Teoria Geral do Processo

segunda-feira, 16 de março de 2009

Competência



Tópicos:

  1. Introdução
  2. Territorialidade
  3. Critérios
  4. Critério funcional
  5. Critério territorial
  6. Competência absoluta e competência relativa

Introdução

Já comentamos sobre a jurisdição. O que é? Poder-dever do Estado de aplicar o ordenamento jurídico ao caso concreto. É o poder do Estado. Ele age sozinho? Não, ele tem que fazê-lo por intermédio das pessoas. Essas pessoas é que representarão o Estado; elas serão o próprio Estado, aplicando o ordenamento jurídico. O Estado não teria como fazer isso senão por intermédio de alguém.

Como o Estado pratica atos? O Estado é um fenômeno jurídico. Então, isso tem que ser materializado: por intermédio de seus prepostos, que, nesse caso da jurisdição, é o juiz. Por isso chamamos de Estado-juiz: o Estado dizendo o Direito.

Mas, quando falamos em jurisdição, falamos em algo amplo. Então, toda matéria penal, eleitoral, cível, todas estão dentro da jurisdição. É difícil para uma pessoa só dominar toda essa gama de conhecimento. Portanto, o que se fez foi repartir a jurisdição. Assim, criamos “pedaços de jurisdição” chamados de competências. Competência é esse pedaço delimitador da jurisdição.

Quando dizemos que alguém é “incompetente”, a concepção é outra, talvez estejamos nos referindo a uma pessoa relapsa. Mas aqui é outra: o juiz criminal não possui jurisdição civil. Juiz federal não possui jurisdição comum. Logo, a área de atuação do juiz foi delimitada. Como? Criando sua faixa de jurisdição, denominada competência. Então, ele só possui esse poder-dever de dizer o Direito chamado jurisdição naquele pedaço, naquela esfera de competência.

Portanto podemos dizer que a competência é derivada da jurisdição. Quem teve essa idéia foi Enrico Tullio Liebman (1903 – 1986) diz que a competência é uma medida, uma fatia da jurisdição.

Pressuposto de validade do processo: simples entender: seria válido um processo criminal processado por um juiz cível? Claro que não. Justamente pela falta de competência. Em outras palavras, por falta de jurisdição: poder-dever de aplicar o ordenamento jurídico ao caso concreto penal. Falta-lhe, portanto, jurisdição criminal. Então, aquele juiz só é competente dentro de sua fatia de jurisdição. Ao atuar fora, ele não mais possui o poder do Estado. Seria um atentado ao princípio da investidura. Como é pressuposto de validade, o processo foi todo invalidado.

Dois detalhes importantes. Veremos que existe uma classificação dessa competência. Há espécies de competência que são absolutas, já outras são relativas, voláteis. Outro ponto: quando falamos em validade do processo, falamos em validade dos atos decisórios. Então o processo que foi todo feito, e está no segundo grau, e lá se verifica que o juiz era incompetente, todos os seus atos decisórios serão invalidados. É que notou-se que ele não poderia decidir. Os atos administrativos, Entretanto, são aproveitados, pois não são de natureza decisória, e não necessitou jurisdição. O que puder é aproveitado em virtude do princípio da economia processual.

 

Territorialidade

Simples. Temos uma visão externa e uma interna.

Externa: não falamos de jurisdição, que decorre da soberania? Então temos uma jurisdição interna e uma externa. Quem diz o Direito lá fora? Os juízes de lá. E, dentro do território nacional, temos uma repartição: federal e estadual. O nosso Estado, como vimos em Direito Constitucional, é um Estado federativo. Isso significa que ele é repartido em União, estados e municípios.

Não temos os órgãos da União? Sim, também dos estados. Há os poderes da União e dos estados. Daí a territorialidade federal e estadual. Território do estado e da União. A competência dos juízes federais está no art. 109 da Constituição.

O juiz de SP só tem competência para julgar em SP, não em Brasília, em função da territorialidade interna. Ele ficou circunscrito ao território de São Paulo.

 

Critérios

Critérios de separar a competência. Como podemos repartir o bolo? Simples também: com critério objetivo, pela matéria: cível, penal, trabalhista, eleitoral, e assim sucessivamente. Então, como o critério é de acordo com a matéria que está sendo discutida, chamamos isso de ratione materiae: “em razão da matéria”.

Em razão do valor: depende do valor. Não falamos na aula passada sobre os Juizados Especiais? Qual a competência dos Juizados Especiais Cíveis? Causas de até 40 salários mínimos. Podemos levar uma causa maior para o Juizado Especial Cível? Sim, desde que nos abdiquemos do valor excedente. Por quê? Isso é uma abdicação tácita, porque sabemos que a competência do Juizado Especial é só de até 40 salários. Então ele não tem jurisdição, não tem competência para poder condenar acima de 40 salários. Logo, se escolhemos o Juizado Especial, estamos automaticamente abrindo mão do valor que exceder os 40 salários mínimos. Então isto é flagrantemente o critério de separação de competência em razão do valor da causa.

