Direito Penal

segunda-feira, 30 de março de 2009

Conclusão do estudo das medidas de segurança e concurso de crimes



Frase do dia: "Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta."

Aviso: esta aula ficou um pouco fragmentada na transcrição. O professor fez menções à prisão preventiva no final da aula, questões processuais, conexão, comarca e crime continuado interestadual. Não acredito que perguntas especificas sobre processo sejam o nosso interesse nesta disciplina. No que estiver faltando, confronte esta página com suas próprias anotações.


Na aula passada começamos a falar sobre a medida de segurança. Vimos que ela é imposta como regra prioritariamente aos inimputáveis, tanto os do art. 26 do Código Penal, como por posição doutrinária aos inseridos no art. 45 da Lei 11343 (lei de droga):

        Art. 45.  É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

        Parágrafo único.  Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

A medida de segurança não tem prazo determinado. O exame tem que ser feito de 1 a 3 anos depois do início do cumprimento da medida de segurança, em seguida anualmente, para demonstrar a cessação da periculosidade do agente e, se for o caso, liberá-lo.

Desinternação ou liberação condicional: se o juiz desinterna, permitindo que ele faça tratamento ambulatorial na seqüência, e se, nesse período, ele comete outra infração penal e exibe indícios de que não deixou de ser perigoso, ele volta à situação anterior, que é da internação. Logo, desinternação requer a demonstração de cessação de periculosidade. Com a desinternação, o tratamento ambulatorial se inicia.

A regra é: cessou a periculosidade, não há porque mantê-lo segregado. O tratamento ambulatorial é meio curativo da doença mental, do agente do crime. Em qualquer fase do tratamento o juiz poderá determinar a internação do agente, quando esta se mostrar necessária ao tratamento para fins curativos.

As doenças ligadas à questão mental podem progredir. Digamos que hipoteticamente a pena do crime cometido tenha sido de detenção, e o tratamento é normalmente ambulatorial, mas o juiz pode, se o problema mental se agravar, mandar interná-lo desde que isso se mostre necessário para esse fim. O exame e atestado são sempre requeridos para demonstrar a evolução do quadro da doença mental.

O semi-imputável, como regra, não é isento de pena. Ele tem uma diminuição da pena de 1/3 a 2/3. O parágrafo único do art. 26:

TÍTULO III
DA IMPUTABILIDADE PENAL

        Inimputáveis

        Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

        Redução de pena

        Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Ou seja, se o agente não era inteiramente incapaz, então segue que ele era parcialmente capaz, por isso ele deve ser parcialmente penalizado. É o princípio da proporcionalidade. Se a pessoa tem uma dificuldade em entender o caráter ilícito, ele será penalizado de forma parcial. Por isso que a regra determina que ao semi-imputável a pena será diminuída de um a dois terços quando ele, no momento da ação ou da omissão, não for inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato. Mas o juiz pode, provando a necessidade de um tratamento curativo, fazer a substituição da pena privativa de liberdade pela internação se for necessário o tratamento curativo. Então, se vocês virem em alguma prova uma questão assim: "a aplicação de medida de segurança a semi-imputável é permitida?" A resposta é sim, mas não é a regra. Há a previsão legal de que ele poderá ter a pena privativa de liberdade substituída pela internação com fins de tratamento. No entanto, há uma posição doutrinária sobre medida de segurança para o inimputável: a despeito de existir uma regra geral no nosso Código Penal de que as pessoas não podem cumprir pena por mais de 30 anos, como a medida de segurança não é tida como pena, segundo a essa regra geral ela só cessa quando cessar a periculosidade do agente. No caso do semi-imputável que tem a pena reduzida de 1/3 a 2/3, se o juiz decidir que há necessidade comprovada nos autos (não ao mero alvedrio do juiz) de internação para tratamento curativo, o tempo dessa medida de segurança não pode ultrapassar o tempo da pena privativa de liberdade que ele viria a receber. É o que diz a corrente majoritária. Isso se o juiz for fazer a substituição de uma pena privativa de liberdade para uma internação para tratamento. Essa medida de segurança não pode, então, ser superior ao tempo que ele cumpriria de pena. Como ele tem uma pena definida, tendo em vista que ela foi substituída, o juiz não poderá deixá-lo ficar mais do tempo que a condenação prevista.

