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.

        § 1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.

        § 2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.

        § 3° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições científicas, culturais ou educacionais.

        § 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem.

Na Lei de Drogas e na Constituição Federal diz que, quem usar terras para o cultivo de drogas psicotrópicas leva a que a terra seja desapropriada para assentamentos rurais.

        Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

        [...]

 

Proveito do crime

É vantagem decorrente do produto do crime. Se o produto do crime é um bem roubado, o proveito será o dinheiro decorrente da venda daquele bem. Como casa comprada com dinheiro de tráfico. O proveito deve ser restituído ao lesado ou terceiro de boa-fé. O Estado procura a pessoa. Se ela não for encontrada, o proveito ficará para a União. O proveito do crime é sempre mediato, o produto que é imediato.
 

Outros efeitos e efeitos específicos

Lembrem-se que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda de liberdade.

O condenado por delito de trânsito perderá a carteira de habilitação.

Efeitos específicos: estão no art. 92 do Código Penal:

        Art. 92 - São também efeitos da condenação:

        I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

        a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

        b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

        II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;  

        III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.   

        Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.  

Eles não se aplicam a todos os crimes, ao contrário dos genéricos. Este artigo diz que o efeito não é automático. O condenado só terá que cumprir esses efeitos se o juiz assim determinar na sentença. Crimes funcionais: diz que a regra que, se a pena for superior a 1 ano, o sujeito perde o cargo ou emprego público. Se a pena for inferior a 1 ano, a conseqüência ficará para o processo administrativo. Nos demais casos, perderá o sujeito o emprego público se for condenado a pena privativa de liberdade superior a 4 anos.

Perda de pátrio poder, tutela ou curatela só ocorrerá nos crimes dolosos cuja pena seja de reclusão.

Mandato eletivo também pode ser perdido em virtude de expressa determinação do Código Penal (art. 92, inciso I, nas hipóteses das alíneas a e b. Não é necessário fazer uma interpretação do estatuto dos congressistas, pela Constituição, para chegar à conclusão sobre a perda de mandato.)