Antes de iniciar o estudo da Filosofia Analítica, vamos fazer uma rápida ressalva à Filosofia Sintética: qual é mesmo a posição de Marx? Que chegamos a um conhecimento de tipo absoluto que é o Estado proletário. No final das contas, para Marx, qual é a forma inquestionável de modelo de status na comunidade em que chegaremos a um ponto de não haver mais história? Com o Estado comunista. Para Marx, ainda haverá a história particular de cada indivíduo, mas terá acabado a história no sentido político. É o que ele chama de "fim da história". A dialética pára. É por isso que Marx pode ser colocado como filósofo sintético porque o conhecimento é inquestionável. Para ele, o capitalismo iria acabar e o comunismo iria entrar em seu lugar.
Nesse caso, se formos pensar agora na Filosofia Analítica, só devemos inverter a ordem dos conceitos da Filosofia Sintética. Com relação ao objeto fundado na condição do método, lembrem-se que na Filosofia Sintética o objeto é um constructo do método. O método dialético de Marx constrói toda a história do homem, para então chegar à condição de status comunista. Analogamente, Aristóteles, com a constituição da resposta para a pergunta "o que é o homem" (um animal racional).
Para os analíticos, o objeto é um dado, não um constructo. Em outras palavras, o objeto já se pressupõe ao filósofo. Nesse sentido, Filosofia e ciência não se distinguem. Para o filósofo analítico, a sociedade é um objeto tanto quanto para sociólogo, mas para nenhum dos dois a sociedade é construída, mas já dada. A diferença é que o filósofo pode pensar idealmente sobre a sociedade. Essa é a diferença entre o filósofo e o sociólogo: o objeto do filósofo é ideal; ele não precisa pensar numa sociedade que exista. Aristóteles chegou à conclusão de que o homem é um animal racional usando os entes já conhecidos, e então fazendo comparações. Então, para o Filósofo Analítico, a Filosofia não constrói seu objeto. O objeto é tão dado quanto para qualquer teoria ou ciência. Nesse caso, estabelecido que o objeto é um dado e não um constructo, então a Filosofia nunca chegará à totalidade de seu objeto, assim como não chegará a ciência. O objeto será sempre algo a mais que o filósofo pode explicar.
Exemplo: hoje discutimos aspectos sobre as relações entre homens e o Estado que Aristóteles jamais discutiu, pelo simples fato de tais coisas sequer terem existido naquela época. Um exemplo interessante seria: no modelo grego, não existe indivíduo político. O cidadão é uma parte do organismo que é a cidade. Então, não se concebe um indivíduo no sentido político do termo. O cidadão seria parte da cidade, da polis, como uma organela de uma célula. É claro que existe o indivíduo-cidadão ontológico, e nós somos entidades. Mas, como diz Aristóteles, se arrancarmos o coração do corpo humano, ambos continuam existindo, mas o coração perderá sua função. Assim, para Platão, Aristóteles, Cícero e São Tomás de Aquino, não existe o homem como um cidadão político. Por isso dizemos que o cidadão é livre no sentido moral da liberdade: o cidadão livre é aquele que é livre de condições econômicas que lhe impeçam de estudar, discutir na praça pública sobre as leis, refletir e assim por diante. Um agricultor, por exemplo, não seria um homem, pois ele tem que sobreviver: se deixar o campo, a terra morre e ele ficará com fome. Portanto ele não é livre. Por isso ele também não tem como estudar e analisar as condições da razão para dominar as paixões, daí entendemos o pensamento de Aristóteles para que o agricultor não seja livre moralmente. Nesse caso, então, a liberdade será moral, não física. Podemos entender a liberdade moral como a liberdade da razão sobre as paixões.
Dessa forma concluímos que nos modelos grego, medieval e romano, não existe a noção de indivíduo político. Essa noção é moderna.
Só é possível existirem os modelos modernos de Hobbes e Rousseau, segundo os filósofos analíticos, exatamente quando surgir o indivíduo político.
A diferença entre Rousseau e Montesquieu é que aquele tem uma concepção totalmente distinta do povo, enquanto este não concebe essa idéia. A nação não é o Estado, mas é dessa concepção que sairá a noção de Estado: povo, território e ordenamento.
