Teoria Geral do Processo

segunda-feira, 2 de março de 2009

Interpretação da norma



Tópicos:
  1. Breve revisão e continuação
  2. Resultado
  3. Integração
  4. A importância de se conhecer as diferentes interpretações
  5. Limitações espaciais e temporais

Breve revisão e continuação

Falamos sobre interpretação da norma na aula passada.

Critérios objetivos: gramatical, lógico/teleológico, histórico e sistemático.

No gramatical, como vimos, buscamos o mero sentido das palavras. No lógico/teleológico, buscamos a entender, explicar brevemente cada trecho da norma, inclusive remetendo à intenção do legislador. Por que são critérios objetivos? Porque não consideram o sujeito da norma, ou seja, quem a está interpretando. Qualquer sujeito pode fazer qualquer uma dessas 4 interpretações. Em seguida pode-se ir além, buscando o contexto histórico da norma (note que não se trata, como dissemos, do contexto histórico do período que a norma foi criada, não tem nada a ver). E finalmente podemos usar, segundo o critério objetivo, a interpretação sistemática, em que buscamos o nexo entre as várias partes da norma, o contexto na qual ela está inserta.

Hoje vamos falar de uma outra forma de interpretação da norma, de um outro ponto de vista, que é o ponto de vista subjetivo. Parte do sujeito que a está interpretando.

O ponto de vista subjetivo da interpretação da norma pode ser entendido em termos das seguintes interpretações:

  1. Doutrinária: feita pela doutrina. Os doutrinadores, que estudam e escrevem acerca do Direito.
  2. Jurisprudencial: os tribunais, os juízes, o Estado-juiz, independente da instância. Sob o ponto de vista subjetivo, esta é a chamada interpretação jurisprudencial.
  3. Autêntica: a interpretação do próprio legislador.

Agora pense num juiz, quando julga um caso concreto, se baseando num critério histórico da norma: que tipo de critério é esse? Histórico ou jurisprudencial? Complicou. Ou não? São ambos. Um critério não exclui o outro, lembre-se disso. A única coisa que mudou foi o ponto de vista. Sob um ponto de vista analisamos quem está interpretando; se é o Estado-juiz, então trata-se obrigatoriamente do critério subjetivo; objetivam falando, ele pode estar usando a interpretação gramatical, histórica, lógica ou sistemática.

Doutrinador: como ele classifica sua própria interpretação? De dois pontos de vista: do subjetivo, que é ele próprio, o doutrinador, subjetivam falando, e do ponto de vista objetivo é o teleológico. Note que uma não exclui a outra. São apenas critérios diferentes.

 

Resultado

Interpretação quanto ao resultado é outra forma importantíssima. Às vezes o legislador cria uma norma e usa um termo muito estrito ou restrito, que não nos permite adequar corretamente ao caso concreto. Mas se fizermos uma análise do objetivo da norma, percebemos que o que se quis com aquela norma foi abraçar o caso concreto, mesmo que o legislador tenha complicado a literatura do artigo, pecando pela demasiada especificidade. Percebemos então que a norma quis tratar daquilo apesar da infelicidade técnica do legislador. Portanto, precisamos fazer uma interpretação extensiva daquela norma.

O mesmo pode acontecer em sentido contrário, em que o legislador usou um termo muito genérico, amplo, e devemos fazer a análise inversa. Pela interpretação teleológica, percebemos que tal conteúdo está fora daquela sistemática, o que faz com que seja impossível chegar a uma conclusão desejada usando apenas a interpretação gramatical. Usamos a lógica para determinar se, mesmo que o legislador tenha usado um termo vago, o conteúdo da norma não pertence à matéria que estamos verificando, se não pode se adequar a ela.

Atenção: nunca errem isto: estamos falando de interpretação das normas. É a interpretação que é restritiva ou extensiva, não a norma em si. Exemplo: normas de aposentadoria. Digamos que determinado trecho do texto da lei seja: “o indivíduo poderá se aposentar depois de 30 (trinta) anos.” Do que a lei está falando? Trinta anos de contribuição ou trinta anos de efetivo serviço? Se o sujeito da frase (analisando sintaticamente) é a norma, o resultado será um; se o sujeito é a interpretação, o resultado é outro. Por dizer que a norma ou a interpretação são o “sujeito da frase”, estamos nos referindo a qual das duas que os adjetivos restritiva e extensiva se referirão.

Temos como ter uma interpretação quanto ao resultado, quanto ao critério objetivo e quanto ao subjetivo, ao mesmo tempo? Sim, perfeitamente. Partirá de um sujeito, provavelmente o juiz; nesse caso, será a interpretação jurisprudencial. Ele percebe que a norma é restrita demais, então a analisa sob o aspecto do resultado. Em seguida ele pode analisar a partir dos aspectos objetivos, que são o histórico, o teleológico e o sistemático, para determinar se a matéria está dentro ou não da norma. 

