A trilogia estrutural do processo
Introdução e um pouco de história
Na aula passada, vimos a evolução histórica. Tínhamos o processo já em Roma. Por que podemos afirmar isso? Porque havia os elementos essenciais do processo: conjunto de direitos e obrigações entre sujeitos e era o Estado quem acabava resolvendo o litígio. Por mais que o procedimento fosse diferente, já havia o processo. Depois veio a invasão Bárbara, povos que jogavam para Deus a resolução de tudo. Mas a Igreja resistia a essa invasão e caracterização de Deus como destruidor de vidas, então se criou o Direito Romano Canônico em resposta. Em seguida, com a instituição das Universidades e com o trabalho dos glosadores, instituiu-se o processo comum medieval. Havia a praxe, que significava simplesmente resolver as coisas pela praxe, costumes, sem questionamentos. É o praxismo, que começa, com o tempo, a ser questionado. “Por que é assim? Porque não fazemos de modo diferente?” Passou-se que questionar o procedimento. Isso se chamou procedimentalismo.
Qual a origem disso? Instituiu-se, à mesma época dos glosadores, a ciência do processo, que visava, além de descrever o processo, também ver sua origem: era o processualismo científico.
Mas qual é o motivo de tudo isso? Do que lembramos quando falamos em processo? Quem são os sujeitos processuais? Autor, juiz e réu, conforme esquema visto na aula passada. Então, existe aquele conjunto de obrigações entre eles. Esse é o processo. Também falamos na independência do processo, ou pelo menos da ciência que o estuda, em relação à ciência que estuda os outros ramos do Direito, especialmente o Direito Material. Vimos as correntes dualista e monista.
A autonomia dessa ciência processual se deu com o estudo de Oskar von Bülow. Dentro do Direito, temos coisas diferentes. Mas tudo está ligado! É o objeto de estudo é diferente. Um, por exemplo, estuda se determinado sujeito tem direito ou não àquela propriedade, enquanto o outro estuda a forma de resolução dos problemas que ele possa vir a ter em relação àquela propriedade. Existe correlação? Sim. Mas cada uma delas estuda algo diferente, então há uma base principiológica diferente. Um dos princípios é o da indisponibilidade, aquele enumerado no inciso XXXV do art. 5º da Constituição. O que é isso? O Estado não pode se declinar de sua função jurisdicional. É mais que mero poder do Estado, é também um dever dele. Então, falamos inclusive que a jurisdição é um “poder-dever” do Estado. E a jurisdição, por sua vez, o que é? É Aplicar o ordenamento jurídico aos casos concretos. Juris dictio. Tarefa exclusiva do Estado, a rigor. “A rigor” porque existe também a arbitragem. Entretanto é o próprio Estado, por lei, que a autoriza.
A função jurisdicional é do Estado, que delegou a um particular ao criar a arbitragem. Ele pode acabar com ela quando quiser. E outra coisa: a jurisdição é exercida por qual órgão? Pelo Poder Judiciário. Temos os três poderes. Legislativo, Executivo e Judiciário. Legislativo é o que cria o Ordenamento. O Executivo faz acontecer, executa, administra. O Judiciário soluciona os conflitos que venham a ocorrer. Mas isso significa que podemos dizer que o Judiciário apenas julga? Ou também posso dizer que ele também executa e legisla? Sim, posso, apesar de essas não serem a função precípua do Judiciário. O Executivo também legisla e julga, com os processos administrativos, commo no caso de uma falta de um servidor público. A mesma coisa para o Legislativo, que pode determinar se algum parlamentar será cassado.
Então, todos os três poderes exercem os três poderes. Mas somente um poder específico caracteriza esse poder: a jurisdição é tarefa precípua do Judiciário.
Então, dizemos que a jurisdição é monopólio do Estado.
Entretanto, na Roma antiga a visão que se tinha tanto do processo quanto do Estado era diferente da que se tem hoje. Antes, a visão genérica era algo contratual, como se determinado sujeito sempre tivesse pactuando com outro alguém. Não é assim que acontece nos contratos? Se eu quero realizar um negócio jurídico com alguém, estabelecemos uma relação contratual. Essa era a visão que se tinha do processo na época, como se as duas partes sempre pactuassem: vamos entregar nosso problema para o Estado resolver. Mais ou menos como acontece com a arbitragem hoje. Entretanto hoje a arbitragem não é intermediada pelo Estado, mas por um particular. A visão, naquela ocasião, era privatista. As partes, privadamente, resolviam o problema. Alguns chamam isso de “relação quase contratual”. Hoje, o acesso à jurisdição é um Direito subjetivo público. É essa a visão moderna: publicista.
