Filosofia

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sofística - conclusão



Na aula passada terminamos falando da parte de sofística. O problema fundamental do homem não está relacionado com a physis; dizem eles que podemos construir qualquer grande teoria mas essa teoria só será explicativa, e não terá força além da explicação. O que é importante para o sofista, no fim das contas, é que é possível criar uma bela teoria sobre o Universo mas jamais conseguiremos interferir na Natureza. É a noção de physis. Não conseguimos mover as leis da evolução, da gravidade, do movimento... quando se passam 10 anos para a ciência, que é até um grande período de tempo para o desenvolvimento, o homem ainda acabará morrendo. Pode-se, quando muito, conhecer como furacões se desenvolvem. E, a partir disso, o que fazer? Fugir e mais nada. O homem pode saber, e hoje se sabe que existe um supervulcão na região de Yellowstone, EUA. Facilmente, a cratera tem uma área equivalente a 6 estados americanos. É gigantesco. Se entrar em erupção, todos os seres vivos que forem maiores que o rato morrem. Ele entrou em erupção há 50 milhões de anos. E já se descobriu o período de atividade, que é de 50 milhões de anos! Portanto, a qualquer momento...

Então a physis é tudo aquilo que o homem não pode controlar. Mas, como vimos na aula passada, o homem pode intervir no sentido de alterar, ainda que levemente, o efeito estufa na Terra. Mas a intervenção humana é sempre incidental, localizada na própria condição na qual ele vive. O painel climatológico da ONU afirma que, por mais que ele controle a emissão de carbono, o efeito continuará. O homem, portanto, pode até alterar as condições para ele na Terra, e por tabela outros animais. Mas enquanto isso, a Natureza continuará se manifestando. Com a tecnologia, o homem até acelera sua morte, como na hipótese de um avião carregar passageiros contaminados com um vírus altamente contagioso para outro continente, infectando dezenas de milhares de pessoas em poucos dias ou horas. Coisa que, se não existisse avião, demoraria centenas de anos para acontecer. A Natureza continuará se mantendo, e o homo sapiens moderno só tem 100 mil anos na face da Terra, ou seja, pouquíssima experiência de vida. Neste caso então, é o que vimos: o sofista coloca toda a impulsão do modelo de pensamento na esfera que o homem pode controlar, que é o nómos: produtos da própria constituição que o homem faz. A ciência política, a ciência jurídica, as ciências sociais, etc. É nesse conjunto onde o homem pode encontrar a tranqüilidade da alma, a felicidade.

Aqui mora o ponto interessante. Digamos que tenho uma casa. Qual a preocupação? Cuidar dela contra a degradação. A Natureza, há de desagregar aquela casa. Temos, portanto a casa e os habitantes dela. Eles não podem mudar o que são em termos biológicos. O que interessa então é a harmonia dessas pessoas dentro da casa, que é exatamente a polis, a cidade, ou as relações na comunidade política. Resolver esses atritos é exatamente o que mais interessa ao homem. Por mais que se cuide muito bem da casa, um dia ela cairá. O que interessa para o sofista é resolver as relações sociais. Para eles, portanto, o Direito é mais importante que a Física. E posso, inclusive, criar uma bela teoria do Direito, mas ela ainda só explicará o ordenamento, ou a de Hobbes, que explica porque há a comunidade política. Mas o que interessa? É como resolvemos nossas diferenças morais, sociais, jurídicas, políticas.

O sofista perguntaria: “o que vocês estão fazendo nesta sala de aula?” Para o sofista, é mera perda de tempo. Para sermos excelentes advogados, precisamos ter conhecimento de teoria do Direito? Com certa dose de boa-vontade, pode-se dizer que não. O que tem que ser conhecido? As leis, as pessoas e como convencê-las. É um lado que qualquer bom político, juiz ou jurista tem que ter. O que o advogado tem que conhecer? As leis. Vejam os rábulas. Eles eram equivalentes a técnicos. A teoria, para o sofista, é meramente instrumental. Então cuidado: ele não descarta ou desconsidera a teoria, ele até a usa, não como fundamental e tudo, mas como instrumento da própria arte do convencimento.

