Direito Penal

segunda-feira, 23 de março de 2009

A reincidência




Tópicos:
  1. Conceito de reincidência
  2. Prova da reincidência
  3. Reincidência e concurso de pessoas
  4. Reincidência e a Lei de Contravenções Penais
  5. Reincidência e extinção da punibilidade
  6. Efeitos da reincidência
Na última aula fizemos o exercício sobre a causa de aumento e diminuição da pena. Falamos que as circunstâncias judiciais, as agravantes e atenuantes, respectivamente na primeira e segunda fase do sistema trifásico de fixação da pena, ela não pode fazer com que a pena exceda os limites inferior e superior, apesar das críticas doutrinárias a respeito.

Na terceira fase, não há mais limitação do que está abstratamente previsto no tipo penal. Por quê? As causas de aumento e diminuição da pena que estão na parte geral do Código Penal são de aplicação obrigatória. Imaginemos um crime tentado: lembram-se que, quando estudamos a tentativa no semestre passado, a pena do crime tentado é a mesma do consumado diminuída de um a dois terços. Então imaginem um homicídio, apenado com 6 a 20 anos de reclusão: o juiz estabelece a pena base. Se for um crime tentado, ele diminuirá 1/3, indo a 4, portanto já está aquém do mínimo. Temos a parte de diminuição prevista na parte geral e a diminuição prevista no tipo penal. Homicídio privilegiado, por exemplo, de acordo com o art.121, § 1º:

        Homicídio simples

        Art 121. Matar alguem:

        Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

        Caso de diminuição de pena

        § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

        [...]

Há tipos penais com causas de aumento e com causas de diminuição. Na terceira fase, portanto, o juiz tem uma resultante, e então aplica as causas de aumento e diminuição da pena.

As causas de aumento na parte geral são somente as determinadas no concurso de crimes, que estudaremos tão logo terminemos a reincidência.. No concurso formal, por exemplo, que é quando o agente, mediante uma única ação, comete dois ou mais crimes, a pena pode aumentar de um sexto até metade, conforme art. 70 do Código.

Outra causa de diminuição da pena é o arrependimento posterior, escrito no art. 16:

        Arrependimento posterior

        Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. 

E há também a questão da semi-imputabilidade, descrita no art. 26, parágrafo único: questão da doença mental, em que o agente, no momento da ação ou omissão, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato. Diminuição de um a dois terços.

TÍTULO III
DA IMPUTABILIDADE PENAL

        Inimputáveis

        Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

        Redução de pena

        Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Falamos, nas agravantes, sobre a reincidência, mas não havíamos estudado a reincidência propriamente.
 

Conceito de reincidência

A reincidência ocorre quando o agente comete um novo crime depois de haver transitado em julgado sentença que o tenha condenado por crime anterior no Brasil ou no estrangeiro.

Os crimes cometidos aqui e no estrangeiro são sopesados, levados em consideração para efeito de reincidência. Por que só se pode admitir a reincidência depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória? Por causa do princípio da presunção de inocência e do princípio da não-culpabilidade. Vimos isso inclusive até em Direito Constitucional. Está no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal:

         Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]
     
        LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Enquanto isso, a definição legal de reincidência está no art. 63 do Código Penal:

        Reincidência

        Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. 

Se o indivíduo comete uma contravenção penal antes, transitada em julgado, e comete um crime posterior, ele não é reincidente. O artigo 63 fala em crime, não em infração penal. Isso significa dizer que se o agente cometeu uma contravenção penal, ela não é considerada para efeito de reincidência. Por isso fizemos a consideração, no passado, de que a infração penal é o gênero, enquanto o crime e a contravenção são as espécies. Ou seja, contravenção cometida antes de crime não será considerada para efeito de reincidência.

Criminoso primário: quando ouvimos falar que o indivíduo é "tecnicamente primário", isso significa que o sujeito foi condenado várias vezes, mas sem ter tido nenhuma condenação transitada em julgado, provavelmente por haver recursos pendentes de apreciação. Se for o caso, ele não pode ser considerado reincidente. Por isso o legislador colocou, nas circunstâncias agravantes, os antecedentes, para que o sujeito tecnicamente primário tenha o mesmo tratamento para o recebimento de benefícios que o reincidente. É considerado injusto, por exemplo, que um sujeito que tenha seis condenações não transitadas tenha direito a benefícios que o sujeito que reincidira apenas uma vez (portanto sua sentença foi transitada em julgado) não tenha. E isso inclusive não viola a presunção de inocência, pois ela apenas é usada para considerar alguém culpado, mas não para a fixação de benefícios ao condenado. 

Também já foi objeto de muita discussão doutrinária a questão dos antecedentes. Autores havia que diziam que o mau atencedente só seria caracterizado pela existência de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado, caracterizando o tecnicamente primário; outros admitiam a existência de antecedente pelo só fato de haver inquérito policial contra o indivíduo; enquanto outros afirmam que mesmo depois do prazo de 5 anos, que finda a reincidência, os antecedentes ainda deveriam contar. O entendimento de hoje é que reincidente é apenas o que tem contra si sentença penal condenatória transitada em julgado, enquanto o tecnicamente primário é o que tem condenação porém sem o trânsito em julgado. Para ambos, entretanto, a concessão de benefícios é obstada.