Lembrando que esta é a matéria
mais importante do curso de Direito, pois é com este conhecimento que teremos a
força para fazer cumprir nossos direitos. Então, não interessa ter o Direito
Material sem ter como fazê-lo valer. Por isso que,
nessa visão, o processo é importantíssimo. E quando falamos em Teoria Geral do
Processo, falamos exatamente da base de tudo isso. Não de qualquer processo em
particular, não do Processo Civil ou do Processo Penal, mas de todos. É a base
de todas as disciplinas de processo que estudaremos neste curso. É o fundamento
do fundamental. A base será, portanto, o que chamamos de...
Mas precisamos, agora, ver o que vem a ser ação. Não falamos que a jurisdição é um poder-dever do Estado? Se é dever, é automaticamente direito de alguém. De quem? Nosso, é um Direito subjetivo. Logo, a natureza da ação é “direito”. Por isso que não “entramos com ação” nenhuma, como vemos no linguajar midiático. Em vez disso, dizemos que ajuizamos o direito, portanto o termo certo é ajuizar uma ação, ou então “ajuizar um pedido de liminar”. Mas que tipo de direito? É um Direito subjetivo público. A jurisdição é uma questão pública. Logo a ação é um Direito subjetivo público! Mas de que, de fazer o que? De resolver a lide! Resumindo, a ação é um Direito subjetivo público de provocar a jurisdição, ou de fazê-la atuar, com o fim de se resolver determinada lide.
E a jurisdição, o que é mesmo? Aplicar o ordenamento jurídico ao caso concreto. Pois bem, e como a jurisdição irá atuar? Por meio do processo, que por sua vez é aquela relação jurídica entre sujeitos processuais constituindo direitos e obrigações s com a finalidade de compor a lide. Compor, aqui, significa “resolver”.
Esta é a concepção mais
importante, fundamental e elementar do processo. Por isso, trilogia estrutural.
É com essa estrutura de ação, jurisdição e processo que vamos entender o
Direito Processual. Ele é composto estruturalmente por esses três
elementos. Vamos começar a estudar agora
cada um deles. Quais são as ramificações, os princípios, as regras de cada um
deles?
Digamos que Isabella, dona de uma bolsa, a tenha vendido para Rebeca, numa relação de compra e venda. Uma lide surgiu porque Rebeca teria que pagar três parcelas de R$ 100,00 mensalmente, todo dia 10 e, ao final do pagamento da última parcela, Isabella teria que lhe entregar a bolsa, mas ela não quer entregar. Pronto: uma resiste à pretensão da outra. Uma quer a bolsa, enquanto a outra não quer entregá-la. Então, elas mandam o Estado resolver o problema. Rebeca ajuíza uma ação contra Isabella. Como ela vai fazê-lo? Exercitando o Direito subjetivo público dela: o direito de ação. Mas Isabella também poderia pleitear na algo na Justiça? Sim, ela também tem um interesse! Por isso que o contrato é chamado de bilateral. Ambas tinham obrigações e direitos. Ou seja, qualquer uma das duas que entender que o acordo não foi cumprido já pode provocar o judiciário. Isabella, por sua vez, poderia entender que Rebeca não pagou a quantia acertada, ou na data prevista.
Usando o esquema A-J-R, quem é quem, neste caso? Qualquer uma das duas pode ser autora da ação. Não podem, entretanto, ser ambas autoras ao mesmo tempo. Cuidado com a mania de menosprezar os detalhes. Em regra, os detalhes são fundamentais; são exatamente eles que dão o discernimento entre duas coisas. Em regra, todos os detalhes são fundamentais. E mais: se quisermos nos destacar em qualquer área da nossa vida, quanto maior for o domínio da maior quantidade de detalhes, assim nos destacaremos.
Então, qualquer uma pode ser autora. E ré? Qualquer uma também, a depender de quem ajuizou a ação primeiro.
É nessa hora que percebemos que,
para exercer o direito de ação, precisamos satisfazer algumas condições. Quais são
elas?
