Teoria Geral do Processo

sexta-feira, 6 de março de 2009

A jurisdição



Tópicos:

  1. Introdução
  2. O Poder Judiciário e o exercício da jurisdição
  3. Equivalentes jurisdicionais
  4. Elementos da jurisdição
  5. Princípios da jurisdição

Introdução

O que vem a ser jurisdição? Antes de falar propriamente nela, há uma coisa que já devemos ter visto em Direito Constitucional: a soberania. O que é ela? Podemos colocar genericamente como poder de se autodeterminar dentro de um território. Para dividir essas tarefas, o Poder foi dividido em três: Legislativo, Executivo e Judiciário. Então, alguém deverá criar as normas de autodeterminação. É do que o Legislativo se encarrega. Enquanto isso alguém tem que “arregaçar as mangas” e administrar, o que é tarefa do executivo. E, por fim, eventualmente algum dissídio surge; é onde o judiciário se manifesta. Essa é a visão da soberania enfocando nos poderes dela derivados.

Mas o Legislativo também julga, o que não seria sua própria atribuição? Sim, como em CPIs e processos de quebra de decoro parlamentar. O legislativo também administra, ou seja, tem ele uma função executiva? Tem, como a execução do orçamento. Isso acontece com todos os poderes, o que significa dizer que nenhum fica restrito àquela função precípua, que é a que lhe dá nome. Essa é a função que o caracteriza, a função principal. O Executivo julga? Sim, como nos processos administrativos. Legisla? Sim, e muito, a começar pelas Medidas Provisórias. Analogamente o judiciário: ele também legisla sobre suas próprias regras, como também executa o orçamento do ano para suas repartições.

Esses são os poderes do Estado.

 

O Poder Judiciário e o exercício da jurisdição

É o poder que nos interessa. Quando falamos nele, qual é essa atividade de julgar? Como podemos caracterizá-la? Podemos dizer, inicialmente, que é exercitar a jurisdição. Mas isso não diz muito; a função judicante é a aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto: Iuris dicere, ou dizer o Direito. Por que é assim? Porque as leis e o ordenamento jurídico são abstratos. Como no termo “lei em tese”. O legislador criou, determinou uma situação abstrata, uma hipótese que pode acontecer no mundo dos fatos. Matar alguém, por exemplo, é um fato que gerará uma conseqüência jurídica. Pode ser uma conseqüência negativa ou positiva, como reclusão ou recebimento de aposentadoria. Podemos nos aposentar já? Não, porque nossa situação fática ainda não se assemelha à hipótese prevista pelo legislador para que se ganhe a aposentadoria. Por isso lei em tese: concebida hipoteticamente. Quando a hipótese se concretiza no mundo dos fatos, o que faz a jurisdição? Determina qual é a norma que se encaixa naqueles fatos concretos que estão em apreciação. Isso é jurisdição.

Essa jurisdição é o poder do Estado? Sim, o estado chamou essa responsabilidade para si; é o monopólio estatal. Logo, dizer o direito coercitivamente é monopólio do Estado. Mas veja bem: podemos enxergar nessa função, nessa jurisdição também um dever do Estado? Claro que sim. Se ele foi quem chamou para si e ainda monopolizando essa responsabilidade, será sim um dever pois este é um Estado Democrático de Direito, onde a regra básica é que o Estado deve se submeter às leis que ele próprio cria. Inclusive é mais dever do que poder. A doutrina ainda discute qual dos dois predomina. A que está vencendo é a que concebe a jurisdição como um poder-dever do estado, conjugando as duas.

 

Equivalentes jurisdicionais

O que se assemelha à jurisdição? Arbitragem, mediação e transação. Há mais exemplos, mas que não serão tratados aqui. A transação é espécie de qual gênero? Autocomposição. E o que é mesmo autocomposição? Quando as partes, por si mesmas, resolvem a lide. Por fazer isso, elas aplicam o ordenamento jurídico ao caso concreto. Eles reconhecem os direitos e obrigações mutuamente. Essa solução é lícita e prevista em lei.

Na arbitragem, que talvez seja a mais importante das espécies de equivalentes jurisdicionais, discute-se se ela é de fato uma forma de jurisdição, já que se resolvem as lides por terceiros, particulares. A doutrina majoritária, entretanto, tem entendido que é sim, porque aplica, da mesma forma, o ordenamento jurídico aos casos concretos. Então decide-se que tais lides serão resolvidas não perante o Estado, perante o judiciário, mas perante um particular autorizado por lei. Esse particular, que é o arbitro, reconhecerá o problema e adequará aquela situação ao ordenamento jurídico, pronunciando uma sentença arbitral. Note que antigamente se chamava acordo arbitral. Aproximava-se mais da transação. Agora a visão é outra, se aproximando muito mais da jurisdição. Pode-se recorrer das decisões arbitrais, de acordo com a lei de arbitragem (Lei 9307/96). É um processo próprio. Mas não é nosso objeto. Só devemos ter em mente que é o poder do estado sendo exercido pelo particular.

