Quando falamos em recurso, que começamos a ver quando estudamos a execução, tivemos uma sentença, que forma um título executivo, e podemos ter recurso dela. Duas situações para relembrar: em execução, cuidamos de uma ação autônoma de embargo. Temos duas formas de impugnar: primeira: recurso; segunda: ação de impugnação. Qual a diferença? O primeiro é na mesma relação jurídica, a outra é numa nova relação jurídica processual. Temos a ação, que desencadeia um processo, que culminará numa sentença, e o recurso, dentro da mesma relação jurídica. A ação de impugnação será uma nova ação, autônoma, que forma uma nova relação jurídica. Porque falamos em propor ou ajuizar uma ação e interpor um recurso. “Por dentro” dá a noção intuitiva de que o recurso é dentro do mesmo processo.
Para relembrarmos: os atos jurídicos processuais: falamos das decisões. Quais as quatro? Interlocutória, de mero expediente, terminativa e definitiva. A primeira não traz prejuízo para as partes, então não é recorrível. Podemos impugnar as decisões, só não o despacho de mero expediente.
Em
instâncias, temos a a
quo e a ad quem,
respectivamente
a que decidiu e a que analisará o recurso contra a decisão. Salvo raras
exceções, quando temos o próprio Tribunal analisando o recurso. Temos
um regimento
interno que traz competências diferentes, sejam elas para analisar a
decisão de
uma turma, para outro órgão interno, ou então para o pleno.
Não
é ação, obviamente; é diferente.
Então, qual é a
diferença? No recurso, já temos a preexistência de uma relação
jurídica. Assim
sendo, ela vai trazer a legitimidade para a propositura de um recurso.
Como
caracterizar a relação jurídica? Pelos sujeitos processuais. Velho
esquema
A-J-R. Nessa
relação, a decisão não
abrangerá tanto o réu quanto o autor, que são os que tão dentro da
relação
jurídica? Esta não é a limitação
subjetiva da demanda? Alcança os sujeitos da demanda. O
terceiro, em regra,
é afetado pela decisão? Não; só eventualmente. Quem tem legitimidade
para
recorrer? Em alguns casos, o Ministério Público. Então, quem tem
legitimidade
para recorrer, afinal? Os que foram afetados
pela decisão. Autor, réu e eventualmente o Ministério Público. E o
terceiro,
onde fica nessa história? Ele pode ter sofrido prejuízo. Como o réu
estar com o
bem de um terceiro. O terceiro foi atingido. Nasce, para ele, nesta
situação
excepcional, legitimidade recursal. Em regra, ele não é parte legítima.
Diferença
de
ação
para recurso
Enquanto
a ação é o Direito subjetivo
público de ter acesso
à tutela jurisdicional do Estado, no recurso já temos uma relação
jurídica
formada. Com a ação, propõe-se a formação de uma relação jurídica. O
autor propõe,
o juiz despacha a citação válida, e se forma a relação jurídica
processual. Já
o recurso pressupõe uma relação jurídica processual, e nele se
rediscute algo
que já foi apreciado.
Pressupostos
objetivos
do recurso
Para que possamos ter o recurso, temos que falar em alguns pressupostos: o que é necessário ter já caracterizado antes de interpor um.
CAPÍTULO
III
DO AGRAVO Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. |
No juízo penal, temos algumas situações que também exigem o preparo diferenciado. Suponha que o réu tenha sido condenado. A lei exige que, para recorrer, ele deve ser recolhido à prisão. Então, o preparo é tudo o que a lei exige que seja feito previamente para que o recurso seja conhecido.
Uma coisa é recurso conhecido: atendeu todos os pressupostos, inclusive o preparo, tudo certo. O recurso existe, e ele foi conhecido. Mas e o mérito? Foi analisado? Ainda não. Só depois ele é analisado. Assim dizemos que o recurso foi provido ou improvido. É o julgamento do mérito. Conhecimento é se existe ou não, se atendeu os pressupostos. O mérito é o provimento. Aqueles são analisados antes deste, se estiverem presentes os pressupostos, ele será conhecido (então dizemos que o mérito será apreciado); ao julgar o mérito, o juiz dará o provimento ou o improvimento.
Num
acórdão, o relator diz:
“aconteceu assim, houve a
sentença de primeira instância que foi neste sentido; o autor,
insatisfeito, interpôs
recurso de apelação. Presentes os pressupostos processuais, conheço do
recurso.”
Então, o recurso é válido, só então se avalia o mérito. Isso significa
que,
logicamente, o conhecimento é anterior ao provimento. O voto, no final,
é “conheço
do recurso e dou provimento” ou “nego provimento ao recurso”. Se o
recurso não
foi conhecido, o mérito não chega a ser visto.
Pressupostos
recursais subjetivos
Dizem respeito ao sujeito. São duas:
Legitimidade. As partes têm legitimidade? Sim. Terceiro tem? Em regra não, mas ele pode ser o prejudicado. Os legitimados são todos aqueles que a lei dá a faculdade de interpor o recurso. Podem ser, além das partes, o terceiro interveniente, o Ministério Público, e até mesmo o réu revel. Alguém que nada tenha a ver com a relação jurídica processual não terá chances de recorrer.