Em razão da pessoa: temos as pessoas físicas, as pessoa jurídicas e as pessoas especiais. Há vários tipos de pessoas criadas ou tratadas pelo Direito. Não falamos agora pouco dos organismos da União, dos estados e dos municípios? Podemos, por exemplo, ter uma autarquia federal e uma distrital? Sim. Essa autarquia federal tem personalidade jurídica? Claro, ela é uma pessoa jurídica. A autarquia distrital também, portanto ela também é uma pessoa. Percebam: se há uma ação contra mim, pessoa natural, usa-se a justiça comum, estadual, cível se for o caso. Se temos uma ação contra uma autarquia distrital, não será uma vara cível comum, pois foi repartida a competência.

A organização judiciária do DF criou uma vara especializada para cuidar das pessoas jurídicas distritais: Vara da Fazenda Pública. Então, a ação será julgada por um dos juízes da Vara de Fazenda Pública. Se, no entanto, estamos ajuizando uma ação contra uma autarquia federal, não será nem a Cível do DF nem da Fazenda Pública do DF. Não é componente da União? Então, será de competência da justiça federal. A pessoa que está sendo processada é que delimitará a competência.

Volte ao esquema A-J-R (autor, juiz e réu). Se uma delas for integrante da União, então a ação será processada na justiça federal. Se uma delas for autarquia distrital, será na vara de fazenda pública do TJDFT. Se for uma pessoa natural daqui, será numa das Varas Cíveis daqui. Então, a competência é partida em função das pessoas envolvidas na relação jurídica.
 

Critério funcional

Nesses concursos e nas provas da Ordem, a diferenciação pelo critério funcional e pessoal é a que traz a maior possibilidade de erro. Vamos comparar, portanto, o critério pessoal acima com a o funcional.

Qual a diferença entre eles? O funcional vem de função, a função exercida. Quem está exercendo uma função quando aplica a jurisdição? O juiz, o magistrado. É ele que a desempenha, então é para ele que olhamos quando separarmos a jurisdição. Quando tratávamos do critério pessoal, estávamos, dentro daquele esquema A-J-R, cuidando de A ou R. Ao falar na divisão funcional, cuidamos de J. Por exemplo: ajuizamos uma ação perante a 1ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, e o juiz sentenciou. Podemos recorrer? Podemos. A partir do momento em que recorri, o juiz competente continua sendo o mesmo? Não, agora é o Tribunal de Justiça. O de primeira instância já cumpriu sua função. Agora, o recurso deve ser apreciado pelo Tribunal, o órgão colegiado. Ele que terá, a partir de agora, a competência para analisar, processar e julgar o meu recurso. Notem que aqui são funções diferentes. Por isso, critério funcional.

Agora que entendemos o que é um e o que é outro critério, percebam onde incidem as pegadinhas: suponha um Ministro de Estado que exerce uma função comissionada, ou uma função na Pasta da Fazenda. Pode ele ser alvo de uma ação? Sim. Qual é a função dele? Regular e estabelecer as regras da nossa economia. Esse critério de fixação da competência é funcional. Falso ou verdadeiro? Falso, pois foi em razão da pessoa do ministro. Não é o Guido ou o Antônio que está lá. O que interessa é a pessoa do ministro. Isso, então isso é fixação da competência em razão da pessoa. Portanto dizemos que, neste caso, R = M (M de ministro). O foco continua na pessoa. Portanto, a regra é: se entendemos na perspectiva do julgador, o critério é funcional. A pegadinha está em: "função que o secretário de saúde do GDF exerce". Quem o julgará não será ele mesmo, mas um juiz, mas não estamos preocupados, neste momento, com quem o julga, mas sim com quem está sendo julgado, por isso pessoal. O que interessa aí é a pessoa do secretário. Agora, depois que tivemos a ação julgada, podemos levá-la para o segundo grau. O Tribunal apreciará. Agora, de quem é a competência para julgar o feito? Do Tribunal. Essa fixação de competência para o recurso é critério funcional. Estamos, agora, trabalhando com os julgadores. O critério pessoal são as partes, enquanto o critério funcional são os julgadores. Portanto, muito cuidado com a palavra função, que pode ser empregada para nos confundir.

Este é o critério funcional de separação da competência.
 

Critério territorial

Como funciona? De acordo com aquele território. O juiz de Brasília só tem competência aqui. O estado de São Paulo não deu para um juiz de Brasília a jurisdição, não o investiu do poder de dizer o Direito lá em São Paulo. Isso significa que o juiz brasiliense não tem aquela fatia de jurisdição em SP, só aqui. Sendo em função do território ou local, damos a isso o nome de ratione loci.
 

