Teoria Geral do Processo

sexta-feira, 1º de junho de 2009

Recursos



Tópicos:
  1. Introdução
  2. Natureza jurídica do recurso
  3. Diferença de ação para recurso
  4. Pressupostos objetivos do recurso
  5. Pressupostos recursais subjetivos
  6. Espécies de sucumbência



Introdução

Quando falamos em recurso, que começamos a ver quando estudamos a execução, tivemos uma sentença, que forma um título executivo, e podemos ter recurso dela. Duas situações para relembrar: em execução, cuidamos de uma ação autônoma de embargo. Temos duas formas de impugnar: primeira: recurso; segunda: ação de impugnação. Qual a diferença? O primeiro é na mesma relação jurídica, a outra é numa nova relação jurídica processual. Temos a ação, que desencadeia um processo, que culminará numa sentença, e o recurso, dentro da mesma relação jurídica. A ação de impugnação será uma nova ação, autônoma, que forma uma nova relação jurídica. Porque falamos em propor ou ajuizar uma ação e interpor um recurso. “Por dentro” dá a noção intuitiva de que o recurso é dentro do mesmo processo.

Para relembrarmos: os atos jurídicos processuais: falamos das decisões. Quais as quatro? Interlocutória, de mero expediente, terminativa e definitiva. A primeira não traz prejuízo para as partes, então não é recorrível. Podemos impugnar as decisões, só não o despacho de mero expediente.

Em instâncias, temos a a quo e a ad quem, respectivamente a que decidiu e a que analisará o recurso contra a decisão. Salvo raras exceções, quando temos o próprio Tribunal analisando o recurso. Temos um regimento interno que traz competências diferentes, sejam elas para analisar a decisão de uma turma, para outro órgão interno, ou então para o pleno.
 

Natureza jurídica do recurso

Não é ação, obviamente; é diferente. Então, qual é a diferença? No recurso, já temos a preexistência de uma relação jurídica. Assim sendo, ela vai trazer a legitimidade para a propositura de um recurso. Como caracterizar a relação jurídica? Pelos sujeitos processuais. Velho esquema A-J-R.  Nessa relação, a decisão não abrangerá tanto o réu quanto o autor, que são os que tão dentro da relação jurídica? Esta não é a limitação subjetiva da demanda? Alcança os sujeitos da demanda. O terceiro, em regra, é afetado pela decisão? Não; só eventualmente. Quem tem legitimidade para recorrer? Em alguns casos, o Ministério Público. Então, quem tem legitimidade para recorrer, afinal? Os que foram afetados pela decisão. Autor, réu e eventualmente o Ministério Público. E o terceiro, onde fica nessa história? Ele pode ter sofrido prejuízo. Como o réu estar com o bem de um terceiro. O terceiro foi atingido. Nasce, para ele, nesta situação excepcional, legitimidade recursal. Em regra, ele não é parte legítima.
 

Diferença de ação para recurso

Enquanto a ação é o Direito subjetivo público de ter acesso à tutela jurisdicional do Estado, no recurso já temos uma relação jurídica formada. Com a ação, propõe-se a formação de uma relação jurídica. O autor propõe, o juiz despacha a citação válida, e se forma a relação jurídica processual. Já o recurso pressupõe uma relação jurídica processual, e nele se rediscute algo que já foi apreciado.
 

Pressupostos objetivos do recurso

Para que possamos ter o recurso, temos que falar em alguns pressupostos: o que é necessário ter já caracterizado antes de interpor um.