Vamos imaginar uma pena de 6 anos. Se o juiz lhe der 2/3 de diminuição de pena ao sujeito, o tratamento não pode passar de 2 anos, pois o réu seria prejudicado. É uma questão de garantia e de proporcionalidade.

Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta. A extinção da punibilidade tem um rol no art. 107 do Código Penal. Essa causa de extinção da punibilidade determina sobretudo que, quando ocorrer qualquer dos casos previstos, é porque o Estado perde o jus puniendi (direito de punir). A primeira causa de extinção da punibilidade é a morte do agente. Aprendemos na parte geral do Código e na Constituição que a pena não pode passar da pessoa do criminoso (inciso XLV do art. 5º da Constituição). A morte extingue a punibilidade e, portanto, também a medida de segurança.

Também temos o instituto da abolitio criminis, com redação diferente no art. 107. Ela cessa todos os efeitos da sentença condenatória. A medida de segurança não tem que subsistir e nem ser imposta, até por que, por uma analogia, o art. 2º fala em sentença penal condenatória: ninguém poderá ser considerado culpado por fato que lei posterior deixa de considerar como crime, o que faz cessar os efeitos da sentença penal condenatória.

        Lei penal no tempo

        Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Esses efeitos são imposições, obrigações, um encargo de cumprir a medida de segurança.

Prescrição, perdão aceito, perempção, renúncia são algumas das outras causas de extinção da punibilidade, que veremos melhor depois. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que havia sido imposta.
 

Concurso de crimes

Ouvimos muito nos noticiários: “fulano vai responder pelo crime contra a ordem tributária, formação de quadrilha, corrupção passiva e ativa...” ou então “a dona da Daslu pegará 94 anos de prisão pela somatória dos crimes que ela cometeu...”

Isso significa que, quando o juiz aplicar a pena, ele somará os crimes praticados pelo agente. Não se esqueçam da individualização. O juiz faz a dosimetria de cada um dos crimes e, ao final, unifica essas penas. Não se pode fazer uma única dosimetria. A constituição prevê a individualização e a individuação (diferenciação quanto ao indivíduo, não quanto aos crimes isoladamente praticados). Depois do estudo de concurso de crimes, vamos fazer um outro exercício de dosimetria, desta vez mais elaborado.

Vamos, então à definição de concurso de crimes: “ocorre concurso de crimes quando uma pessoa pratica uma pluralidade de crimes por meio da prática de uma ou mais condutas.”

É possível o indivíduo cometer um único crime com uma única conduta, mas pode cometer vários crimes mediante uma só conduta também. Um “hitman” pode ter uma arma com alto poder de penetração, atirar contra Xande e acertar Carol também sem querer; neste caso, há concurso de homicídios: um doloso e um culposo. Se o sujeito pretendia matar ambos, o concurso é de homicídios dolosos.

Em processo penal vamos estudar a competência por conexão, descrita no art. 76 do Código de Processo Penal.

        Art. 76.  A competência será determinada pela conexão:

        I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

        II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

        III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Vamos ver agora as espécies de concurso de crimes. Para isso, vamos aproveitar a aula de Direito Penal de 6 de novembro de 2008, reproduzida abaixo.


Tópicos:

  1. Introdução
  2. Concurso material
  3. Concurso formal
  4. Aberratio ictus
  5. Crime continuado
  6. Conceito formal de crime continuado
  7. Requisitos
  8. Crime continuado especifico

Introdução

Não devemos confundir o concurso de crimes com o conflito aparente de normas. É algo bem freqüente. Sobre um determinado fato podem incidir diversos tipos penais. Homicídio, por exemplo, pode significar latrocínio, estupro seguido de morte, homicídio mesmo, lesão corporal seguida de morte, etc.

Agora imaginem um seqüestro relâmpago que chegou a durar sete horas. Isso é só roubo com privação da liberdade ou também houve extorsão? É, portanto, uma questão de conflito aparente de normas ou um concurso de crimes? O juiz de primeira instância entendeu que houve não só roubo como também extorsão, mas o desembargador que apreciou o caso entendeu que houve apenas o primeiro crime. O conflito aparente de normas ocorre quando há vários tipos penais, e só um, em princípio, pode ser aplicado.