Isso tudo serve para fazer valer o dever-poder do estado de apreciar todas as ações, de acordo com o princípio da indeclinabilidade. (art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal).

 

Integração

Por fim, o critério da integração.

Aqui dentro temos dois parâmetros: primeiro: se não há norma, então o que fazer?

Usa-se a analogia, em que vale-se de uma casuística semelhante, ou dos princípios gerais do direito.

Suponha que há uma norma tratando especificamente  do caso A e outra que trata especificamente do caso B. Como o mundo fático é muito mais rico do que o mundo jurídico, casos há que apresentarão elementos de ambos os casos (A e B), podendo se parecer mais com um do que com o outro. Nesse caso, dado que o non liquet não é mais permitido nos Estado de Direito da maior parte do mundo ocidental atual, e nenhuma ação será deixada de lado por não haver norma dispondo sobre o que de fato aconteceu, o juiz  deverá verificar, perante os casos concretos já julgados, qual está mais próximo. Ele utilizará esse parâmetro, essa casuística, esse caso concreto que mais se aproxima do caso atual  para poder julgá-lo. O que ele está fazendo? Uma analogia entre um caso concreto que já foi decidido e um que está em apreciação. Por outro lado, também pode perfeitamente ocorrer de não haver norma dispondo do caso A nem do caso B, o que significa que não haverá parâmetro fático, e a analogia não poderá ser usada. O que fazer, então? Usar os princípios gerais do direito, os princípios básicos, elementares do direito. Vamos exemplificar.

Tomemos um contrato bilateral: O nome já da a idéia, dois lados. Os sujeitos 1 e 2 celebraram esse negócio jurídico. Se é bilateral (ou sinalagmatico), significa dizer que há um equilíbrio entre as duas partes. Como assim? Os direitos e obrigações são recíprocos, para que haja um equilíbrio contratual. Logo, o sujeito número 1 terá direitos e obrigações, enquanto o mesmo ocorrerá para o 2. Esse conjunto de direitos e obrigações tem que ter um equilíbrio. Esse é um princípio geral do direito contratual. Logo, quando o juiz se vir à frente de um contrato bilateral e notar que uma das partes está em clara vantagem, ele invocará esse princípio do dever-ser de equilíbrio para corrigir a discrepância.

Código de defesa do consumidor: também trabalha com essa equivalência, porém com uma diferença: protege um pouco mais o consumidor, que é considerada a parte hipossuficiente. Então, valendo-se dos princípios gerais do direito que o juiz buscará resolver o caso concreto, caso não haja norma dispondo sobre o conflito em questão.

Os princípios estão nas próprias normas. Há normas que tratam daqueles casos concretos específicos. Homicídio, por exemplo. Outro caso: aposentadoria. Mas há normas que tratam de princípios, como o princípio constitucional da indeclinabilidade (inciso XXXV do art. 5º da Constituição). Então, encontramos normas que têm princípios. In dubio pro reo. “Na dúvida, favoreça o réu” mas na dúvida de que? Não interessa, é qualquer dúvida. A norma não está especificando isso. Logo, não precisa se tratar apenas da dúvida sobre sua culpa num crime, por exemplo. Os princípios são mais amplos, genéricos. Então, sob o ponto de vista da integração, a interpretação se valerá da analogia ou dos princípios gerais do direito.

 

A importância de se conhecer as diferentes interpretações

Encerramos a questão da interpretação. Mas vamos ressaltar algo já falado:

Onde está a importância de tudo isso? É importante, ou senão nem teria sentido estarmos estudando este conteúdo. Quanto mais dominamos isso, mais enxergamos, nas decisões de modo geral, qual foi o parâmetro utilizado, se foi correto ou não, se foi o melhor ou não. Quando estamos interpretando a lei, somos capazes de defender nossos pontos de vista com base nisso daí. Quanto mais dominamos, mais ferramentas temos para defender nossos idéias. Identificar, por exemplo, se o juiz utilizou apenas o critério gramatical. Assim, teremos ferramentas para dizer que a interpretação do juiz não foi a melhor, e assim conseguir nossos objetivos. Tanto para o direito processual quanto para o direito material. Sempre usaremos interpretação.

  

Limitações espaciais e temporais

Já temos a concepção de limitação espacial. O Estado brasileiro manda dentro de seu território. Lex fori = lei do foro, do local. Temos essa distinção dentro do próprio país? Sim, podemos ter leis estaduais que são aplicadas apenas em seus estados. Uma lei distrital só valerá aqui, não em Mato Grosso.