Interesse
recursal: quando a decisão
for desfavorável. Assim
sendo, nasce o interesse em recorrer. Só pode haver em caso de sucumbência. O que é isso? Prejuízo. Uma
perda em relação à ação. Se o autor ajuíza uma ação com dois pedidos e
ganha os
dois, o réu perdeu. Então, dizemos que ele foi sucumbente. E se o autor
pede
duas coisas e ganha uma? O réu ainda é sucumbente, e o autor também,
porque ele
não ficou 100% satisfeito com a decisão. Então, não confunda a
sucumbência propriamente
dita com ônus da sucumbência, ônus
sucumbencial, que é a conseqüência da sucumbência, como pagamento de
custas
processuais e honorários advocatícios. Então, aquele que foi sucumbente
arcará
com o ônus da sucumbência. Sucumbência é uma coisa, ônus da sucumbência
é
outra.
1- Única ou simples: é a mais comum. Tivemos uma ação com a presença de A, J e R . O autor pediu: pedido 1 e pedido 2, tendo os dois deferidos pelo juiz. Quem sucumbiu? O réu. O réu foi sucumbente, e o único do caso. Daí, a sucumbência foi única, simples, do réu.
2- Múltipla: dos dois pedidos, em um o autor não obteve o que queria. Então ele ganhou o pedido 1 e o réu ganhou o 2. Quem sucumbiu? Tanto o autor quanto o réu. Ambos foram, em parte, sucumbentes. A sucumbência foi, então, múltipla, das duas partes. E aqui teremos que falar em duas subespécies:
Se é
múltipla, então mais de um sucumbiu, o que significa que podemos ter o
autor A
mais o autor B no pólo ativo da demanda, ao mesmo tempo em que temos o
sujeito R
mais o sujeito S no pólo passivo, figurando como réus. Imagine a mesma
situação, com dois pedidos. Se os autores ganharam os dois pedidos,
então os réus
perderam os dois, e houve sucumbência total. Mas foi única? Não. Foi
uma
sucumbência múltipla, então. Poderíamos ter vários réus: R, S, T, U...
Os dois
pedidos foram deferidos contra os dois réus, portanto também foi uma
sucumbência integral ou total (vista a seguir; é bem simples). Então,
nessa
última, o interesse dos réus está conflitante? Não, pois ambos estão
juntos e
tiveram pedidos deferidos em desfavor deles. E quanto aos dois autores?
Também
não há conflito, pois o juiz concedeu os pedidos feitos por eles. O
conflito é
entre os autores e réus. Neste caso, falamos em sucumbência múltipla paralela,
ou seja, os réus se sentiram
lesados em interesses idênticos. Os
interesses não
estão em conflito. Se estivesse, seria caso de sucumbência múltipla
recíproca: quando há conflitos nos
interesses. Exemplo: um juiz, ao proferir sua sentença depois de
ajuizada uma ação de cobrança de R$ 500.000,00, condena o réu a
pagar R$ 350 mil. O réu ainda assim queria não pagar, enquanto o autor
queria receber mais (deixou de ganhar 150 mil, então, como ele não
ficou satisfeito, houve sucumbência).
3- direta: atinge alguém que tenha sido parte no processo, não alguém de fora.
4- reflexa: a que repercute indiretamente sobre alguém de fora da relação jurídica processual.
5- total e parcial: na situação acima, ganhar os dois pedidos significa que o outro foi sucumbente totalmente. Se ganhou em parte, a sucumbência foi parcial para ambos. Exemplo (da obra de Carreira Alvim) de sucumbência total: o juiz absolve o réu; parcial: o juiz condena o réu ao pagamento do valor principal de uma causa, mas absolve do pagamento de juros e encargos.
E se os autores ganharam os dois pedidos e os réus, por conseguinte, perderam os dois? Os autores não sucumbiram em nada, só os réus. Foi múltiplo, porque houve vários sucumbentes. Mas o interesse deles, entre eles, é conflitante? Não. Então, não é é caso de sucumbência recíproca. Se os interesses forem similares, não haverá a sucumbência recíproca, mas paralela. Exemplo: o juiz condena vários devedores solidários ao pagamento de um débito. ¹
Então, se os interesses não estiverem em conflito, mas em paralelo, então a sucumbência é múltipla e paralela.
Olhe a importância disso: vamos pegar novamente o exemplo em que foram feitos os pedidos 1 e 2, que foram concedidos. Mas teve um terceiro pedido junto aos dois, em que houve sucumbência. O advogado, faltando com a diligência, recorre de tudo. Ele tinha interesse para recorrer dos outros dois? Não, somente do terceiro. Se isso não foi analisado, o juiz poderá reformar a decisão e tudo se comprometerá. Se não houvesse a sucumbência múltipla, o juiz poderia fazer isso, e seria uma grande insegurança jurídica. Assim, por mais que ele tenha recorrido de tudo, o juiz não poderá analisar tudo porque falta interesse processual recursal quanto aos já pacificados. O recurso quanto ao pedido 3 será tratado como se não tivesse havido recurso quanto a 1 e 2.
É a proibição do reformatio in pejus = “não poder reformar para prejudicar”. Em outras palavras, ele não poderá analisar novamente os pedidos em que não houve sucumbência. Essa é uma proibição principiológica; é um princípio processual. Não se pode reformar para prejudicar. É com base em quem recorreu, apenas.
De onde vem essa proibição? Do interesse. Não se tem interesse em reformar o que se ganhou. O interesse é sempre atrelado à sucumbência.
Última ilustração: sou credor de R$ 5.500,00 de um devedor, e o juiz, na sentença, decide que o devedor deverá me pagar a importância de R$ 4.300,00. Houve sucumbência? Sim, meu pedido não foi, por inteiro, deferido. Mas o devedor, que também não gostaria de pagar o débito, também ficou sucumbente. Houve, portanto, sucumbência múltipla recíproca.