Até a aula passada nós conceituamos Filosofia a partir do objeto e estamos agora começando a conceituação a partir do método. Vimos não só o que é o método, mas também suas características. Quanto ao método, há dois conceitos de Filosofia: o primeiro deles é o conceito de Filosofia sintética. O segundo conceito é o de Filosofia analítica. Essas duas análises estão no Dicionário de Filosofia de Abagnano.
Neste caso, o que vem a ser Filosofia sintética? Vamos tomar um cuidado. São conceitos de Filosofia a partir do método, diferente dos conceitos de Filosofia que vimos a partir do objeto. Podemos ter um teórico realista que, ao mesmo tempo, conceitua a Filosofia como analítica.
São 3 aspectos fundamentais que diferenciam a Filosofia sintética da analítica. São sempre com relação ao método. Lembrem-se, para começar, que o método é o modelo estabelecido para aprensentar soluções para os problemas que se apresentarem.
Quanto a Filosofia sintética, vamos, primeiramente, entender a relação do método com seu objeto; depois, como a Filosofia sintética propõe seu método e por último, a Filosofia como uma forma de conhecimento.
O mesmo para a Filosofia analítica, mas lá as coisas se operarão de modo inverso. Vamos começar com a sintética.
Vejamos, então, a Filosofia com relação ao objeto. Qual é a concepção da Filosofia em relação ao seu objeto? A primeira questão é que o objeto, para um filósofo sintético (como Aristóteles, Hegel, Marx, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho), é uma construção, uma criação da própria Filosofia. E nisso a Filosofia se distinguirá da ciência. É, portanto, um constructo: o objeto é criado pelo método. Então, vamos ver um exemplo:
Para esses teóricos, é o que fará a diferença entre a Filosofia e a ciência? Um cientista pode explicar um objeto, criando, para isso, uma teoria. Por exemplo: por que a caneta de quadro cai? O cientista pode construir uma explicação. Ele também cria seu objeto? Não, ele pressupõe a existência do objeto, que já é dado: Newton já sabia que havia a queda dos corpos antes de desenvolver a Lei da Gravitação Universal.
Quando um sociólogo faz um estudo da sociedade, ele não cria o objeto. Ele apenas observa uma sociedade já existente; o que ele faz é meramente explicar por que a sociedade é daquele modo. O mesmo para o teórico da Política e o teórico do Direito. Este estuda como a Lei funciona, as condições de proposição de leis, etc. Ele até propõe modelos de ordenamento, mas aquela sociedade já tem uma forma organizada de ordenamento jurídico. Em outras palavras, o cientista pensa um objeto já existente, e apenas explica-o.
Já o filósofo não: ele constrói o seu próprio objeto. Então, à medida que ele estabelece um método, esse método vai construindo seu objeto. Vamos ver, depois, que a Filosofia analítica e a ciência têm os mesmos parâmetros.
Sendo o objeto da Filosofia uma construção do método, dois aspectos importantes derivarão daí:
A ciência pode continuar ampliando seu conhecimento do objeto.
O mesmo para os cientistas que investigaram o caso Isabella Nardoni: poderiam eles criar teorias que ultrapassassem o que era oferecido pelas evidencias? Não. Eles só poderiam criar teses que o objeto de seu estudo, o fenômeno permitia. É claro evidentemente que a explicação é uma construção. Mas há um elemento do próprio objeto que está além da teoria. O que muda é: como explicar. Explicar a queda dos corpos, por exemplo: Aristóteles falava que os corpos eram compostos de átomos terra, ir de encontro a seu lugar normal (o solo), enquanto Newton propõe uma nova explicação totalmente diferente. O problema, portanto, é sempre o mesmo. Por isso que a ciência nunca conseguirá atingir o conhecimento de seu objeto em sua totalidade.