  1. Recorribilidade: como não há nos despachos de mero expediente. Se as decisões não são recorríveis, significa que falta essa qualidade da recorribilidade. Então não cabe recurso. Aquele decisão precisa ser recorrivel. Óbvio.
  2. Tempestividade: estar dentro do prazo. Só se pode recorrer dentro daquele prazo pré-fixado. Dentro do prazo, dizemos que o recurso está tempestivo; do contrário, está intempestivo. É outro pressuposto. Se, por exemplo, eu fui atingido pela decisão mas deixo passar o prazo para recorrer e faço o recurso fora do prazo, ele não será conhecido. Qual foi o fenômeno jurídico? A preclusão temporal. Não está no art. 267 do CPC, está na parte de recursos. Mas este raciocínio acabará desembocando na norma do 267 porque o recurso vai ser intempestivo, então é como se nem se tivesse recorrido. Assim, transitou em julgado. Então já tivemos uma decisão lá atrás, e foi terminativa ou definitiva. Se não se teve recurso, transitou, e o processo já foi extinto, com ou sem resolução de mérito. As hipóteses são as dos arts. 267 ou 269. Dependerá do tipo da decisão recorrida. O que vai extinguir o processo não é o fato de o recurso ser intempestivo, mas de não se obedecer o pressuposto.
  3. Singularidade. Em regra, só se tem uma espécie de recurso cabível. Cada decisão tem um recurso próprio, específico. Em regra. Quais que podem fugir a essa regra? RESP e RE, a serem interpostos respectivamente no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Então passei pela primeira instância, tive um recurso para a segunda, como o Tribunal de Justiça do meu estado, e, depois disso, dois recursos: um para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente RE e RESP. Ambos contra a mesma decisão. Logo, é uma exceção à singularidade que falamos. A mesma decisão terá dois recursos. Como assim? Porque a matéria impugnável é diferente. Infraconstitucionais ou constitucionais, STJ e STF respectivamente. Não posso ter, na mesma decisão, afrontas a ambas as questões? Posso. Pois então, nesta decisão excepcional, não teremos singularidade. Se analisarmos mais a fundo, em verdade acabamos tendo. A decisão é só uma, mas para cada matéria impugnada eu tenho um recurso específico.
  4. Adequação: o recurso precisa ser adequado; pressuposto este que decorre da singularidade. Suponhamos que eu tenha feito um RESP mas na verdade coloquei o nome de RE. Mas todos os pressupostos e requisitos recursais do RESP foram atendidos. Ele é um RESP com “roupa” de RE. O que o Tribunal faz? Aplica a fungibilidade: aceitar aquele recurso interposto como sendo o RESP, e não o RE. Ele entende que só se errou o nome, o que é supérfluo, já que na essência está tudo bem. Errar o nome para agravo também: agravo regimental x agravo de instrumento.
  5. Forma legal. Recurso é um ato processual? Sim. Eles não têm que atender à forma legal? Sim, em virtude do princípio da predeterminação das formas. Como os atos jurídicos processuais, os recursos também têm que atender forma. Basta olhar a lei: art. 522, Código de Processo Civil, que cuida do agravo de instrumento.

    CAPÍTULO III
    DO AGRAVO

            Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. 

            Parágrafo único.  O agravo retido independe de preparo. 

  6. Motivação. Quando temos? Quando se perde. Agora vamos aprender um nome mais técnico para a “derrota processual”: sucumbência. Se alguém tiver pedido duas coisas e o juiz as concedeu, pode-se recorrer? Não. Logo, deve haver a sucumbência em alguma questão. Mas a motivação vai além: na ação judicial, não temos que motivar? Não são essas as razões? É a causa de pedir. Mas o que se pede? A reforma da decisão. Deve-se explicar o porquê, então essa é a causa de pedir recursal.
  7. Preparo: dá a idéia de que algo deve ser feito antes para que uma coisa seja, posteriormente, feita. Como preparar um bolo para ser servido. O preparo do recurso tem algumas coisas possíveis: custas processuais, por exemplo. Sem pagá-las, extingue-se sem resolução de mérito. Outra coisa: no juízo trabalhista, temos uma peculiaridade: se a empresa foi condenada a pagar R$ 10.000,00 para o empregado, ela pode recorrer. Mas além de pagar as custas, ela terá que depositar o valor da condenação em garantia. Sem isso, o recurso nem é apreciado.