No concurso de crimes, há vários crimes, portanto várias penas. Um princípio subjacente a isso é o ne bis in idem. Então a diferença entre o conflito aparente de normas e o concurso de crimes é que no primeiro há, em princípio, um único crime, em que parecem poder incidir várias normas penais. No segundo há vários crimes. Mas os dois institutos não são incompatíveis. Podem-se discutir as duas coisas num mesmo caso. Alguém pode ser condenado por um único crime dúbio, em que ficou difícil o entendimento sobre os tipos penais praticados pelo agente, mas ainda assim discutir-se se houve um crime, dois, três, etc.

A distinção entre conflito aparente de normas e concurso de crimes não preexiste à interpretação mas é dela resultado. Ou seja, o mesmo fato pode ser ora entendido como conflito aparente de normas ou concurso de crimes. Não se pode pretender distingui-los objetivo-formalmente. No primeiro caso é, dessa maneira, entendido que houve só um crime.

Especialidade, consunção e absorção são princípios que afastam o conflito aparente de normas.

Os desembargadores que apreciaram o caso de roubo/extorsão acima entenderam que o juiz de primeira instância havia errado, mas poderiam ter mantido a interpretação dele.

O Código Penal prevê três formas de concurso: material, formal e crime continuado.

Concurso material

Ocorre concurso material quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes. Também conhecido como concurso real de crimes. Exemplo: um sujeito entra na sala, agride alguém, entra em outra, agride outra pessoa, depois foge de carro e atropela alguém. Houve três ações, três crimes.

Maníaco do parque: matava e estuprava uma mulher mais ou menos a cada semana. Vários crimes, várias penas. Outro exemplo: um juiz (funcionário público) é corrupto e recebe dinheiro para dar uma sentença em determinado sentido. Se fizer uma vez por mês, configuram-se vários crimes. No concurso material, como há várias ações e vários crimes, as penas são aplicadas cumulativamente, podendo, inclusive, as penas excederem a 30 anos. Se ocorrer, o juiz deverá proceder à unificação das penas para 30 anos.

Massacre do Carandiru: entendeu-se que houve concurso material. O Coronel Ubiratã Guimarães não deveria cumprir 666 anos por ter matado 111 presos, levando 6 anos para cada um, mas 30.

O sujeito tem direito a livramento condicional depois de cumprir 1/3 da pena. Esse 1/3 é calculado sobre os 666 ou sobre os 3?

Quanto a isso, há dois posicionamentos:

O majoritário, inclusive prestigiado pela súmula 715 Do STF ¹, que diz que o cálculo deve ser feito com base na pena aplicada, e não na pena unificada. Deu-se, portanto, a pior pena para o réu.

Súmula 715

A PENA UNIFICADA PARA ATENDER AO LIMITE DE TRINTA ANOS DE CUMPRIMENTO,DETERMINADO PELO ART. 75 DO CÓDIGO PENAL, NÃO É CONSIDERADA PARA A CONCESSÃO DE OUTROS BENEFÍCIOS, COMO O LIVRAMENTO CONDICIONAL OU REGIME MAIS FAVORÁVEL

DE EXECUÇÃO.

Por outro lado, há o pensamento minoritário, que entende que a fração de pena cumprida depois da qual o sujeito terá direito ao livramento condicional é calculada sobre a pena unificada, no caso, de 30 anos, portanto 1/3 de 30 = 10 anos. Dez anos seria o que o sujeito deveria cumprir em regime fechado para poder ter direito à condicional.

Um problema seríssimo para o qual o professor não tem resposta é: mediante mais de uma ação ou omissão, os autores fazem uma distinção entre ação e atos: exemplo: o sujeito decide praticar um furto, e pratica uma ação de furtar. Para isso, ele põe a escada na parede, sobe, entra no quarto, subtrai uma jóia, desce, volta ao carro, guarda a jóia, retorna à casa, furta um notebook, etc. É portanto uma ação de furtar desdobrada em vários atos. Portanto, não há vários furtos, mesmo que o ladrão vá ao carro e volte várias vezes.

E se forem vários bens?

Os autores dão também o seguinte exemplo de uma única ação desdobrada: a quadrilha aborda um ônibus à noite e subtrai dinheiro de 50 passageiros. Entende-se que houve só um furto. Agora veja. O mesmo exemplo, se for não de furto, mas de homicídio, entende-se que cada ato de matar, autonomamente considerado, é um crime de homicídio. Portanto, é uma distinção que é fácil apenas à primeira vista.

Os autores também fazem uma distinção entre concurso homogêneo e heterogêneo. O primeiro é quando o sujeito pratica vários crimes iguais. O heterogêneo é quando ele pratica crimes distintos.
 