Com relação ao próprio método, como ele é um construtor do objeto na Filosofia sintética, à medida que o método constrói o objeto, ele também é uma construção da Filosofia. a Filosofia não busca seu método fora dela mesma; ela o constrói. Por isso dizemos que o próprio método é um constructo da Filosofia. O objeto é um constructo do método, que por sua vez é um constructo da Filosofia. Então, em que sentido? É claro que as tecnologias e as técnicas do método da ciência são da ciência. Mas veja isso: no Direito, podemos aplicar uma série de métodos para a constituição de leis, para a explicação de leis, etc. Estudamos qual é uma constante na construção de leis: a hermenêutica. Ela é que oferece alguns princípios que são utilizados pelo teórico do Direito. A pergunta, dessa forma, se torna: é claro que o teórico do Direito lança mão de uma hermenêutica jurídica, logo, a hermenêutica jurídica é algo próprio dele. Mas a hermenêutica é um constructo do Direito? As regras de interpretação são construídas pelo Direito? A hermenêutica é uma disciplina da Filosofia, não do Direito. Suas regras não foram desenvolvidas pelos juristas, mas pelos filósofos. O nome integração, por exemplo, tem outro nome na hermenêutica. A integração é uma aplicação da hermenêutica filosófica ao Direito. Os filosófico criaram um conjunto de teorias para a interpretação dos Textos Sagrados, para que se desse unidade à explicação das Escrituras. a Filosofia tomou esse conjunto de saber teológico, com uma visão totalmente racional, e lançou mão da hermenêutica filosófica. O que é interessante é que o próprio método da ciência, do Direito neste caso, não é criado pelo próprio Direito, mas pela Filosofia! A ciência faz o mesmo. O cientista pode criar tecnologias específicas para sua área. Telescópios são tecnologias especificas de algumas áreas das ciências naturais: Astrofísica e Astronomia, mas não do Direito. Mesmo tais ciências têm um método, mas não têm um método que tenha sido criação dos próprios cientistas. A lógica das ciências naturais é diferente da lógica aplicada às ciências sociais. A ciência, em si, é filosófica. a Filosofia não: quando ela precisa desenvolver um método, ela desenvolve seu próprio método, e não depende de nenhuma outra disciplina. Por isso ela é sintética.
Logo, o próprio método é um construto da Filosofia.
Aristóteles: quando desenvolveu a Filosofia, ele percebeu que precisaria de um instrumental. Para isso, criou a lógica. Não é que os filósofos anteriores não conheciam a lógica, mas o que fez Aristóteles? Seus antecessores a usavam intuitivamente. Aristóteles simplesmente sistematizou, criando um corpo de um método com regras totalmente estabelecidas para que a Filosofia fosse desenvolvida. Hegel, discordando, cria também seu próprio método: a dialética hegeliana. Como ele não concordava com Aristóteles, ele cria um novo modelo para investigar seu objeto. O objetivo dele era explicar a realidade social humana bem como a realidade natural. Assim, Hegel toma seu objeto na totalidade.
Os cientistas só conseguem observar um quadro começando de um ponto, e então expandindo a área examinada; o filósofo consegue fazer o inverso: observar o todo para depois se aprofundar nos aspectos específicos. O cientista pode projetar uma totalidade, mas nunca consegue atingi-la.
Então veja: neste caso, o próprio método é uma construção. Dizemos então que o filósofo cria um método para estudar um objeto. Finalmente, conseguimos chegar à noção do conhecimento.
A primeira pergunta a se fazer sobre o conhecimento é: esse tipo de conhecimento é limitado? Não, pois na verdade o limite seria imposto pelo objeto, mas como ele é constantemente construído, então não há limites. Já a ciência tem o limite imposto pelo próprio objeto. Cuidado: essa limitação da ciência não quer dizer que ela não possa reformar sua concepção do objeto. Um modelo que temos hoje de átomo não é o mesmo que se tinha no começo do século XX. Antes do modelo quântico tínhamos o de Rutherford, e antes havia o de Thomson, Dalton... Então, o cientista reforma a concepção do objeto, mas ainda assim podemos dizer que o átomo quântico é exatamente o que há na realidade? Não podemos dizer isso, porque o objeto é sempre algo a mais que a teoria. A ciência é ilimitada horizontalmente: pode reformar sua concepção de um objeto, mas nunca chegará à totalidade.
Dizemos, então, que o conhecimento da Filosofia é absoluto. No sentido de que ele tem essa condição de poder atingir a totalidade mas também no sentido que ele é inquestionável. Segundo esses teóricos, a Filosofia não tem como ser questionada. A realidade, para eles, é tal qual ele está explicando. A ciência não; ela depende de algo externo para haver uma reforma, por isso ela não é absoluta.
Dado que esse conhecimento é absoluto, a outra condição desse conhecimento é que ele não é relativo a nada que está de fora dele. A Filosofia só pensa a partir dela mesma, nunca a partir de outra disciplina. O conhecimento filosófico não pode ser relativizado.
Agora pergunta-se: esse modelo de construção do conhecimento é um modelo meramente humano? Qual consideração que deveríamos dar a ele? Seria um conhecimento de tipo divino. É um produto do pensamento humano, mas é um conhecimento que está no nível divino, diferentemente da ciência; um conhecimento que o próprio Deus teria. Quem sustenta isso é um grande filósofo do século XVII chamado Bento de Espinosa (1632 – 1677). Aristóteles diz que esse é um conhecimento divino porque é um conhecimento por excelência. Só que não somos deuses, portanto não temos esse conhecimento absoluto. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino seguem essa linha de raciocínio: eles são teóricos sintéticos.