Antes das confluências da França na época de Rousseau, os teóricos não concebiam a noção de Estado como concebemos hoje. Logo, hoje em dia discutimos muito a questão da justiça social. Isso porque determinados direitos estão avançando e exigindo de filósofos e juristas que pensem em determinados assuntos das sociedades contemporâneas, pois a noção clássica de Aristóteles de justiça é totalmente diferente. Então veja: Esses, que são filósofos analíticos, do mesmo modo que a ciência não consegue dominar totalmente seu objeto, a Filosofia também não o fará. Então a Filosofia vai estudando, avaliando, acrescentando e melhorando seu conhecimento. Daí vem que, nesse sentido, objeto da Filosofia é tão parcial quanto o da ciência. É claro que a Filosofia pode criar métodos que vão avançando nesse conhecimento, mas de qualquer modo, ainda assim não chegamos à totalidade do objeto como Aristóteles queria. Ele sempre terá algo a mais para investigarmos.
A diferença aqui é que a Filosofia é distinta da ciência por seu objeto. Com relação ao método, Filosofia Analítica e ciência quase não se distinguirão, como queriam os filósofos sintéticos. O objeto, sendo dado, nunca será construído. A Filosofia se incumbirá de explicá-lo apenas. Em ciência conseguimos reputar um objeto. Em Filosofia podemos fazer isso? Não, pois a Filosofia não é um modelo empírico de conhecimento. Logo ela não tem como ser reputada. Como se reputa uma teoria científica então, se o objeto da Física, da Astronomia, da Medicina etc, apresentam aspectos que não estavam previstos na teoria? Quando novas coisas são observadas, aquele modelo é reformado ou refutado na inteireza. Na Filosofia isso não ocorre porque ela não é contrafactual, o que inclusive é uma das diferenças ela em relação à ciência. Apesar de a Filosofia não dar caso conta totalmente de seu objeto, para os analíticos o objeto da Filosofia ainda assim é um dado ideal. Um modelo da Filosofia não será refutado apenas pelo fato de não abranger todo um objeto, ou de não dar conta completamente dele.
Os filósofos podem reformar seus modelos. Inclusive há filósofos que discordaram de seu próprio pensamento. Ludwig Wittgenstein (1889 - 1953) criou uma obra de Filosofia da Linguagem chamada Tratados, que vamos estudar depois. Nos anos seguintes, o próprio Wittgenstein começou a pensar sobre o assunto que havia escrito. Chegou então à conclusão de que ele estava errado. Numa obra posterior, em que criticava sua primeira, ele fez questão de nem se referir a si mesmo, mas "ao autor daquela obra". Agora veja: as duas obras hoje ainda têm validade? Sim, porque são filosóficas, mesmo que ele tenha discordado de antes. Diferentemente da ciência de Newton, porque hoje vale a de Einstein, assim como passou a valer a de Newton em detrimento da Física de Aristóteles.
Veja no History Channel um documentário que sempre repete: "Einstein". Mostra como sua teoria se sobrepôs à de Newton.
Com relação ao método:
O método na Filosofia Sintética é um constructo. Na Filosofia Analítica ele também é. Cuidado com a confusão então: na Sintética, tanto o método quanto o objeto são constructos, enquanto aqui na Analítica apenas o método é. Mas qual é a diferença fundamental entre o método para filósofo analítico e para o sintético? Na Sintética, o método também construía o objeto; na analítica, ele só responde por explicar o objeto, mas não construindo-o.
Finalmente, o aspecto do conhecimento: quais os limites do conhecimento que a Filosofia consegue estabelecer segundo os filósofos analíticos? Qual é esse tipo de conhecimento que o método explicando um objeto é capaz de estabelecer? O conhecimento para o filósofo sintético é absoluto. Em outras palavras, é um conhecimento irrestrito, inquestionável, estabelecido de uma vez por todas. Quando Aristóteles chegou à conclusão de que o homem é um animal racional, há, dentro do modelo dele, alguma discussão sobre isso? Não. Podemos até discordar do modelo dele, mas estaríamos criando outro modelo.
Assim, neste caso, para Marx, quando chegamos ao conhecimento do modelo político que é o Estado comunista, esse conhecimento também é ilimitado. Para Karl Marx, necessariamente ele aceitava e defendia a tese de que o capitalismo seria derrotado e que o comunismo seria implantado. Dizia ele que a Inglaterra chegaria ao ápice do capitalismo de tal forma que se oporia o proletário ao burguês, haveria a revolução proletária, implantaria-se o Estado proletário, e esse processo terminaria por ter o comunismo implantado. Isso é inexorável para Marx.
Marx diz: se você conhece as regras de funcionamento da sociedade, como por exemplo as revoluções, e se você conhece de antemão todos os eventos, você pode prever uma revolução. Do mesmo modo que um físico pode prever quando acontecerá um eclipse, acredita ele.