Como então, para os sofistas, já que eles eram os melhores advogados de todos os tempos, nós deveríamos ter um curso de Direito? Como seria esse curso? Se tudo isso seria completamente desnecessário, o que importa é ter o domínio das leis, da retórica e da oratória. Retórica é o conhecimento da gramática, com organização das idéias dentro da gramática, e a oratória é a arte de bem falar. Na esfera da política também. Qual seria, então, a melhor forma de educar um advogado para o sofista? Colocá-lo para seguir um advogado mais experiente, para ver como ele discursa, como ele aplica a retórica, como ele compreende determinado aspecto da lei, como ele usa, e, é claro, também ensinando o conhecimento da lei. Para que criar uma teoria, então?

Voltando à questão do efeito estufa, temos o painel de climatologia da ONU que mostra que, daqui a 100 anos, se o homem não intervier, o Rio de Janeiro virará água, bem como ova York. A questão é: mas por que, apesar do o painel elaborado por grandes cientistas, que contêm as informações do desastre que há por vir, as nações não tomam decisões? É por causa da controvérsia levantada por outros cientistas. Podemos ter uma teoria tão válida contraditória à teoria "majoritária". No ponto geral, estamos numa fase interglacial, é o que a minoria diz. O que acontecerá é, na verdade, uma diminuição de temperatura. O interessante, afinal, é que os governos usam, como ponto de apoio para as políticas que pretendem levar a cabo, as teorias contraditórias. Para diminuir a emissão de carbono, o que tem que ser diminuída? A produção. Daí a economia é abalada. É disso que os governos dos emergentes reclamam dos desenvolvidos: hoje eles precisam emitir carbono para se desenvolver, e, por que, então, que agora eles teriam que parar já que o país desenvolvido já emitiu tudo que tinha que emitir para alçarem-se à condição de primeiro mundo? Alegam os países emergentes que isso seria a perpetuação da linha divisória entre os países ricos e pobres. Em outras palavras, a questão é de retórica e convencimento. Daí deve-se chegar a um acordo entre o retor e sua audiência. Para o sofista, portanto, a questão é sempre de convencimento, não de ciência. Se assim não fosse, perderíamos, para o sofista, o que é fundamental: podemos cuidar da casa, mas, se temos uma família desorganizada, não tem como cuidar da casa. O que interessa ao homem não é a physis, mas o nómos.

Disso não segue que o sofista defende que não se deve investir em políticas para enfrentar o problema. O que se tem que entender é que o que realmente importa é: como a sociedade e as nações no sentido moderno do termo entrarão em concordância para a solução dessas questões. Isso é importante. Até esse acordo ser feito, a Natureza continuará ditando as regras. O sofista sabe que nem todos têm condições de dominar a Lógica e a Matemática. Mas se todos dominarem a Lógica e a Retórica, aí sim haverá paz. 

Hípias afirma: a Natureza fez todos iguais, e os homens fazem os homens diferentes, usando a Retórica. Não é que ela, segundo os sofistas, não pode ser utilizada para gerar efeitos maléficos. Daí segue que a ciência também pode também ser contaminada. Para eles, a ciência não é tão neutra assim. Veja o Homem de Piltdown: Em 1902, um grande paleo-antropólogo da época, chamado Charles Dawson, apresentou à comunidade científica um crânio reconstituído que seria de um ancestral do homem, e batizou de “Homem de Piltdown”. Esse animal tinha umas características do homo sapiens moderno e outras de outros primatas. A Real Academia de Ciências da Inglaterra, cujo patrono é Isaac Newton, passou a pregar: “isso explica porque os ingleses são os mais avançados.” Diziam eles que foi lá que a humanidade nasceu, já que lá que foi encontrado um ancestral próximo do homem. Depois, foi demonstrado que o cientista pegou pedaços de chimpanzé, corvo e outros animais e montou uma obra de arte, completamente falsa. O que podemos tirar disso? É que ele convenceu aqueles que queriam ser convencidos! E pior, isso foi usado como força do discurso colonialista e segregacionista vigente na época. Daí vemos um exemplo concreto do que Hípias dizia, que os homens fazem os homens diferentes a partir do próprio discurso. Ninguém pediu, curiosamente, a fundamentação do paleo-antropólogo para acreditar que aquilo era um crânio de ancestral de homo sapiens moderno. O cientista, que deveria questionar, calou a boca de acordo com a conveniência.