Portanto, o caráter absoluto e divino do conhecimento filosófico leva à condição de perfectibilidade.
Vamos ver um exemplo não político de Aristóteles, mas na esfera da realidade natural. E vamos ver, rapidamente, como ele cria um método para construir seu objeto e estabelecer esse conhecimento absoluto. Se observamos todas as coisas que existem, os entes (de acordo com a nomenclatura aristotélica, ente = aquilo que é) e se queremos saber o que é o homem, quando perguntamos o que é, perguntamos pelo próprio ente. Perguntamos “o que o diferencia dos outros?” ou “o que o determina como ente único?” Logo, a pergunta deveria ser: “o que faz o homem único?” Então, na verdade, essa condição de idéia para Aristóteles faz com que determinemos a diferença do homem para tudo que não é homem, identificando ao mesmo tempo tudo aquilo que é homem. Ter cabelo identifica ou define o que nós somos? Não, pois uma pessoa careca não seria homem. E os animais também os têm. Nem “ter olhos” pode ser uma característica satisfatória; isso excluiria os que nascem sem olhos nem nos diferenciaria dos cães. Para identificar qual é essa característica, é necessário um método.
O que diríamos que um cachorro, um gato, um jacaré, nós e as plantas temos em comum comparado com pedras, rios, estrelas e assim por diante? Somos vivos. Admitindo que ente é tudo aquilo que é, podemos classificar os entes em vivos – que têm uma característica que tudo aquilo que não é vivo não tem – e não vivos. Ou seja, aquilo que tem aquela propriedade e aquilo que não tem aquela propriedade. Nesse caso, os entes vivos, que têm a propriedade “vida”, podem ser reunidos em dois grandes conjuntos: o primeiro, com plantas e fungos e outro contendo homens, cães e gatos. Temos algo que os membros daquele grupo não têm. O que é? A locomoção. Então, em latim, o movimento próprio é denominado anima, daí vem o motivo de sermos chamados de animais. Logo, os entes vivos podem ser classificados em animais e não-animais. Observe a característica da recorrência do método: ele pode ser aplicado e reaplicado quantas vezes forem necessárias.
Vamos agora pensar nos animais. Dado que somos animais, como os jacarés e tigres, o que nos torna idênticos entre nos e que podemos nos reconhecer como homens? A racionalidade. Então, somos animais racionais, enquanto que os outros são não-racionais. Mas Aristóteles sabe que os animais são intelectuais, mas que eles não podem criar sociedades do tipo racional.
O biólogo entende o homem como animal racional? Não. Ele pode entender o homem como um animal intelectual, mas ver a racionalidade como um grau dessa intelectualidade. Essa é a diferença entre o entendimento do filósofo e do biólogo. Logo, ele não vê a racionalidade como um objeto próprio, mas como um grau da intelectualidade. Mas Aristóteles chega a essa conclusão como um dogma, como um preceito de fé? Não. na verdade, como se aplica um método, chega-se a um objeto, uma conclusão. Aristóteles chama isso de abstração, usando regras da lógica (a regra indutiva). Assim, como foi conseguida por um método indutivo, lógico e abstrativo, essa conclusão não pode ser questionada porque essa conclusão é absoluta.
É o conhecimento que Deus teria, dizem.
Aristóteles, com esse conhecimento filosófico, pode dizer que tem conhecimento total dos entes. A biologia nos estuda como um sistema orgânico complexo. Em outras palavras, no final das contas, a Filosofia chega a uma conclusão que as ciências não conseguem chegar: o homem é um animal racional.
Mas, outros filósofos podem discordar da afirmação de que o homem é um animal racional. Quer dizer que a idéia Aristóteles deixou de valer? Não, apenas surgiu um outro que enxerga de outra forma. Não é assim que ocorre na ciência, em que, quando surge uma nova teoria que melhor explica os fenômenos, a anterior é eliminada. Então, pela teoria sintética, várias Filosofias podem conviver.
É assim que se estabelece uma Filosofia sintética, seja ela de Aristóteles, de São Tomás de Aquino, de Santo Agostinho, de Hegel, de Marx, etc. os sintéticos dizem que todos os modelos filósofos são feitos seguindo essa regra, mesmo os feitos pelos filósofos analíticos.
Na aula que vem vamos estudar Marx, e entender como ele é um filósofo sintético.
Aviso: vão à Xerox do DCE e procurem o Dicionário de N. Abagnano. Está na pasta 49 ou na 63, uma das duas.