Então o conhecimento para o filósofo analítico não é um conhecimento absoluto, mas relativo. Relativo ao seu objeto. Não podem eles chegar a uma conclusão como "o fim da história", como Marx chegou. O conhecimento para o analítico é relativo à sua esfera. Hoje temos determinados estudos em Filosofia que não tinhamos à época de Aristóteles ou Hobbes, porque o objeto sempre termina por se alterar.
O modelo de Aristóteles ainda é discutido e considerado hoje porque não é ciência. O fato de haver outras teorias não o invalida. Mas ninguém, como já dito, segue mais a Física de Aristóteles, porque essa era ciência natural mesmo, não Filosofia.
Decorrente dessa condição de relatividade, veja: é claro que no modelo sintético as disciplinas são conhecimentos humanos. Dado que a Filosofia é a única que tem condições de tomar seu objeto na totalidade, seria ela o conhecimento divino, o que Deus teria. É um conhecimento humano mas que tem todas as condições do conhecimento divino.
Aristóteles dizia que inevitavelmente o homem criaria uma sociedade política. Assim, ele pode conceber qual é a melhor forma de comunidade política, e então chegar à conclusão de que esta é a comunidade política perfeita.
Os analíticos, por sua vez, são mais humildes do que os sintéticos. Os analíticos dirão: "calma aí, eu tenho um modelo, e claro que admito que este meu modelo é básico, mas ele pode ser sempre reavaliado e reconstruído."
O conhecimento é humano mesmo, produzido por homens e é humano em seus limites. A diferença, então, da Filosofia para a ciência com relação ao método está no objeto apeanas. Para o filósofo sintético, não está só no objeto mas também no método.
Estabelecidos esses limites, temos um
exemplo de Filosofia
Analítica por excelência. Um deles é o método cartesiano, de René
Descartes.
Olhem só: para entendermos bem o método cartesiano, vamos entender por que Descartes promoveu o método. Para entendermos o motivo do método, que é o método por excelência da ciência moderna, devemos entender primeiramente quanto a que ele está discutindo o método. Vejamos: quem é realmente a ponta de proa das discussões, tanto quanto em Marx, quanto em Hegel, quanto em Descartes é Aristóteles. Ele tinha uma proposta. Ele admitia a Filosofia como sintética, mas ele entendia que havia conhecimentos de tipos distintos. A Filosofia seria o conhecimento divino, mas haveria outros. O conhecimento das ciências naturais, o conhecimento sobre a esfera humana, já que existe a teoria política ou a ciência política, ou a Filosofia da moral, a ética. Ele então propõe que cada forma de conhecimento exige um método diferente, mesmo que a base seja a mesma. O método em ciências na Física não é o mesmo método da Matemática, que não é o mesmo método da Filosofia Política. Por quê? Porque seus objetos são diferentes e a condição de pergunta-e-resposta também é diferente. É claro que o método constrói o objeto para Aristóteles, que é sintético, mas de qualquer forma o método é distinto. Exemplo: veja a área de Natureza. Todo homem é mortal, Socrates é homem, então Socrates é mortal. Há alguma discussão sobre isso? Não, este é um conhecimento absoluto, perfeito. Do mesmo modo que a Física, dado que a caneta de quadro é composta em sua maior parte de elemento terra, necessariamente ela vai cair, e quanto a isso não tem discussão. Na Astronomia Aristotélica: dado que estamos no centro do sistema, a Lua sempre girará em torno da Terra, e isso nunca mudará.
Na área da ciência natural, e até na metafísica, que é a Filosofia divina, o método sempre vai usar uma regra chamada de dedutiva: dadas as premissas, a conclusão é o que se segue invariavelmente. Lembrem-se dos elementos: Sócrates, animal, mortal. Dado que todo homem é animal político, ele criará uma polis. Do mesmo modo que a caneta vai cair se for solta, o homem constituirá uma comunidade política. Agora veja: dado que o homem é justo por natureza, ou que sua natureza contém a virtude da justiça, segue necessariamente que o homem criará uma comunidade política justa? Não. Por quê? Para responder, veja: o que faz a diferença entre nossas ações e a queda da caneta? Qual a diferença entre "pularmos e retornarmos ao chão" e a criação da polis justa?
Vamos admitir a racionalidade. A razão não diz o que tem que ser? Nos comportamos corretamente? Então, o que é "dolo eventual"? É quando assumimos o risco de produzir um resultado. Mas a pergunta é: por que assume-se o risco? Se fosse só pela razão, o dolo eventual não existiria. Nós podemos estar dirigindo a uma velocidade extrema. Se fosse apenas pela razão, inexoravelmente diminuiríamos a velocidade. A razão diz o que é justo ou injusto, correto ou incorreto. Mas pisamos no acelerador ainda assim; é a razão que está nos mandando fazê-lo? Não, é uma outra componente. Isso também define a condição da culpa. Por que alguns homicídios são chamados de culposos? Se não houve a intenção, logo não se teve também a vontade. No dolo eventual, a razão está mandando, mas ao mesmo tempo a vontade está dizendo que tal prática é gostosa e emocionante. Nós, na esfera da Natureza, vamos envelhecer e morrer. Na esfera da Política, a vontade entra em jogo necessariamente! Daí vem o ponto importante, senão o dolo eventual não explicaria dada. Então, nesse sentido, Aristóteles diz: dado que o homem é um animal político e justo por natureza, não segue necessariamente que o homem criará uma polis justa, pois isso vai depender da vontade do governante. E, para se ter um governante justo, deve-se educá-lo. A natureza do homem é justa mas suas ações têm que se conformar com essa natureza. E essa conformação é fazer a vontade e seguir a razão. Se a razão determina que deve-se governar para o bem de todos, então a razão também deve dizer ao governante que nunca se deve criar uma lei que beneficie somente alguns. Isso vai contra a razão, logo é injusto. Nesse momento então temos uma regra diferente para a esfera política, que é chamada de indução, ou regra de probabilidade, então o método é diferente da ciência natural ou da metafísica, que usa a regra dedutiva. Mas Aristóteles vai mais longe, além da esfera da lógica. Tudo ficará, portanto, na mera probabilidade.
Agora pensemos noutra situação: o Tribunal do Júri. Aqui não é mais a questão da lógica que imperará, mas da retórica, que é o convencerá. Enquanto a Filosofia da lógica quer conhecer a verdade, a retórica permite o convencimento. Cada uma das grandes áreas do conhecimento exigirá um método diferente.
Descartes não concorda com isso. Para ele, se se tem múltiplas formas de método, segue que não se tem a unidade do conhecimento. Para tê-la, ou seja, para se admitir que o Direito, a esfera da moral, da Política, da Matemática, da Física, componham uma unidade básica, não poderíamos ter formas de métodos distintos. Deveria haver apenas um método. Então Descartes se propõe a criar um único método para explicar todos os objetos que existem. Desta investigação é que surge o famoso método cartesiano.
Se esse método vale para qualquer ramo do conhecimento, ele pode ser parcial ou relativo? Não, ele tem que ser universal, e não pode ter restrições. Ele valerá para conhecimentos como a Física, a Matemática, a Filosofia, o Direito... Então não pode haver restrições. O método deve ser universal. Mas a segunda questão é: podemos ter dúvida nesse método?
O método é extremamente rigoroso. Não há lugar na aplicação do método para discussões. No momento em que se chega à condição de estabelecer resultados, não pode haver dúvida. E qual é a disciplina referida por Descartes que tem essas características? Totalmente rigorosa, totalmente universal? A Matemática!
Daí deriva a Matemática: os cálculos universais. Se o cálculo estiver errado, quem errou? O calculista. Nesse sentido, a inspiração do método é a Matemática. Máthesis universalis. Aí vem uma última pergunta: esse método cartesiano será, portanto, a base para se construir qualquer Matemática, qualquer Física, qualquer Biologia, então ele é mais complexo do que essas próprias ciências? Não! Pelo contrário, ele deverá ser mais simples. Enquanto a Matemática tem inúmeras regras, este método deve ser muito mais simples do que o da própria Matemática. Por isso só há quatro grandes regras postas na obra Discurso sobre o Método, de Descartes.
O próprio Descartes afirma que este método tem uma característica importante: a de estabelecer a distinção, em absoluto, do que é verdadeiro daquilo que é falso. Isto vale para qualquer conhecimento teórico. Não somente isso, mas o método também tem a característica de chegar à conclusão, de base analítica, de que este conhecimento da ciência sempre poderá ser ampliado. O método de Aristóteles não permite isso. Ao chegar a uma conclusão, acabou. Em Descartes, o método permite a explicação do objeto. O objeto será sempre expansível e a teoria abarcará sempre algo mais dele.
Logo, nesse sentido, a regra da evidência é a primeira: jamais aceitar nenhuma afirmação, conceito, dedução ou conclusão que não seja evidente por si mesma. Se surgir dúvida, então já não se trata de uma idéia clara. Daí dois conceitos fundamentais: clareza e distinção. O que vem a ser clareza, aqui? É a condição ou a propriedade de uma hipótese, de uma solução, de um conceito, de uma noção de indubitabilidade: não ter dúvida alguma. Não segue que essa indubitabilidade é irrevogável. Mas, naquele momento em que a conclusão é chegada, aquela explicação é considerada perfeitamente clara. Para Marx, ao chegar à se chegar clareza do modelo comunista, acabou a história. A clareza então se opõe ao conceito de opacidade.
Distinção: é a segunda condição. A idéia quem exame é distinta de todas as outras noções, teoremas e conclusões. Tais elementos são totalmente distintos e pode ser concebidos por si mesmos independentemente das demais noções. Oposta à idéia de distinção está a de confusão. Um conceito confuso é aquele que não conseguimos contrapor aos outros, separar deles. Sem distinção, não há idéia clara, portanto não temos evidência.
Não é exatamente isso que o médico faz? Ele não estuda nossos problemas de saúde até ter uma idéia clara, em seguida dar uma solução? Ainda assim ele pode continuar: amanhã, o médico poderá notar que o problema é, na verdade, ainda maior do que se pensava. Quando um perito busca evidências, ele busca clareza e distinção. Quem foi o agente da morte, a causa da morte, e, enquanto ele não encontra esse aspecto, o perito não pode apresentar um relatório aceitável. Quando ele apresenta um relatorio desse tipo, ele fala em probabilidade, pois ainda assim ele não pode dizer com 100% de certeza a resposta para os problemas. É por isso que Descartes denomina essa idéia de naturae simplicis. = Natureza simples. O que é? Tudo que não tem composição, que não tem partes. Em determinada época da Química, se julgava que o átomo era uma natureza simples (indivisível); depois se descobriu que ele tinha 3 partes, e hoje já se sabe sobre pelo menos 57. A idéia de átomo foi se alterando. Os físicos já têm mais distinção e clareza sobre as partes do átomo. Os conceitos devem, portanto, ser tão simples quanto possível. Neste caso, essas naturezas simples têm, por causa desse caráter de distinção, a característica de serem intuitivas. O que vem a ser intuitividade? Não é aquilo que as mulheres têm; se algo é intuitivo, então não se raciocina para dar uma resposta em relação àquilo: dar uma impressão imediata e completa de um objeto. Precisamos construir um raciocínio para dizer que 2+2 = 4? Opa, isso é um cálculo, mesmo que tenha ficado automático para nós. Mas o simples "2" é intuitivo. Então há dois tipos de intuição: a sensível/sensual/empírica, que é essa que se dá através dos sentidos, e a intelectual, da qual só participa a própria razão. Os números são de intuição intelectual, enquanto as cores são de intuição empírica. A pergunta interessante é: dado que, para Descartes, as idéias, claras e distintas, são evidentes e de natureza simples, e estão na esfera da força do método matemático, pode existir intuição empírica para Descartes? Não! Porque sempre haverá duvida. Para os empiristas sim, mas Descartes, sendo racionalista, diz que todo pensamento é construído racionalmente. ¹
No método cartesiano, portanto, a intuitividade é toda intelectual. Por isso, no campo cartesiano, falar em “intuitividade intelectual” é um pleonasmo.
As idéias mais básicas, simples e distintas podem ser construídas por nós? Não tem como. Podem ser conhecidas e ensinadas, mas na verdade não são construídas; elas são inatas. Algumas idéias que temos são de nossa estrutura de pensamento. Não podemos fugir delas. Elas não são resultado da educação, elas já estão lá. Só podemos reconhecê-las. Não são construídas em nosso pensamento, elas são exatamente a base de nosso conhecimento. As idéias mais fundamentais, portanto, são inatas. Aristóteles é um “teórico da tabula rasa”: todo o conhecimento é construído. Platão e Descartes dizem que há alguns elementos que são da nossa natureza intelectual sobre os quais elaboramos nosso conhecimento.
E
aí terminamos: qual é a condição que qualquer corpo matemático
tem que ter? Matéria? Não. Uma pirâmide concebida (imaginada) não
precisa ter
matéria para existir em nosso pensamento. Então, o que é necessário indispensavelmente? A
forma?
Sem forma, não conseguimos nem conceber. A forma não diferencia o
quadro da pirâmide
desenhada nele. Mas a simples forma, como todos os corpos têm, não
distinguiria. O que
só os corpos têm? Volume. Se for
plano, não tem volume. E o volume é dado pelas três grandes dimensões do sistema cartesiano:
altura,
largura e comprimento.