Teoria Geral do Processo

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



Primeiras Idéias sobre o Processo

Tópicos:

  1. Introdução e revisão da aula passada
  2. Conceituando o processo
  3. Panorama histórico do processo
  4. Elementos fundamentais da Teoria Geral do Processo

Introdução e revisão da aula passada

Lembramos em função de que acontece o processo? Hoje vamos ter uma idéia disso.

Temos uma quantidade limitada de bens no mundo. Portanto temos necessidades e utilidades. De acordo com a utilidade ou necessidade desses bens, nutre em nós os interesses. É nesse momento que surgem os problemas. Os bens são escassos, logo surgirão vários interesses que concorrerão sobre um mesmo bem. É o conflito de interesses. Isso já representa o início de um problema. Ainda não é, necessariamente, é um problema que interessa ao Estado.

Esses problemas são de dois tipos: subjetivos e intersubjetivos. Qual a diferença? No primeiro temos o próprio sujeito em conflito com ele mesmo, o que é comum. Com interesses nossos em conflito, temos que fazer escolhas, que, por enquanto, não interferirão na vida das outras pessoas. O problema se agrava quando temos um interesse que se conflita com o de outro sujeito. Como isso acontece, normalmente? Se temos um mesmo interesse sobre um mesmo objeto, a situação se agrava, pois temos uma pretensão e o outro também: pretensão, como vimos, é quando queremos que o nosso interesse se sobreponha ao da outra parte, e vice-versa. Está criada a lide. Então, o que fazer? Ou chegamos a um acordo apenas entre nós dois, ou precisaremos de terceira pessoa para resolver. Dentro dessas duas vertentes, sendo uma a que nós mesmos resolvemos o problema e a outra colocar na mão de uma terceira pessoa, temos, relativamente à primeira, duas opções:

Auto, como já sabemos, quer dizer "por si mesmo". Os termos acima têm o mesmo radical.

Vamos por partes.

Autodefesa: quando o indivíduo se utiliza de sua própria força para fazer valer sua pretensão. Isso é permitido em nosso ordenamento jurídico, mas apenas excepcionalmente. Legítima defesa, por exemplo. É uma forma de autotutela. É usada para substituir o papel do Estado quando a agressão é atual ou iminente e a intervenção do Estado não chegaria em tempo. Aqui, admite-se que o indivíduo aja em nome do Estado para resolver sua pretensão. Porém, os exemplos que temos de autodefesa ou autotutela são exceção em nosso ordenamento.

Autocomposição: primeiramente, o que é composição? Solução, resolução. Isto é, compor, resolver o problema. Quando a pretensão é resistida, temos uma lide. Ao ter uma composição, temos uma lide. Não necessariamente precisaremos de uma terceira pessoa para resolver isso. Há três formas de resolver um conflito depois de ele já ter se tornado intersubjetivo:

  1. Acordo: no Direito, chamamos de transação. Cada um abre mão de algo e faz uma concessão ao outro.
  2. Renúncia: é, para o Direito, a desistência. Uma das partes abre mão integralmente de sua pretensão.
  3.  Submissão: uma das partes, mesmo ainda acreditando que o direito é dela, submete-se por algum motivo. Ninguém é obrigado a exercer o seu direito. Diferente da renúncia, que é mais radical. A submissão pode ser temporária.

Segunda vertente:

Qual a diferença desta para a anterior? É que agora há uma terceira pessoa, que funciona como mediadora. Aqui surge a arbitragem e o processo. O sujeito deverá escolher qual via seguir. Qual a diferença entre a arbitragem e o processo? Está na intermediação: o processo é intermediado pelo estado, enquanto a arbitragem não, mas por um particular, um especialista no assunto. Note que a arbitragem também possui seu devido processo legal.

Vejamos melhor o processo: sobre ele, há duas teorias:

E quanto ao objetivo, o escopo do processo? Antes disso, preste atenção neste detalhe: há quem chegue ao oitavo semestre ainda sem saber o que é "subjetivo" e "objetivo". Quando falamos qualquer coisa sobre o ponto de vista subjetivo, estamos falando de sujeito. Leva em consideração o sujeito, por isso, subjetivo! Simples assim. Por outro lado, quando falamos no ponto de vista objetivo, dizemos que esse ponto de vista desconsidera o sujeito. Veremos isso inclusive em Direito Civil, quando virmos o Direito de posse. Lá haverá duas teorias, a subjetivista e a objetivista. Uma considera o sujeito, outra considera a lei. Então, teremos lá duas teorias olhando para o processo sob dois pontos de vista diferentes. Um objetivo, que coloca a lei em primeiro plano, desconsiderando o sujeito, e o ponto de vista subjetivo, em que se considera especificamente o sujeito. Essa teoria busca resguardar, tutelar o direito do sujeito. É apenas uma diferença de perspectiva. Mas o que vem a ser processo?
 

Conceituando o processo

Já vimos que é uma forma de resolver as lides. Antes de conceituar, outro lembrete: temos uma dificuldade natural de conceituar as coisas. E nem mesmo “conceituar” nós sabemos o que é direito. Conceituar não é dar exemplo. É trazer, em modo objetivo, o conjunto de características daquilo que se tenta conceituar, os pontos característicos daquilo. Vamos, então, conceituar o processo. Podemos, primeiramente, entendê-lo como "meio jurídico à disposição do sujeito de direito para solucionar conflitos de interesses, ou lides." quanto mais técnico, menos precisamos falar e mais estamos dizendo. A lide, por sua vez, é denominada pelo "conflito formado entre dois sujeitos por uma pretensão resistida". Vocês concordam que o processo cria uma relação entre pessoas? Pois então, ele pressupõe uma relação jurídica entre elas. Chamemos de A o autor, R o réu e J o juiz.

relação jurídica

A se relaciona com R por intermédio de J, que está ali em nome do Estado. Por isso que vemos em algumas obras: o "Estado-juiz". Ocorre assim: A, que já estabeleceu uma relação social com R (0), sem ter aquele tido sucesso em resolver seu problema com este por simples transação, provoca J (1), contando sua história a ele, que em seguida cita R (2). R conta sua versão a J (3), que mostra aquela versão para A (4). Vimos que forma-se um triângulo. Há uma relação entre todos esses sujeitos. Os números, obviamente, indicam a ordem dos acontecimentos, e o número 0 foi escolhido para a relação preexistente entre A e R, antes que A provocasse o Judiciário. Essa relação interessa ao Direito, portanto se trata de uma relação jurídica. Se é uma relação jurídica que tem por finalidade resolver a lide, então podemos dizer que se trata de uma relação jurídica processual. Relação jurídica processual = processo! Assim, podemos dizer que “o processo é a relação jurídica entre os sujeitos processuais com a finalidade de atuar a jurisdição.” A jurisdição, do latim juris dictio, é dizer o Direito; aplicar o ordenamento jurídico ao caso concreto.
 

Panorama histórico do processo

Quando começou a existir o processo? Há muito, muito tempo. Em Roma já havia uma forma bem desenvolvida de processo. As partes tinham direitos e obrigações. Esse é um dos motivos de dizer que o Direito Romano é o ancestral do nosso Direito Civil. As partes têm direito de ser ouvidas pelo juiz e, mais que isso, ter sua lide analisada e resolvida por ele. Isso é inclusive um princípio constitucional. Art. 5º, inciso XXXV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;


É o princípio da indisponibilidade da jurisdição. Trata-se ao mesmo tempo de um poder e um dever do Estado. “Indisponibilidade” é sinônimo de indeclinabilidade (que é o termo mais técnico.)

Em Roma já havia o processo, mas o império foi invadido e caiu. Os bárbaros invasores tinham outra cultura, basicamente de tradição oral e completamente diferente da romana. Por isso dizemos que determinado crime foi "bárbaro"; esse era o termo usado pelos romanos para designar a falta de civilidade dos estranhos. A resolução dos conflitos, nos reinos bárbaros, era com base num conteúdo místico-religioso: eram os ordalhos. Tudo era simples, a religião era animista, e tudo era considerado culpa dos deuses. Mas Roma já estava acostumada com o sistema, e, obviamente, rechaçava qualquer outro meio de resolução de conflitos, mesmo o dos invasores, que inclusive era mais simples. Até mesmo a Igreja resistia a isso, pois ela não via Deus por essa perspectiva dos bárbaros, como "provedor de toda a cólera". Assim, a Igreja trouxe o Direito Romano Canônico em resistência ao Direito bárbaro.

Mais adiante, depois do início das Universidades, já se estudavam as relações jurídicas. O processo comum medieval é resultado do trabalho dos glosadores. Alguns passos foram dados ao longo dos séculos:

  1. Escola judicialista: estudava o processo. Depois isso desenvolveu para caracteristicas mais simples. Usando-se, principalmente, a práxis...
  2. Praxismo: consistia no uso de métodos costumeiros.
  3. Procedimentalismo: quando o homem começa a pensar mais profundamente a respeito de qualquer coisa. É quando surge a ciência. Os pontos de vista são colocados, em forma de tese, antítese e síntese, resultando na práxis sendo questionada: "não seria melhor fazer assim?" - pergunta-se. Aqui se criou uma forma de trabalhar com o processo, até que se chegou ao...
  4. Processualismo científico: cada procedimento é estudado com o fim de aprimorá-lo, etapa por etapa.

O processo é uma ciência autônoma, estudada independente do Direito material. É por esse motivo que é possível mudar o Código Civil sem se alterar nada no Código de Processo Civil. O princípio da indeclinabilidade é essencialmente processual, porque está falando exatamente de jurisdição.
 

Elementos fundamentais da Teoria Geral do Processo

Uma última coisa que vamos falar: a Teoria Geral do Processo tem um fundamental central, baseado em três elementos: processo, jurisdição e ação. É o tripé de sustentação da Teoria Geral do Processo. Veremos isso a partir da próxima aula.