Condições necessárias para a ação
Primeiramente, é necessário ser titular de um direito, e esse direito deve estar sendo ameaçado ou massacrado por algum problema. Esse direito do qual você é titular é um direito material.
No caso das duas, quem realizou o negócio jurídico? Ambas. Poderia vir Jessica a pleitear a bolsa da Isabella? Claro que não. Ela seria parte ilegítima, pois não é titular de direito nem obrigação nenhuma nesta situação. Apenas Rebeca e Isabella têm legitimidade. Portanto, podemos dizer que a primeira das duas condições é a legitimidade “ad causam” (legitimidade para a causa).
Há duas legitimidades. Quais são? Uma para o autor, outra para o réu. Então, temos a legitimidade ad causam ativa e a legitimidade ad causam passiva. Quando falamos da ativa, dizemos que aquela pessoa é titular de um Direito Material e pode ajuizar uma ação para garantir o seu direito. Viu como a tecnicidade ajuda? Apenas com o termo “legitimidade ativa” dizemos tudo isso, e falamos muito pouco.
O legitimado passivo é aquele que faz parte da relação jurídica, discute algum direito ou obrigação, mas está na posição defensiva e figura como réu.
Ilegitimidade passiva é alegada por quem não tem nada a ver com o negócio jurídico feito pelas outras partes. Se uma das duas ajuizar uma ação contra Jéssica a respeito da bolsa, ela pode alegar ilegitimidade passiva, pois não é titular de nenhum direito nem obrigação nesta jogada.
Passado isso, o que mais tem que ser satisfeito para poder-se exercitar o direito de ação? A licitude do objeto! Suponha que Rebeca e Isabella tenham criado uma rinha de galo. Tal prática é permitida pelo nosso ordenamento jurídico? Não. Então, é necessária uma possibilidade jurídica. Entretanto podemos começar ajuizando uma ação de débito de dívida de Poker, pois o Direito subjetivo público é abstrato! Portanto, o direito de ação é independente da existência ou não de um direito material. O pedido tem que ter amparo do ordenamento jurídico para poder prosperar.
Por último, é necessário que haja o interesse de agir (interesse processual). Digamos que Ícaro e o professor realizaram um negócio jurídico de compra e venda da caneta de quadro. Ícaro pagou a quantia acordada, e o professor não se recusa a entregar nem reivindica mais a propriedade da caneta; em outras palavras, ele não nega que a caneta seja, agora de Ícaro. Mas nada estava previsto, no acordo, em relação às circunstâncias da entrega do bem. Ícaro exige o produto, mas o professor responde: “sim, pode vir buscá-lo, ele está aqui, guardadinho para você”. Note que, para resolver este problema particular, o Estado não é nem necessário.
Um outro exemplo, ainda mais claro: houve um caso em que o um cliente de determinado banco queria seu extrato bancário, e o queria incondicionalmente. Ele ajuizou uma ação contra o banco. O advogado de defesa do banco imediatamente incluiu, na petição da defesa, o seguinte: “Preliminarmente, a parte acusadora não satisfaz aos requisitos necessários para se ajuizar uma ação.” No caso, faltava-lhe exatamente o interesse de agir. Por quê? Porque a questão do extrato poderia ser mais facilmente resolvida, sem a intervenção do Estado. O cliente poderia ir ao terminal de auto-atendimento e tirar o extrato, ou então, caso houvesse algum problema técnico, que ele fizesse um requerimento pedindo o extrato num prazo de 5 dias úteis. Se assim fosse, então sim, já poderíamos dizer que o correntista passou a satisfazer esse terceiro requisito, que é o interesse de agir. Note que o banco não estava se recusando a entregar o extrato. Se houvesse problema técnico nas máquinas e o requerimento fosse ignorado, então o Estado seria necessário pois ficaria clara a não intenção do banco de cooperar. O Estado teria que entrar para substituir a vontade do banco.
Essas três condições devem ser a
primeira preocupação do autor e a primeira preocupação do réu. O sujeito acima
acabou pagando as custas processuais e honorários. Não era o caso, mas ele
poderia até ter o direito material! Portanto, infeliz é seu advogado, que
falhou logo nessa parte tão básica e inicial de um processo.
Resumindo, portanto, as condições são: