Filosofia

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Crítica dos Empiristas



Na aula passada nós vimos a extrapolação de São Tomás de Aquino. Vamos hoje ver a tese empirista. Eles firmam pelo minimalismo. E, na esfera da metafísica, podemos chamar de minimalismo ontológico. Para entendermos o empirismo, precisamos fazer uma crítica ao modelo anterior. Vejamos este enunciado:

O gato é preto.

Este enunciado pode representar um enunciado mais complexo, como “o gato que entrou às 7 da manhã nesta sala tem cor preta...”, mas isso significa o que? O animal que está aqui é gato e tem cor preta. Isso porque, se entrarmos na semântica, “o gato é preto” e “o gato neste instante é preto” são enunciados diferentes.

Vamos, então, começar uma análise da linguagem. Uma boa análise deste tipo aqui está na obra de Bertrand Russell, que é base de nossas aulas sobre empirismo: “Sobre a Denotação”. Ele faz uma análise da linguagem. A questão da realidade e da linguagem pode ser vista no texto do Thomas M. Simpson: “Linguagem, Significado, Realidade”. É o primeiro capítulo, em que ele aborda essas questões. Mas a obra que teremos de base para o empirismo é a de David Hume.

Então, voltemos. “O gato é preto.” Quando afirmo isso, já conhecemos, na forma canônica da sentença de Aristóteles, o sujeito, o predicado e uma atribuição do predicado ao sujeito. Como um realista, como Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Dworkin, São Tomás de Aquino ou outro pensa? Dado que temos que o gato é preto, estamos na esfera da linguagem. Gato: qual é a classe gramatical dessa palavra? Substantivo. Lembra que termo? Substância, que já conhecemos. Essa é uma análise de Aristóteles: dado que temos um substantivo, é porque o termo que vai na posição de sujeito, que é o substantivo, isto corresponde à substância, na esfera da realidade. Por óbvio, preto, em nossa língua, também para o latim, grego, e línguas indo-européias, é adjetivo, que implica no mínimo uma qualidade, ou, de certa forma, uma quantidade. Em outras palavras, o adjetivo corresponde aos acidentes. Então, podemos ter acidentes de qualidade e quantidade, como preto e 1,8 meses.

O realista admite que o que ocorre na esfera da linguagem é no final das contas o espelho do que acontece na esfera da realidade. Dado que temos uma substância que é modificada por acidentes, então apresentamos, na esfera da linguagem, como se fosse um espelho. Teremos categorias gramaticais em funções sintático-semânticas que representam como é a realidade. A linguagem é uma pintura representacionista. Para Aristóteles ou um realista qualquer, quando falamos da terceira questão, que é: “como é figurado o mundo”, a linguagem figura exatamente as condições fundamentais do mundo: substância e acidentes. Em Aristóteles, podemos ir para a substância com essência e matéria. Se formos para Platão, vamos à idéia de gato e à idéia de preto. A essa correspondência entre a linguagem e realidade denominamos, em lógica, isomorfismo. = que tem a mesma forma. Em outras palavras, a linguagem terá a mesma forma da realidade, ou seja, uma correspondência.  Esta é a doutrina da correspondência da verdade.

O interessante é que, quando entrarmos na esfera da linguagem, veremos: o Direito é um espelho da realidade? Quando temos uma lei sobre homicídio, fraude, ou, por exemplo, a norma do art. 1º da Constituição, aquilo é um espelho da realidade? O Brasil é uma República Federativa por que, no final das contas, esse enunciado é um espelho de como é o Brasil? Vamos supor que colocamos um espelho na frente da Lígia. Ele tende a refletir a realidade. Mas reflete exatamente? Não, ele a inverte. A linguagem espelha a realidade, diz o realista. Mas vamos ver o art. 1º da Constituição: ele espelha o que o Brasil é? Não! A Constituição faz com que o Brasil seja o que é. Ela reflete, mas só depois que ela constitui. Porque dizemos Constituição? Tem um nome jurídico, mas, em termos de realidade, ela constitui o mundo. A norma da faixa de pedestres, por exemplo, quando começou a ter sua vigência, ela passou a ter legitimidade e validade, você não pode mais passar nela salvo queira ser multado. Isso, na verdade, é uma condição de alguns tipos de enunciados chamados declarativos: “eu vos declaro marido e mulher”. O mundo passa a ter uma forma diferente.

Então, a condição do isomorfismo é que a realidade, para os realistas, é espelhada pela linguagem. A busca do realismo, ou melhor, da Filosofia, é como podemos falar sobre o mundo. E, evidentemente, ele tem que existir, e aí vêm todas as questões que já trabalhamos. Para Platão, o isomorfismo perfeito só pode se dar na linguagem com o mundo das idéias. O mundo empírico muda a todo tempo. Em Aristóteles, basta saber a estrutura do ente que teremos o isomorfismo perfeito, porque sabemos as arkhai.

Os empiristas

Vamos ver o enunciado do gato novamente. Quando falamos “o gato”, estamos falando deste gato que entra na sala aqui agora? Vejamos: qual é a principal conjugação de verbo? A indicativa, porque é a que diz a realidade. Por isso que nosso dedo tem o nome indicador. Basta perguntar “o que é isso?” e apontar. Então, quando pedimos uma indicação, estamos identificando aquele indivíduo. Mas o termo gato identifica aquele indivíduo necessariamente? O nome gato é nome de uma espécie, como já conhecemos, e a espécie é dada pela substância, diz o realismo. Há a classe lógica: todos os indivíduos que são gatos. Para chegar àquele indivíduo gato, temos que incluir os acidentes: o gato que entrou primeiro, às oito da manha, que é preto. Mas, no final das contas, por mais que façamos isso, o gato e qualquer outro indicativo dele não deixará de ser apenas uma classe. Vamos chamar o indivíduo gato de X. X é uma variável lógica para identificar um indivíduo qualquer.

E preto? É nome de que? Na gramática, ele é um adjetivo, mas na lógica é nome de um acidente. Um acidente que só se aplica ao gato, ou só o gato que é preto? Não. A pasta também pode ser preta. Na esfera da linguagem e da lógica, preto é nome de quê? De predicado. Mas preto, em termos lógicos, é o que, afinal? Outra classe lógica: todos os indivíduos que têm a cor preta. Aquele enunciado, portanto, que é X, tem a condição de “ser gato” e tem a condição de “ser preto”.

coisas que são gato e coisas que são preto

Vamos pegar o enunciado e reconstruir em termos lógicos. Se X é o nome do indivíduo, qual é a primeira condição que esse indivíduo tem? X é existente. Para ter qualquer outra propriedade, ele tem que ser existente. Então, existe um X. Mas, segundo essa sentença, X é o que? Gato. Poderia ser pincel, árvore, etc. Mas X, aqui, é gato. E X é o que, também? Preto. É sua segunda condição. Daí a intersecção obscurecida na figura acima.

Existe X e X é gato e X é preto.

Mas gato é o que? Outro predicado! Então, gato nunca foi um substantivo de que pudesse representar um ente; é uma ilusão, um erro lógico. Gato nunca foi um sujeito. É o que a linguagem natural, comum, coloca. O sujeito é sempre X. Mas o que é X? Podemos botar vários predicados, como “estar ronronando”, “querer comida”, etc. Posso até chegar a dar um nome: “Garfield”, por exemplo. Temos, no final, vários predicados. Mas X em si existe? Não, X é apenas uma variável lógica que usamos para falar das propriedades desse indivíduo, e mais nada. O próprio X não existe, porque podemos falar que X = “homem”, X é “de plástico”, etc. Em outras palavras, se gato é predicado, todo predicado se relaciona a acidentes. Se X na verdade não existe e é só um instrumento lógico, isso significa que substâncias não existem! É o resultado de um erro lógico, de entender que a linguagem tem que corresponder à realidade. O erro dos realistas foi ter partido da linguagem comum. O que eles fizeram de errado foi exatamente julgar que, porque falamos na linguagem natural, o mundo é do modo que falamos. Empiristas, então, dizem: “como falamos em substantivo na condição de sujeito, isso vai ser um erro lógico. É, na verdade, um X qualquer, que, no fundo, não existe.”