Prova da reincidência

A prova da reincidência se dá por certidão de trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Se a sentença depende de recurso, e comparecemos a uma Vara e pedimos a certidão, aquela certidão será nula pois a sentença está dependendo de recurso, ainda. O advogado deve conhecer o processo. Primeira coisa ao se fazer ao pegar um processo: verificar o fato típico. Assim pensará o advogado: "meu cliente cometeu uma conduta? Sim. Essa conduta gerou um resultado? Gerou. Há nexo causal entre esse resultado e a conduta do meu cliente? Não. Então vou questionar o nexo!" Um bom procedimento para o advogado criminalista é observar, nesta ordem: tipicidade, geração de resultado, nexo causal, culpabilidade, ilicitude do fato. Se nada funcionar, deve-se dedicar total atenção à dosimetria da pena.
 

Reincidência e concurso de pessoas

Vimos que se apenas um agente for reincidente, a reincidência, que é uma característica pessoal, não se comunicará com as condições dos outros participantes do crime. Lembrem-se que as circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam, salvo se elementares do crime (art. 30 do Código).

        Circunstâncias incomunicáveis

        Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. 

Por conta disso é possível que haja penas completamente diferentes para dois agentes que participam do mesmo crime. Alguns doutrinadores chamam essas características de circunstâncias subjetivas.

A prova, como dito, se dá mediante certidão de trânsito em julgado de sentença penal condenatória. O juiz não pode aplicar a reincidência se a certidão faltar. Brocardo muito importante quanto a isso: “o que não está nos autos não pode ser considerado.” Mesmo que se trate de uma notícia de grande alcance. Fatos notórios como data do crime podem ser admitidos, mas nada sobre a prática do crime.
 

Reincidência e a Lei de Contravenções Penais

Art. 7º da Lei de Contravenções Penais:

        Art. 7º Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.

O artigo deixa bem clara a regra:

Para todos os casos acima, só se considerará o primeiro fato, sendo crime ou contravenção, se for passado em julgado. Portanto ao dizer “se o sujeito pratica um crime no Brasil”, este crime deve ter tido uma sentença transitada em julgado.

Exemplo: Felisberto cometeu, em 2004, um crime de furto, cuja sentença penal condenatória transitou em julgado, e ele foi condenado a 1 ano de reclusão, com a pena privativa de liberdade substituída por prestação de serviços à comunidade ou entidade pública. Em 2007, ele é preso e processado pela contravenção de perturbação de trabalho ou sossego alheio, como no art. 42 da LCP, e foi condenado à pena de prisão simples de quinze dias. A reincidência, que aqui deve ser considerada pelo crime de furto praticado anteriormente, incidirá sobre essa pena de quinze dias, aumentando-a. 

Deve-se observar o princípio da territorialidade absoluta para efeito de contravenção. só se consideram as contravenções realizadas dentro do território nacional.

Reincidência e extinção da punibilidade

Futuramente vamos estudar, ainda nesta disciplina, a extinção da punibilidade. Veremos que a punibilidade pode se extinguir em razão de múltiplos acontecimentos. Está no art. 107 do Código Penal. Não haverá reincidência quando a extinção da punibilidade ocorrer antes do trânsito em julgado.

TÍTULO VIII
DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

        Extinção da punibilidade

        Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: 

        I - pela morte do agente;

        II - pela anistia, graça ou indulto;

        III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

        IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

        V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

        VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

        VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

        VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)

        IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Se um indivíduo comete um crime e ocorre prescrição antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, extingue-se a punibilidade e a prescrição afasta o trânsito em julgado, portanto, não há mais possibilidade de reincidência. Se a extinção da punibilidade ocorrer posteriormente ao trânsito em julgado, por motivo de anistia ou de alguma outra concessão, também não haverá reincidência; do contrário haverá, pois o que faz com que o indivíduo seja reincidente é a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado. Se a extinção ocorre antes do trânsito é porque não se teve sentença transitada em julgado, obviamente. Assim sendo, a reincidência não existe pois a punibilidade foi extinta.

O que faz com que o indivíduo seja reincidente é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória apenas. Se a punibilidade for extinta, evidentemente não pode haver trânsito. Então, se o sujeito for contemplado com anistia, graça, indulto, ou se ocorrer a morte do agente, a decadência, a perempção, etc. o Estado terá seu direito de punir extinto.

Abolitio criminis também afasta a reincidência. Esta regra está no art. 2º do Código Penal.

        Lei penal no tempo

        Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. 

        Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.  

Art. 64:

        Art. 64 - Para efeito de reincidência:

        I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; 

        II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Esta é a regra que dispõe sobre a extinção da reincidência depois do prazo de 5 anos do final do cumprimento ou extinção da pena. Digamos que Felisberto, irado por ter sido condenado a pena de prisão simples pela contravenção acima, resolve praticar um homicídio em 2009. Ele é condenado a 20 anos de reclusão, que cumpre integralmente. Em 2029 ele é posto em liberdade, e em 2034 ele voltará a ser primário.
 

Efeitos da reincidência

Abaixo estão os principais efeitos da reincidência. Esta lista não é taxativa, mas meramente exemplificativa:

Sursis = suspensão condicional da pena. Sendo reincidente, não pode haver sursis.