LICP e LICC: Lei de Introdução ao Código Penal/Lei de Introdução ao Código Civil. Dizem como começar a trabalhar com as normas materiais. A LICC diz como usaremos o Código Civil, e a LICP diz como começaremos a trabalhar com o Código Penal. Vigência, por exemplo: 45 dias a não ser que haja disposição em contrario. Não falando nada, a vacatio legis será de 45 dias. ¹

Efeitos: imediatos, a partir da sua eficácia, que vem com sua vigência. Se está vigente hoje, então ela já está gerando efeitos. Ela apenas não afetará os seguintes institutos, do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição:

  1. Direito adquirido: aquele que já foi incorporado ao patrimônio jurídico. Quando reconhecemos que tal direito foi de fato incorporado? Observando os requisitos, pressupostos, condições para que passem a existir. Nascimento, por exemplo. Como já estudamos exaustivamente em Direito Civil 1, a personalidade jurídica é adquirida a partir do nascimento com vida, ou seja, quando a criança sai do ventre da mãe e respira pela primeira vez. Essa é a condição. Quando falta uma ou mais condições, tratar-se-á de expectativa de direito. Mesmo se a lei mudar posteriormente, o direito adquirido é inviolável. Já a expectativa de direito poderá ser afetada por alterações na lei, já que ela não goza de proteção jurídica.
  2. Ato jurídico perfeito: quando não faltam requisitos para a concreção do ato. Contrato de compra e venda de bem imóvel, por exemplo: tem que seguir toda a forma prevista em lei. Fazer escritura pública, e registrá-la em cartório. Feito isso não faltam mais elementos necessários, e este ato passa a ser considerado ato jurídico perfeito,portanto já pode gerar direitos e obrigações.
  3. Coisa julgada: diferente do trânsito em julgado, que é quando não mais cabem recursos contra a última decisão. Conseqüência do trânsito em julgado é a coisa julgada, que são os efeitos materiais do trânsito em julgado. É quando está-se cristalizado no patrimônio jurídico. Em relação a isso há m princípio: o da imutalibilidade da coisa julgada.

O que rege o ato em função do tempo é a época do ato. ²

Exemplo de situação: certo ato foi praticado em 2000, e estamos em 2009, ano em que uma ação referente àquele ato foi ajuizada. Em 2000 vigia o Código Civil de 1916, enquanto em 2009, quando a ação foi ajuizada, já usamos o Código Civil da época do ato. Isso vale para direito material. Mas se partimos do pressuposto que a regra é de direito processual e não de direito material, o raciocínio é outro. Se em 2002 houve uma nova lei processual, e novamente em 2004, qual aplicar? Antes de saber, diga: o que é processo? É a relação jurídica entre os sujeitos processuais, criando direitos e observação entre eles. Esquema autor-juiz-réu, visto nas aulas anteriores. Aquilo forma uma relação jurídica processual, que é o processo. Então, o que cria direitos e obrigações são normas processuais.

Como resolver tal conflito, afinal? Há três posicionamentos sucessivos no tempo. O primeiro a ser aceito foi o da...

  1. Unidade processual. O processo é uma coisa só, de início a fim, então ele será regido apenas pela lei mais antiga. Mas coisas evoluíram, e chegou a haver dois processos seguindo diferentes trâmites.
  2. Dependendo da fase, vemos qual foi a lei aplicada. O processo tem múltiplas fases. Acontecia muito de nova lei processual ser promulgada no meio de um processo, entre duas fases, e novamente o velho conflito surgiu: qual lei aplicar? Digamos então que um processo tenha quatro fases. Durante a segunda, uma nova lei é criada. O que se deve fazer, de acordo com este posicionamento, é esperar o fim da fase atual do processo mantendo-se a vigência da lei daquele tempo, para passar-se a aplicar a nova apenas a partir da fase subseqüente. Isso faria com que uma lei revogada continuasse tendo eficácia enquanto durassem certos trâmites do processo. O problema maior, entretanto, é que o processo tem diferentes...
  3. Atos processuais. Para evitar a produção de efeitos por leis revogadas, aplicam-se os atos de acordo com a lei vigente. Os atos processuais estão contidos nas fases processuais. Esse fenômeno que a lei continua gerando efeitos mesmo depois de revogada é o que se chama de ultratividade/proatividade. Pode acontecer por um período de tempo, extraordinariamente, com menos incidência nessa última teoria.

  1. O professor escreveu no quadro a sigla "LIPP", que imaginei se tratar de "Lei de Introdução ao Processo Penal". Acho que copiei muito errado. A única coisa parecida que há no ordenamento é a LICP - Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais.
  2. Neste momento o professor mencionou uma expressão latina equivalente, mas não consegui pegá-la.