É por isso que para os empiristas, em geral, substância não existe. E a essência, como fica? Como a essência está na substância, a essência também não existe. E a matéria? É só um mero acidente. É somente plástico. Então, os acidentes, na esfera da realidade, são exatamente os que podem ser percebidos pelos sentidos. Aí está o reducionismo absoluto dos empiristas: é o que podemos ver pelo sentido. Wittgenstein disse: “os limites de meu mundo são os limites de minha linguagem.”

  1. A realidade existe? Sim.
  2. A realidade é autônoma? Sim.
  3. Como ela se configura? Na verdade, é um conjunto de acidentes.

Essas são as perguntas do realista.

Aqui virá o motivo de que o modelo é o mais simples. O que não se pode contestar deixa-se de fora. Nisso entra Guilherme de Ockham, que defende que devemos reduzir as explicações e as entidades. Para explicar qual é a figura desse pincel, precisamos falar em substância? Não, não consigo ver a substância. Então, para que usar explicações sem necessidade? “Non multiplicanda entia sine necessitate”.

Tínhamos, antes, o platonismo, com a relação de participação no mundo, mais complexo, e o realismo de tipo aristotélico, com a noção da substância, essência, matéria e os acidentes ligados à substância. São os entes materiais, e assim por diante. O empirista vai dizer: se a substância é o resultado, na esfera da metafísica de um erro lógico, então a essência também não tem razão de ser, porque é um erro lógico. Neste caso, a matéria não passa de um acidente. Então, como fica o esquema do empirista? Um conjunto de acidentes relacionados entre si. Só isso. Tudo é acidente. É do modo como eles se relacionam que notamos diferentes indivíduos. A matéria seria um acidente. E, agora, matéria é plástico mesmo, no sentido físico-químico. Ela não é uma causa metafísica. Ser macho, ter olhos verdes, ser advogado, são todos acidentes. Portanto, ser homem agora é mero acidente, e não substância. Lembram-se que agora o homem não pode mais ser sujeito, mas predicado? Então, a realidade é nossa essência? Não, ela é só mais um acidente. Isso é o minimalismo ontológico do empirismo. Aqui vem a parte interessante: enquanto para Aristóteles, Platão e etc. existe a razão distinta do intelecto, já que a idéia de homem está relacionada à razão em ambos, para o empirista não faz diferença. A razão e o intelecto são sinônimos. O conjunto de acidentes é tudo que existe para o empirista, que podem ser concebidos pelos sentidos diretamente ou indiretamente. Nisso devemos lembrar da frase de Wittgenstein: “sobre o que não se sabe não se deve falar”. Então, a idéia de que o homem é racional, ainda que tenha morrido, não passa de história da carochinha para o empirista. O empirista diria que o ser humano em estado vegetativo já não é mais ser humano. Temos, na melhor das hipóteses, o corpo de um ser humano, e podemos até respeitá-lo, mas não tratá-lo como ser humano.

Até mesmo o intelecto é empírico. Ele é só resultado de reproduções de sinapses cerebrais que causam continuidade de interações bioquímicas, armazenando informações, guardando-as por um conjunto eletrônico. O minimalismo ontológico prega, então, que deve-se eliminar tudo o que não existe. Quanto à força gravitacional, temos meras teorias, mas que são meras ficções mentais. Os entes ideais são meras ficções mentais para o empirista. Até mesmo os valores são empiricamente determinados.

O empirista julga, no final das contas, que podemos fazer uma reprodução da realidade. O contrário para o realista, que defende que nem tudo pode ser reproduzido. Quando o cientista busca vida em marte, ele busca vida segundo nosso padrão empírico.

Dado que a metafísica é o estudo das causas que determinam a realidade, sejam elas platônicas, ou aristotélicas, ou o Deus cristão, ou Allah, no momento em que eliminamos essas condições, segue que os empiristas são anti-metafísicos. Não existe uma metafísica, mas, no máximo, uma ontologia, que é o estudo da estrutura do ente, a partir de seus acidentes. A ontologia, então, vai se estruturar pela tese post rem.

Vamos lembrar as teses platônica e aristotélica. Ante rem: nada existe no mundo empírico que não exista no mundo das idéias. In re: tudo existe imanentemente na estrutura do ente. Como os empiristas negam isso? Na tese post rem, só teremos, então, ontologia. Ou seja, tudo que existe só existe no mundo empírico. Até Bertrand Russell coloca alguns pontos interessantes: o que são esses acidentes? Hoje o empirismo lógico vai até mais longe do que o empirismo de Hume. Cor era só pigmentação de reflexão de luz. Hoje é por questão de “dados de luz”, chegando perto dos motivos quânticos para as cores se apresentarem como são, envolvendo a propriedade freqüencial das ondas e as partículas mediadoras associadas. Tudo se reduz a dados empíricos, hoje em dia. Por exemplo: Lucas tem uma demasiada fé de que ele não cairá dessa cadeira que está sentado. Mas ele não sabe de todas as condições da cadeira. Se a cadeira está com uma falha na estrutura e está prestes a desabar, mas sem dar sinais disso, como barulhos ou tremedeira, é como se tal condição não existisse. Aí voltamos para Wittgenstein: “o limite de meu mundo é o limite de minha linguagem.” Se a cor é a questão do pigmento refletido, a cor vermelha é uma sinapse cerebral, que está na mente.

Vejamos outro enunciado:

Deus é bom.

É um bom enunciado para São Tomás de Aquino. Mas Deus é bom da mesma forma como somos bons? Não, Deus é bom num sentido analógico a nós, diria São Tomás de Aquino. Ele diz, na verdade, que...

Deus é o bem.

Deus é o próprio bem, e se identifica com ele. Mas o que entendemos por bem, ou por bom? Não é a ação humana, que identificamos por uma qualidade? Exatamente. Se digo “João é bom”, bom se refere a João. Mas no lugar de João poderíamos ter um X qualquer. Mas ao aplicar “bom” para Deus, em que sentido Deus é bom? Os realistas vão dizer que Deus é o ato puro de ser, mas os empiristas vão responder “e daí?”

Quando falamos “Deus é bom”, não estamos falando nada sobre Deus. Diz-se, na verdade, que Deus é bom assim como devemos ser bons. O cristão admitirá ainda: “Deus é um Pai bondoso”. Que parâmetros teríamos para a idéia de pai? De parentesco, idéia moral-psicológica, e também a idéia jurídica. Então, sobre esses três parâmetros, Deus pode ser um pai? Não. Então, em que sentido Deus pode ser pai? Os empiristas dirão que este enunciado não pode ser verdadeiro ou falso, ele é sem sentido. Somente na esfera da religião que ele seria admissível, mas até mesmo no sentido religioso ele está sem sentido: Deus é pai bondoso. O que falta? Algo no início da frase. Como deixar: “um determinado indivíduo X crê que Deus é um pai bondoso.” A crença pode ser empírica, mas disso segue que Deus existe? Não. É, portanto, uma sentença semanticamente falsa. Diferente de dizer que “pincel é preto”, porque é azul (nesta hora o professor estava com o pincel azul na mão). Daí, todas as metonímias e metáforas são sem sentido. Podem fazer parte da poesia, mas tão fora da semântica, então estão fora da realidade. Por isso os mitos são normalmente poéticos.

Dada simplicidade do princípio empirista, devemos lembrar do princípio de Ockham. Para que criar tantas explicações?

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