No juízo penal, temos algumas situações que também exigem o preparo diferenciado. Suponha que o réu tenha sido condenado. A lei exige que, para recorrer, ele deve ser recolhido à prisão. Então, o preparo é tudo o que a lei exige que seja feito previamente para que o recurso seja conhecido.

Uma coisa é recurso conhecido: atendeu todos os pressupostos, inclusive o preparo, tudo certo. O recurso existe, e ele foi conhecido. Mas e o mérito? Foi analisado? Ainda não. Só depois ele é analisado. Assim dizemos que o recurso foi provido ou improvido. É o julgamento do mérito. Conhecimento é se existe ou não, se atendeu os pressupostos. O mérito é o provimento. Aqueles são analisados antes deste, se estiverem presentes os pressupostos, ele será conhecido (então dizemos que o mérito será apreciado); ao julgar o mérito, o juiz dará o provimento ou o improvimento.

Num acórdão, o relator diz: “aconteceu assim, houve a sentença de primeira instância que foi neste sentido; o autor, insatisfeito, interpôs recurso de apelação. Presentes os pressupostos processuais, conheço do recurso.” Então, o recurso é válido, só então se avalia o mérito. Isso significa que, logicamente, o conhecimento é anterior ao provimento. O voto, no final, é “conheço do recurso e dou provimento” ou “nego provimento ao recurso”. Se o recurso não foi conhecido, o mérito não chega a ser visto.
 

Pressupostos recursais subjetivos

Dizem respeito ao sujeito. São duas:

Legitimidade. As partes têm legitimidade? Sim. Terceiro tem? Em regra não, mas ele pode ser o prejudicado. Os legitimados são todos aqueles que a lei dá a faculdade de interpor o recurso. Podem ser, além das partes, o terceiro interveniente, o Ministério Público, e até mesmo o réu revel. Alguém que nada tenha a ver com a relação jurídica processual não terá chances de recorrer.

Interesse recursal: quando a decisão for desfavorável. Assim sendo, nasce o interesse em recorrer. Só pode haver em caso de sucumbência. O que é isso? Prejuízo. Uma perda em relação à ação. Se o autor ajuíza uma ação com dois pedidos e ganha os dois, o réu perdeu. Então, dizemos que ele foi sucumbente. E se o autor pede duas coisas e ganha uma? O réu ainda é sucumbente, e o autor também, porque ele não ficou 100% satisfeito com a decisão. Então, não confunda a sucumbência propriamente dita com ônus da sucumbência, ônus sucumbencial, que é a conseqüência da sucumbência, como pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Então, aquele que foi sucumbente arcará com o ônus da sucumbência. Sucumbência é uma coisa, ônus da sucumbência é outra.
 

Espécies de sucumbência

1- Única ou simples: é a mais comum. Tivemos uma ação com a presença de A, J e R . O autor pediu: pedido 1 e pedido 2, tendo os dois deferidos pelo juiz. Quem sucumbiu? O réu. O réu foi sucumbente, e o único do caso. Daí, a sucumbência foi única, simples, do réu.

2- Múltipla: dos dois pedidos, em um o autor não obteve o que queria. Então ele ganhou o pedido 1 e o réu ganhou o 2. Quem sucumbiu? Tanto o autor quanto o réu. Ambos foram, em parte, sucumbentes. A sucumbência foi, então, múltipla, das duas partes. E aqui teremos que falar em duas subespécies:

Se é múltipla, então mais de um sucumbiu, o que significa que podemos ter o autor A mais o autor B no pólo ativo da demanda, ao mesmo tempo em que temos o sujeito R mais o sujeito S no pólo passivo, figurando como réus. Imagine a mesma situação, com dois pedidos. Se os autores ganharam os dois pedidos, então os réus perderam os dois, e houve sucumbência total. Mas foi única? Não. Foi uma sucumbência múltipla, então. Poderíamos ter vários réus: R, S, T, U... Os dois pedidos foram deferidos contra os dois réus, portanto também foi uma sucumbência integral ou total (vista a seguir; é bem simples). Então, nessa última, o interesse dos réus está conflitante? Não, pois ambos estão juntos e tiveram pedidos deferidos em desfavor deles. E quanto aos dois autores? Também não há conflito, pois o juiz concedeu os pedidos feitos por eles. O conflito é entre os autores e réus. Neste caso, falamos em sucumbência múltipla paralela, ou seja, os réus se sentiram lesados em interesses idênticos. Os interesses não estão em conflito. Se estivesse, seria caso de sucumbência múltipla recíproca: quando há conflitos nos interesses. Exemplo: um juiz, ao proferir sua sentença depois de ajuizada uma ação de cobrança de R$ 500.000,00,  condena o réu a pagar R$ 350 mil. O réu ainda assim queria não pagar, enquanto o autor queria receber mais (deixou de ganhar 150 mil, então, como ele não ficou satisfeito, houve sucumbência).

3- direta: atinge alguém que tenha sido parte no processo, não alguém de fora.

4- reflexa: a que repercute indiretamente sobre alguém de fora da relação jurídica processual.

5- total e parcial: na situação acima, ganhar os dois pedidos significa que o outro foi sucumbente totalmente. Se ganhou em parte, a sucumbência foi parcial para ambos. Exemplo (da obra de Carreira Alvim) de sucumbência total: o juiz absolve o réu; parcial: o juiz condena o réu ao pagamento do valor principal de uma causa, mas absolve do pagamento de juros e encargos.

E se os autores ganharam os dois pedidos e os réus, por conseguinte, perderam os dois? Os autores não sucumbiram em nada, só os réus. Foi múltiplo, porque houve vários sucumbentes. Mas o interesse deles, entre eles, é conflitante? Não. Então, não é é caso de sucumbência recíproca. Se os interesses forem similares, não haverá a sucumbência recíproca, mas paralela. Exemplo: o juiz condena vários devedores solidários ao pagamento de um débito. ¹

Então, se os interesses não estiverem em conflito, mas em paralelo, então a sucumbência é múltipla e paralela.

Olhe a importância disso: vamos pegar novamente o exemplo em que foram feitos os pedidos 1 e 2, que foram concedidos. Mas teve um terceiro pedido junto aos dois, em que houve sucumbência. O advogado, faltando com a diligência, recorre de tudo. Ele tinha interesse para recorrer dos outros dois? Não, somente do terceiro. Se isso não foi analisado, o juiz poderá reformar a decisão e tudo se comprometerá. Se não houvesse a sucumbência múltipla, o juiz poderia fazer isso, e seria uma grande insegurança jurídica. Assim, por mais que ele tenha recorrido de tudo, o juiz não poderá analisar tudo porque falta interesse processual recursal quanto aos já pacificados. O recurso quanto ao pedido 3 será tratado como se não tivesse havido recurso quanto a 1 e 2.

É a proibição do reformatio in pejus = “não poder reformar para prejudicar”. Em outras palavras, ele não poderá analisar novamente os pedidos em que não houve sucumbência. Essa é uma proibição principiológica; é um princípio processual. Não se pode reformar para prejudicar. É com base em quem recorreu, apenas.

De onde vem essa proibição? Do interesse. Não se tem interesse em reformar o que se ganhou. O interesse é sempre atrelado à sucumbência.

Última ilustração: sou credor de R$ 5.500,00 de um devedor, e o juiz, na sentença, decide que o devedor deverá me pagar a importância de R$ 4.300,00. Houve sucumbência? Sim, meu pedido não foi, por inteiro, deferido. Mas o devedor, que também não gostaria de pagar o débito, também ficou sucumbente. Houve, portanto, sucumbência múltipla recíproca.


  1. Exemplo dado por José Eduardo Carreira Alvim.