Górgias diz: “ao disputar com os deuses, você perderá.” Eles são mais fortes, ou mais sábios, ou mais violentos. Vejam um exemplo do Cristianismo. Ou se aceita Deus, ou vai-se para o inferno. Quando Ulisses, na Odisséia de Homero, no fim da jornada, quando da queda de Tróia, se coloca de frente ao Mar Egeu e aponta para a água, dizendo: “vocês deuses não conquistaram Tróia. Nós quem conquistamos!”, imediatamente vem uma resposta de Poseidon, deus do mar: “então, você não chegará à sua terra natal.” Mesmo que Ulisses tivesse apoio de Atena, deusa que vivia brigada com Poseidon, Ulisses só chega ao destino quando Homero o força a se prostrar diante de Poseidon e reconhecer sua grandeza.

A retórica pode ser usada para o mal e para a intranqüilidade. Mas é exatamente nessa esfera que floresce o poder de oposição: o que tem a melhor oratória consegue vencer. Na lógica, o discurso se impõe por si mesmo. “Todo homem é mortal, Sócrates é homem, Sócrates é mortal.” Esta frase tem sentido por si própria.

O Sofista discordaria de Joaquim Roriz, que, sendo culto, utilizava-se de discursos com crassos e propositais erros de português porque o povo não quer um igual a ele no comando. Não deve haver domínio do retor sobre a assistência ou assembléia. Ela só aceita o discurso daquele que ela julga que está em condições de convencer. Então, na verdade, o sofista nunca concordaria porque Roriz fazia papel de “um do povo”.

Cícero: “aquele que consegue falar para o povo consegue falar para os reis.”

O sofista diria ainda mais: quantos dominam a lógica? Nem todos. Então ela pode ser um discurso de domínio porque poucos estão qualificados para dizer que eles estão certos ou errados. E quantos dominam a teoria? Poucos, portanto, quem tem condições de confrontar a autoridade? Se a Retórica é usada para ganho próprio, então ela terá a mesma condição de domínio da teoria: ninguém pode confrontar a não ser a autoridade. É o que o sofista diz: a retórica está na mão de todos, enquanto a teoria está na mão de poucos.

Qual a diferença entre a lógica teórica e a retórica? Eu digo: a caneta é azul. O enunciado e verdadeiro? Sim, mas por quê? Porque estamos percebendo pelos sentidos. A noção de verdade lógica é uma adequação entre o pensamento e o objeto pensado. Posso dizer que é verdadeiro porque o pensamento se adéqua ao que se vê. A verdade retórica é a adequação entre o que se diz e sobre o que é dito. Está na condição da veracidade: o que se diz, com quem diz.

Sofista discorda do cético no sentido de concordar com a necessidade da existência de um Supremo Tribunal Federal. Por quê? Porque, apesar de suas decisões serem absolutamente terminativas, e por isso o cético cairia em cima questionando a legitimidade da instituição do Supremo, o sofista concordaria porque uma decisão terminativa traz, no final, a paz, que é o que se busca com o discurso de convencimento. Sem pacificação das lides, nunca haverá paz.

Protágoras tem um termo bem interessante: anthrôpon métron, que é: “o homem como a medida de todas as coisas”: as que são o que são, e as que não são o que não são. Na esfera da Natureza? Não. Na esfera do nómos, da polis. Este é o cenário para a o discurso.

Observação: mesmo que a lógica não seja dominada por muitos, não significa que ela não é usada pelo retor, ele a usa como instrumento.