Concurso formal

O mais comum é o concurso material. O formal é a exceção: ocorre quando o agente, mediante uma única ação ou omissão, pratica vários crimes. Exemplo de Paulo César Timponi: bater contra um veículo e matar três pessoas. Ou então matar duas pessoas com um tiro só, com a intenção de matar apenas a primeira.

Enquanto no concurso material são aplicadas várias penas, no concurso formal é aplicada apenas uma: a mais grave, se houver distinção quanto a elas. É o que ocorre em caso de concurso heterogêneo. Se a pena for idêntica, ou seja, se o concurso for homogêneo, aplica-se ela, com aumento de 1/6 a 1/2. O concurso formal também é conhecido como concurso ideal de crimes.

Concurso formal

        Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

        Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.


No concurso formal, pode acontecer de a pena ser superior à do concurso material. Digamos que o sujeito atira contra uma pessoa, que morre, e lesiona uma terceira. Mediante concurso formal, ele matou uma e acabou lesionando outra. O sujeito só responderá por homicídio simples. O juiz aplica 12 anos + 1/3 desta pena = 16 anos. Se ele tratasse isso como concurso material, ele aplicaria 12 anos, que é a pena mais branda para homicídio qualificado, mais a pena máxima da lesão corporal leve = 1 ano. Logo, seriam 13. Pode o juiz fazer isso? Não, pois isso não é conforme o princípio da proporcionalidade: entende-se que o concurso formal é o mais favorável ao réu, logo o Código traz a regra de que a pena do concurso formal em nenhuma hipótese pode exceder a pena que seria cabível à pena para o concurso material. Os advogados devem estar atentos a isso.

Por isso que os juízes aplicam as penas isoladamente e só então aplicam o aumento. Para ficar claro, inclusive.

Outra coisa importante: existe a figura do concurso formal impróprio. Ocorre quando o agente, mediante uma única ação ou omissão, pratica vários crimes, mas cada um deles tendo decorrido de um dolo autônomo, ou seja, o sujeito queria mesmo todos os resultados decorrentes daquela ação única. Exemplo: usar uma bomba para matar um indivíduo, e matando outros dois. Nesse caso, aplica-se a regra do concurso material. Por quê? Porque embora se trate, a rigor, de concurso formal, o sujeito quis matar os três indivíduos, previa o resultado e não foi algo acidental. Isso é, de fato, um concurso material, apesar de ter aparência de concurso formal. É uma situação excepcionalíssima.
 

Aberratio ictus

Já vimos, mas agora veremos esse instituto com mais profundidade.

Ocorre quando o agente, pretendendo praticar um crime contra uma pessoa, por erro na execução ele ofende pessoas diversas da que ele quis atingir. Também conhecido como “erro no ataque”. Exemplo: o sujeito deseja matar o pai e acerta um estranho. O Código Penal Brasileiro adotou a teoria da equivalência. Se um estranho é morto por um agente que pretendia matar o próprio pai, ele responde como se tivesse matado o pai. Isso significa que o agente estará sujeito à pena para o crime de homicídio com um agravante, que é ter praticado o crime contra ascendente.

Quando, no aberratio ictus, houver a produção de mais de um resultado, como mirar em um e acertar outros dois, aplica-se a regra do concurso formal. Quando se atingir mais de uma pessoa, responde-se apenas por um crime, o mais grave, contra àquele que se quis atingir. Um homicídio com aumento de pena contra a vítima potencial ou virtual (não a real). Tem tratamento de concurso formal sempre que houver várias vítimas. O agente responde como se tivesse praticado o crime contra o agente que pretendeu atingir. Este concurso formal não é incompatível com a legítima defesa. Para entender, imagine o exemplo: Little Chino, que está perto de Biney e Lila, avança na direção de Dexter, com uma arma, pretendendo matá-lo. Dexter saca sua própria pistola calibre .50 antes e atira, em legítima defesa, contra Little Chino, matando-o, mas a bala atravessa seu corpo e atinge Biney na cabeça (que também vem a óbito) e fere Lila. Aqui, aplica-se a regra do concurso formal, mas a ação inicial está amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa. Como se responde apenas pelo crime de homicídio, contra aquele que se quis atingir (Chino), Dexter não será punível.

Teoria da concretização: de acordo com ela, o sujeito responde pelo que de fato aconteceu. É a teoria que não foi adotada pelo Código. No já visto caso da mulher que envenenou a comida do marido, pretendendo matá-lo, mas que acabou matando os filhos que comeram a refeição antes do marido, haveria dois homicídios culposos consumados (contra os filhos) e um homicídio doloso tentado (contra o marido).

Pergunta de prova: a polícia sabe de uma extorsão mediante seqüestro em andamento, sabe que a vítima está sendo maltratada, que há risco de morte, mas não sabe onde é o cativeiro, mas sabe que a mãe dos seqüestradores sabe dessa informação e se recusa a dizer, pois se mantém na defesa dos filhos. Em tese, o que os policiais podem invocar, ao torturá-la pela informação da localização do cativeiro? Estado de necessidade.
 

Crime continuado

Várias ações ou omissões, mas tratados como se fossem um único crime. O crime continuado na verdade é um concurso material tratado como concurso formal. É uma figura híbrida, mista, sui generis. O sujeito não responde por concurso material embora de fato o seja; ele recebe o tratamento de concurso formal: responde por um único crime.

        Crime continuado

        Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. [...]


Ocorre quando entende-se que os crimes subseqüentes são havidos como continuação do primeiro. O que está subjacente a essa discussão é o princípio da proporcionalidade. Isso surgiu antigamente, com a pretensão de evitar a pena de morte para o terceiro furto. Havia uma norma que dizia que "aquele que cometer o terceiro crime seria condenado à morte". Também se deve a razões de política criminal. A pena é aumentada, ficando ligeiramente maior que o concurso formal.

Exemplo: alguém deseja furtar uma coleção de quadros que só têm valor no conjunto. Então o sujeito vai ao museu um dia e furta o primeiro, outro dia furta outro, etc. É um caso de crime continuado. É também o caso da empregada que um dia subtrai uma jóia da patroa, depois umas lingeries, depois uns dólares, depois um saco de macarrão... a tese de crime continuado tem sido reconhecida com freqüência em casos de sonegação tributária. Se o sujeito sonega várias vezes por meses, é comum que ele responda apenas por um, com pena aumentada. É uma reiteração de crimes, portanto concurso material, tratado como concurso formal para evitar penas excessivamente altas.

Conceito formal de crime continuado

Primeiro de tudo: não confundamos com crime habitual. Este é um único crime, sendo que cada ato por si só não constitui um crime. Só há crime se houver configuração da habitualidade no exercício da medicina (art. 282), por exemplo, ou do curandeirismo (art. 284), ou mesmo da reunião de um grupo criminoso para que seja configurado o crime de bando ou quadrilha (art. 288). A diferença que há entre crime habitual e crime continuado é que, no continuado, cada ato constitui um crime.
 

Requisitos

  1. É necessário que existam vários crimes da mesma espécie. O que são crimes da mesma espécie? Há duas correntes doutrinárias tratando sobre esse assunto:
  2. Que as circunstâncias de tempo, lugar, meios de execução e outras semelhantes. Com relação ao tempo, a jurisprudência é muito vacilante. Há precedentes dizendo que a circunstância de tempo deve ser de no máximo um mês, mas há julgados mais recentes no STJ entendendo que este tempo poderia ser de até três meses. Logo, se houve intervalo de quatro meses entre um crime e outro, não cabe reconhecer a continuidade em função do tempo decorrido. Outras semelhantes são os elementos que podem conferir àquela conduta o caráter de unidade.

Na prática, a tendência é reconhecer a continuidade quando o crime for leve. Se for rechaçada a tese de crime continuado para um crime grave, é comum que o réu leve a pena máxima.
 

Crime continuado especifico

É uma forma mais dura de apenação do crime continuado.

        Crime continuado

        Art. 71 – [...]

        Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.

Ocorre quando, presentes todos os elementos do crime continuado, houver a presença dos seguintes elementos: crimes dolosos, violência ou grave ameaça, contra vítimas diferentes, circunstâncias favoráveis a ser levadas em conta pelo juiz. A pena pode ser aumentada até o triplo.

Há uma sumula do STF, anterior à reforma de 84, que portanto está revogada, que dizia que o crime continuado poderia ser contra vítimas diferentes, mas não mais.

De todo modo, se a pena se tornar maior que 30 anos, ela deverá ser unificada para 30.


1 - http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=715.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

Vamos na aula que vem ver mais aprofundadamente o concurso formal, crime continuado, aberratio ictus, e posteriormente fazer outra dosimetria.