Filosofia

quarta-feira, 11 de março de 2009

Conclusão do método sintético de Aristóteles, dialética de Hegel e introdução a Karl Marx



Filosofia sintética de Aristóteles

Estávamos estudando na aula passada o modelo filosófico sintético. O método aristotélico é a abstração. Em outras palavras, o método por abstração é começarmos estudando todo o objeto ou um conjunto de objetos e, a partir da comparação entre semelhanças e diferenças, chegamos à conclusão, por exemplo, de o que é que tem vida e o que não tem vida, movimento e racionalidade. Aí Aristóteles chega à conclusão de que o homem é um animal racional. Vimos também que essa conclusão é indubitável, uma verdade absoluta. Aristóteles não aceita isso como dogma nem pressuposto; é um teorema, não um axioma. Então, a partir disso que olhamos na aula passada a respeito da Filosofia sintética de Aristóteles, pudemos notar as regras que ele estabeleceu para seu método abstrativo.

Primeiramente, ele parte de um princípio P. O princípio dele é o de não-contradição. O ente não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob as mesmas circunstâncias (ou . Se dizemos que a caneta de quadro é preta, ela não pode ser não-preta ao mesmo tempo; talvez no futuro. Do mesmo modo que não podemos ser ao mesmo tempo racionais e não racionais. Essa é a nossa natureza, e não podemos deixar de tê-la. Veremos isso na esfera da realidade. Podemos deixar que as paixões nos dominem, mas ainda assim somos animais racionais.

Assim, o princípio de não-contradição é o que comanda todo o sistema aristotélico.

Princípio da não-contradição: um ente não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob as mesmas circunstâncias (ou condições).

Daqui depreende-se o princípio de identidade. como não podemos ser e não ser ao mesmo tempo sob as mesmas circunstâncias, quando dizemos que somos tais e quais, isso nos dá nossa identidade. Podemos ter mais de um CPF? Não, porque seríamos, ao mesmo tempo, um outro ser que não nós mesmos. Nossa lei, portanto, é baseada nesse princípio.

Temos também um axioma no método abstrativo de Aristóteles que funciona assim: porque podemos juntar plantas e vegetais em geral com os animais de um mesmo lado, e contrapor esse grupo a cadeiras, pedras e estrelas. Isso porque na verdade temos algo que todas as plantas e animais têm em comum: a vida. Axioma, como dissemos, é um enunciado num calculo lógico que usamos para começá-lo. O axioma de Aristóteles pode se iniciar assim: Se um predicado P (ser vivo, que pode ser aplicado a um sujeito: o homem é um ser vivo, ou aquele cachorro é vivo).

Quando dizemos que a caneta é preta, estamos atribuindo o predicado “ser preto” à caneta.

SE o predicado P se aplica a um sujeito qualquer, dizemos que por aqueles predicados tais sujeitos pertencem à mesma classe. Como atribuir o predicado “ser vivo” às plantas, homens e cães. Todos, então, podem ser reunidos numa mesma classe: a dos seres vivos.

O axioma de Aristóteles completo e em sua forma geral pode ser assim escrito:

Se um predicado P se predica dos entes A, B, C..., então para este predicado P, os entes A, B, C... pertencem à mesma classe de objetos.

Se podemos falar que cachorro é ser vivo, que árvore é ser vivo e homem é ser vivo, podemos dizer que todos estão no mesmo grupo de objetos. Esse grupo não terá nada a ver, pelo menos com relação ao princípio de não-contradição, com “pedra”, pois ela não tem o predicado "ser vivo".

Podemos dizer "o homem é feito de plástico?" Não, pois do predicado "ser de plástico" não pode ser aplicado ao homem. Não podemos colocar o homem naquela coleção das coisas que são feitas de plástico, como a caneta de quadro.

Em relação ao Direito, não podemos aplicar a condição de homicídio simples se a pessoa não tiver tirado a vida de outra. Não podemos classificar o sujeito como homicida se ele não estiver sob o tipo.

Podemos simplesmente dizer que, e então colocar como exemplo:

Homem, cachorro, ipê, margarida
(animais) e (vegetais)

O que ambos os grupos (animais e vegetais) têm? Vida. Posso, então, ter uma conclusão. Qual é a conclusão de Aristóteles, seu teorema? Dado que animal e vegetal têm vida, podemos dizer que ambos pertencem à mesma classe de objetos. Logo, homem, cachorro, ipê e margarida pertencem à mesma classe de objetos, qual seja, a dos objetos que têm vida, e que, portanto, se opõem aos que não têm vida. Assim, podemos dividir os entes em vivos e não vivos. Aplicando essa regra recorrentemente, podemos classificar, dentro dos vivos, todos os que têm e os que não têm movimento, ou então todos os que são animais e todos que não são animais. O predicado, então, deixa de ser "ser vivo", e passa a ser "ser animal". Já dentro do subnível dos animais, podemos fazer uma classificação dos que têm coluna vertebral e os que não têm coluna vertebral. Continuando a aplicação recursiva desse método, chegaremos à conclusão de que apenas o homem tem racionalidade, portanto o homem é um animal racional, logo, apenas o homem pertence à classe dos racionais, e nenhum outro pertence. Isso é uma força do cálculo, e não podemos duvidar que o homem é um animal racional. É uma regra lógica:

Se P, então Q.

Como o já visto:

Se chove, então a rua está molhada.

Ora, a rua está molhada; então, deve estar chovendo.

Essa é uma regra chamada modus ponens, que significa “por afirmar”. Se afirmamos o antecedente, temos que afirmar o conseqüente. Então temos um método, que é a abstração, mas que usa uma regra do método, que, dada a recursividade do método sintético, podemos aplicar quantas vezes forem necessárias até chegarmos ao resultado "o homem é um animal racional". Com uma regra semelhante, mostraremos depois como São Tomás de Aquino mostra logicamente a existência de Deus.

Se o resultado chegado com o método for diferente daquele conseguido numa tentativa anterior, temos algumas possibilidades:

  1. O axioma não está bem formulado. Está incorreto, ou então se parte de um princípio que não é valido.
  2. A afirmação inicial está incorretamente construída, aí o método se torna inaplicável. Por exemplo a Matemática. Quando errávamos cálculos matemáticos, o erro comum era que copiávamos a sentença dada pelo professor no quadro erroneamente, formulando o problema incorretamente. A partir do problema dado, devíamos construir uma fórmula; se a fórmula aplicada ou construída fosse incorreta, haveria um problema no resultado.
  3. As regras foram aplicadas incorretamente é a aplicação incorreta dela, mas não é problema com a regra em si ou o método. Por exemplo aplicar uma regra quando ela não é possível, ou aplicá-la incorretamente, como quando trocávamos os sinais, o que era muito comum para o aluno de matemática durante a educação básica.

Se o método não pode ser aplicado, então há 2 possibilidades: ou o método não é próprio para aquele calculo, ou o método em si mesmo está construído incorretamente. Isso é mais difícil porque o método é o primeiro a ser estabelecido. Estabelecemos o método para calcular ou para estabelecer a teoria, então, o que pode ser é que não percebemos que aquele método não se aplica àquele modelo, ou, que, na verdade, aquela teoria precisa de mais de um método distinto. O método de abstração de Aristóteles, por exemplo. Dependendo da esfera da Filosofia, Aristóteles não usa somente ele, mas u a outros também; ele tem um arsenal, o mesmo para a ciência, portanto cuidado com essas possibilidades.

Mas dado que se conhece todo o sistema que foi montado, têm-se condições de identificar o problema.

Quando há uma dificuldade na aplicação do método, então há três possibilidades:

  1. Ele está incorretamente construído, o que é plausível, mas é uma probabilidade das menores;
  2. As regra não foram corretamente aplicadas;
  3. Aquele método sozinho não é suficiente para dar conta da explicação do objeto, ou da construção dele, no caso da filosofia sintética.

Se o método passa pelo crivo, então algum aspecto de suas informações e seus axiomas, ou dos dados que se têm possuem problemas; logo deve-se reconsiderar, mas no final das contas é assim que Aristóteles usa o método de abstração. O método de São Tomás de Aquino vai levar à prova da existência de Deus, como veremos depois. São provas magistrais; podemos até discordar delas, mas que são muito bem construídas logicamente.

Este é o método de abstração de Aristóteles. É bem simples até, e a ciência usa até hoje. Serve, por exemplo, para comparar animais. O mesmo para o Direito, em que se comparam fatos jurídicos, como crimes os crimes comuns aos cometidos pela internet. Não confunda o método com suas regras. Pode-se usar a analogia para determinar semelhanças e diferenças. No caso Cássia Eller se usou a analogia, mas não foi usado um modelo de abstração.

Dado que estabelecemos esse método de Aristóteles, já sabemos, então, como funciona o modelo sintético de Filosofia.

 

Hegel e Karl Marx

Marx também tem uma Filosofia do tipo sintético. O que lembramos da regra usada por ele? Ele usa o materialismo de tipo dialético, diferente do de Hegel, que é uma metafísica dialética. O conjunto da estrutura de Marx é uma estrutura científica, segundo ele. E, neste caso, antes de tudo ele é materialista e dialético, e esse método se aplica na História. O nome próprio é materialismo dialético. A condição da história para Marx é onde é aplicado o método, do mesmo modo que para Aristóteles os animais e vegetais são o mundo para o qual se aplica o método. Então veja: primeiramente, porque é dialético? Porque ele se baseia na regra de Hegel. Hegel cria uma regra contra Aristóteles. Vamos usar agora a regra de Alfred Tarsky (1901 – 1983): uma afirmação A e sua negação ~A não podem ser ambas verdade nem ambas falsas. Se A é verdadeiro, ~A tem que ser necessariamente falso, e vice-versa. Para Aristóteles, tais entes (A e ~A) são mutuamente exclusivos. Hegel se perguntou se a realidade do mundo se comportava como Aristóteles dizia, com a exclusão mútua do princípio. Na matemática isso pode ser visto rapidamente por meio da proposição: se a = 1, ~a = -1 necessariamente ¹. É a negação. Mas Hegel defende que não se têm tais exclusões absolutas como Aristóteles queria.

Tomemos o evento “gravidez”. Se admitirmos o evento como real, temos necessariamente um óvulo. O óvulo é uma realidade. E qual é a realidade oposta a óvulo? Aquilo que não é ovulo. Na fecundação, aquilo que não é óvulo é o espermatozóide. Se usarmos o modelo de Aristóteles, o que aconteceria na realidade? Um teria que excluir o outro. Mas o problema é que: é assim que acontece na realidade? De acordo com Hegel, não, pois não poderíamos ter a vida sem que ambos estejam presentes. A união de óvulo e não-óvulo é o zigoto. Em outras palavras, o que acontece segundo Hegel é que a afirmação e sua negação não geram uma exclusão, mas uma nova realidade. A pergunta é: o feto que está naquele útero é o óvulo somente? Não. É o espermatozóide somente? Também não. É a soma desses dois entes. Inclusive cromossomicamente: 23 + 23 = 46. Óvulo = mãe, espermatozóide = pai, então feto contém tudo aquilo que mãe é e tudo aquilo que pai é. Mas é além disso: é algo a mais do que os dois, é uma nova identidade.

Então, segundo Hegel, Aristóteles não consegue explicar isso. Para isso é necessária uma nova regra para explicar a realidade. Essa nova regra é chamada, por Hegel, de dialética. Dialética, em grego, quer dizer “através do discurso” (ou das afirmações). Essa regra só é possível porque a própria realidade, em sua natureza, também é dialética; seu modo de estabelecimento é dialético. Hegel quer dizer, então, que tudo funciona dialeticamente.

Assim, Hegel diria que o óvulo é afirmação, enquanto espermatozóide é negação. Mas notem que não é uma negação cabal do tipo aristotélica. O feto e uma nova realidade, uma conjunção que contem duas realidades anteriores. O feto será, então, uma negação da negação, mas não é de acordo com o princípio de não-contradição de Aristóteles.

Essa é a dialética hegeliana. Assim ele busca explicar toda a realidade social, política, natural, e tudo mais.

Os conceitos famosos de tese, antítese e síntese não são de Hegel. Quem dá esse nomes é o amigo de Marx, Friedrich Engels. Tais conceitos são marxistas, pois Marx, agora, discorda de Hegel. Hegel poderia aplicar seu método dialético para entender toda a realidade do Universo mas, ao mesmo tempo, tudo aquilo que está para além das condições da história humana. Para Hegel, isto não é uma mera parte de um processo completo. Esse processo começa com a primeira afirmação e a primeira negação, como “ser” e “não ser” (tudo o que é versus tudo que não é nada). Daí deriva o conceito de ente. Os entes são os que têm uma constituição mutável e que podem vir a desaparecer. Assim Hegel tenta explicar o Universo, o homem, a sociedade e o Estado. No fim, para Hegel, isso tudo é um processo para chegar a Deus. É o fim de tudo, a última negação da negação, depois d'Ele nada pode haver, pois Ele é a perfeição absoluta. Ele é tudo o que o ser é mais tudo aquilo que somos: a consciência, a inteligência, a razão, e assim por diante. Então, para Hegel, não passamos de um pequeno momento de toda a história de Deus. Quando Deus surgir, ele não será nós, mas conterá tudo que somos e tudo o que o Universo contém. Como o feto que contém tudo o que o óvulo e o espermatozóide têm, mas em último nível, absorvendo tudo. Dado que a história é dialética, num momento ela parará. Será o fim da História.

Marx defende que essa idéia perpetua a dominação burguesa, com a frase "a religião é o ópio do povo".  Diz então que a dialética funciona na história, e talvez na natureza, mas não na metafísica, como sustentava Hegel. O materialismo é criação de outro hegeliano, Ludwig Andreas Feuerbach (1804 – 1872). Ele explica a religião materialmente. Leva o modelo de Hegel contra o próprio Hegel. A obra dele é A Essência do Cristianismo. Nessa obra ele demonstra que Deus não é nada mais que a razão sublimada. Sinteticamente: existe o mundo, e existe o homem (leia-se a razão). Este depara com o mundo. O mundo é por demais vasto, e o homem se vê limitado, pois não consegue absorver tudo que existe. Então há uma primeira cisão: dado que o homem não consegue dar conta do Universo e do mundo e não compreende que ele pode explicar o mundo, a primeira cisão é que a razão cria uma razão humana, imperfeita, e noutro lado uma razão perfeita: Deus. Esta é criada para explicar o que o mundo é. Assim se cria a religião.

Isso é chamado materialismo, porque Deus seria o próprio resultado de nossa razão. Assim, Marx toma esse método e elimina toda a metafísica de Hegel, tratando o problema como econômico.

Hegel pega a lei de Lavoisier e adapta-a:

Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Note uma diferença nos métodos. Para Marx, então, funciona assim: tudo é uma questão dialética material na história. A díade que movimenta as coisas é uma díade econômica. A primeira manifestação é a de senhor x escravo. O senhor é a tese, o escravo é sua antítese. O modelo grego se baseava na dominação de senhores sobre escravos. Então Marx olha a história. Qual é o próximo poderio que se opõe à Grécia? Roma. Mas a primeira Roma, monárquica, era pragmática, militar basicamente. A Grécia era a Grécia educada, culta, helenística, do grande Alexandre. Roma queria conquistas. Enquanto Alexandre queria levar a cultura grega para os povos conquistados, os romanos só buscavam anexar os territórios conquistados. Roma, portanto, se opõe à Grécia: aquela conquista esta. Mas fica apenas por isso? Não, a nova Roma absorve toda a cultura grega, a começar pelas vestimentas e edificações. Nasce a república Romana a partir da crítica que se faz ao poder do rei. Então podemos colocar a Grécia como tese, Roma antiga (do período monárquico) como antítese, e a república Romana como síntese. Passando o tempo qual seria a antítese dessa Roma republicana?

Depois de seus feitos, os senadores entendem que Caio Otávio deveria receber o título de imperium (aquele que conquista). Daí surgiu o título de imperador. Ele passa a se chamar de Cæsar Augusto. A antítese à República Romana é, portanto, a figura do imperador. A síntese, portanto, será o Império Romano, que surge com a primeira dinastia iniciada por Otávio Augusto (dinastia júlio-claudiana).

Continuando o raciocínio, o que se opõe ao império romano? O Cristianismo. Pondo o império e o Cristianismo em lados opostos, aquele como tese, este como antítese, unindo a estrutura do Estado Romano com a estrutura do Cristianismo: surge, como síntese, o Império Romano Cristão. E com quem convivem os cristãos de Roma? Com quem havia disputas territoriais? Com os povos germânicos. Da junção dos dois sairão reinos, novos Estados, um contribuindo com o Direito Romano e o outro com o Direito Germânico. Daqui surge a idéia de que, já que há uma única religião, deveria haver um único imperador. O resultado disso é o Sacro Império Romano-Germânico.


  1. Nunca aprendi dessa forma. Até onde eu sabia, se a = 1, ~a = todo número que pertence ao universo dos números reais tal que a ≠ 1. Mas posso estar errado.