 

Elementos da jurisdição

As nomenclaturas foram postas para não estranharmos. É tudo pura lógica, apesar dos nomes em latim.

  1. Notio: conhecer a causa. Parece com noção. Conhecimento da lide, do problema, dos fatos e das provas.
  2. Vocatio: intimar, citar alguém para que compareça em juízo.
  3. Coertio: fazer acontecer as determinações da justiça.
  4. Iudicium: a função básica, elementar: julgar.
  5. Executio: tornar obrigatório, efetivar, dar satisfatividade. Fazer cumprir a sentença. É uma característica essencial na jurisdição: substituir a vontade das partes. Não interessa se a parte obrigada não quer pagar uma dívida pleiteada em ação ajuizada.

 

Princípios da jurisdição

Esta parte é fundamental. São os princípios que orientarão a jurisdição. É o controle, os freios da jurisdição.

  1. Princípio da investidura: somente a pessoa investida de poder jurisdicional poderá exercer a jurisdição. Juiz, desembargador, ministro do superior tribunal de justiça estão investidos.
  2. Princípio da aderência ao território: a pessoa que recebeu o poder do estado o exercerá dentro de um determinado território. O juiz brasileiro tem competência para atuar dentro do país. A circunscrição judiciária no qual os juízes do DF podem exercer o Direito é apenas aqui no DF. Daqui sairá a noção de competência, que veremos no futuro. Deriva deste princípio.
  3. Princípio da indelegabilidade: o juiz não pode delegar para outrem um poder que é seu. O poder é dele, exclusivo dele.
  4. Princípio da indeclinabilidade: não poder se abster de julgar. Não existe mais non liquet (abstenção de julgamento na ausência de norma que disponha sobre o assunto). Inciso XXXV do art. 5º da Constituição.
  5. Princípio da inércia: O juiz fica inerte até que seja provocado para agir. Essa provocação é feita pelo meu direito subjetivo de ação.
  6. Princípio do impulso oficial: é do ofício das funções do juiz continuar movendo o processo uma vez que ele tenha saído da inércia. Há exceções para isso, entretanto. No Direito Penal, há o habeas corpus. O próprio juiz pode determiná-lo de ofício, sem provocação. No Direito Trabalhista, no processo do trabalho, há a execução de ofício. No âmbito do Direito Civil: inventário. Quando há a abertura da sucessão? Quando o sujeito morre. Então, quem pode iniciar o processo de inventario? O cônjuge supérstite. Se não o fizer, até a Fazenda Pública poderá fazê-lo. Se não, o juiz o fará de oficio. Note que o juiz pode se oferecer para dar prosseguimento à ação, pois já se saiu da inércia. Não pode o juiz, entretanto, dizer: “vamos ajuizar uma ação?”
  7. Princípio do juiz natural: é o único não tão intuitivo. Todos nós temos direito a um julgamento por alguém imparcial e independente. O juiz não pode ser amigo íntimo nem inimigo capital de uma das partes. Logo, qualquer circunstância que vicie o julgamento, quer seja por impedimento, quer por suspeição, em que ele é amigo ou inimigo de uma das partes. Um exemplo de impedimento é a possibilidade de, em primeira instância, o juiz condenar um sujeito. Ele recorre ao Tribunal do estado, numa apelação que levou alguns meses para ser distribuída. Foi exatamente o tempo em que o juiz que o condenara ter sido promovido a desembargador. É possível que o processo caia novamente nas mãos dele, mas o agora desembargador já havia apreciado o caso, e a decisão dele já é conhecida, logo por que ele julgaria de forma diferente? É possível, mas seria difícil. Inclusive isso faria com que o ato de recorrer perdesse sua própria razão de ser. É um vício, portanto, e o vício estraga a jurisdição. Logo o ato de dizer o direito foi nulo.
  8. Princípio nula poena sine iudicio: sem julgamento, sem pena. O mesmo para processos sem o devido processo legal. Se for o caso, dizemos que nem houve julgamento. Se algo faltar, como até mesmo a citação valida no princípio do processo, pode-se anular o julgamento inteiramente. É importante que os advogados diligentes observem este princípio.

A desobediência a qualquer um desses princípios jogará o processo inteiro no lixo.

Esta é a prova de que a jurisdição é a base de todo processo. Tudo se baseará nela. Logo esses são os princípios mais elementares de processo.