Competência absoluta e competência relativa

Absoluta: o próprio nome já diz: só serve ela. Então, se aquela competência é absoluta, em razão da matéria, se for penal, um juiz cível não poderá processá-la. Isso significa que a competência em razão da matéria é absoluta. Juiz que migra de função dentro de uma repartição perde a competência anterior e assume a nova (é investido dela); então dizemos que ele será investido da nova. A competência absoluta é inderrogável. A competência em relação à matéria, pessoal e funcional são absolutas, portanto inderrogáveis.

As relativas são prorrogáveis. Prorrogação de competência: o que vem a ser isso?

Como a prorrogação ocorre? Simples. Quando há prorrogação no futebol? Há um período de jogo, de 90 minutos, e a prorrogação é um aumento do tempo. A competência aqui é o mesmo: um acréscimo. No futebol falamos de tempo, enquanto aqui falamos de competência. O acréscimo pode ser em relação ao valor ou ao território.

Se a competência for absoluta, em razão de ser de pessoa, de matéria ou funcional, a prorrogação está fora de debate. Por outro lado, se for uma questão territorial ou em razão do valor, acontecerá a prorrogação de competência. O juiz teve sua competência estendida, além dos limites originais. Mas se for em razão do território, há um regra básica em Processo Civil, sobre fixação de competência: devemos mover uma ação no domicílio do réu. Se o sujeito mora aqui em Brasília, o juízo competente é aqui de Brasília. Se morar no Rio, a ação tem que ser ajuizada lá. Mas veja bem: movi uma ação contra um carioca aqui em Brasília. A princípio, estaria errado, e o juiz brasiliense só teria competência aqui em Brasília. Mas o critério de fixação de competência quanto ao território é relativo. O juiz, até esse momento incompetente, já que o feito está fora de seu território, desde que o carioca não se queixe a respeito, a competência será prorrogada, e o processo será válido. Se ele reclamar, não haverá prorrogação de competência. Quer dizer: o processo é aberto aqui, e uma chance é dada ao morador do Rio para que conteste a competência do juiz brasiliense. Passado um prazo, a competência foi estendida ao juiz daqui, daí dizemos que ela foi prorrogada, e o processo valerá.

Depois de julgado, digamos que o sujeito seja condenado. Poderá ele pedir indenização por ter tido seu processo julgado aqui? Sim, a ser pedida aqui em Brasília.

Observação: prorrogação de competência e mudança de competência são coisas completamente diferentes. O juiz de primeiro grau que é promovido para o TJ não tem sua competência prorrogada, mas mudada.

Então, prorrogação de competência é acréscimo, aumento de competência. Aquele juiz que originariamente não era competente passa a ser. Na absoluta, não é nem necessário que o sujeito reclame. O juiz pode se declarar incompetente ex oficio: de oficio. O oficio dele é aplicar o Direito. Onde estão estabelecidas as regras de competência? Na Lei. Então mesmo que ninguém se manifeste, já faz parte do oficio do juiz se declarar incompetente. Se for matéria de ordem pública. A qualquer tempo ou grau de jurisdição. Isso por causa do pressuposto de validade do processo. Não interessa onde o processo estiver no momento em que se perceber. Portanto pode ser argüido em qualquer momento. Isso significa que num processo pode o juiz ter sua competência contestada tanto no princípio da ação quanto no momento em que ele ter sido enviado ao Supremo. Essa é uma competência relativa.

A competência relativa não é declarável ex oficio. Por fim, a absoluta é argüida em contestação, na defesa do réu. Ele pode fazer isso preliminarmente, antes mesmo de fazer sua defesa.

Exceção de incompetência: é a ferramenta própria que a parte pode usar para contestar a competência do juiz quando ela for relativa, já que há um momento certo para isso, e ela não poderá ser declarada ex oficio.

Quando falamos "em defesa do réu", há três espécies de defesa:

  1. Contestação;
  2. Reconvenção;
  3. Exceções.

A exceção pode ser de incompetência, que é a que acabamos de ver, ou de suspeição, como o caso possível que já abordamos em outras aulas, em que o juiz que é inimigo de uma partes e fere o princípio do juiz natural. Outro caso: o juiz recém-promovido, que passa a integrar a turma do Tribunal de Justiça que acaba de receber a apelação do sujeito que havia tido sua argumentação indeferida pelo juiz de primeiro grau.

Se matéria for de ordem pública, ¹ podemos questionar a competência a qualquer momento, inclusive preliminarmente. Se a competência for relativa, só se pode fazer num momento, que é o momento de defesa. Passou disso, prorroga-se a competência do juiz. E isso será feito por petição de exceção de incompetência. Fazem-se as duas paralelamente. Regra geral: art. 219 do CPC caso haja conflito de quem é o competente.

O professor adverte: prova e concurso cai muito esta parte do conteúdo.


Dica: essa matéria é uma das que mais pegam no exame de ordem e nos concursos do Ministério Público e magistratura: fixação de competências. Cuidado com isso, porque se pegarmos a idéia agora, ao chegar em Processo 1, onde vamos esmiuçar isso aqui, o resto será mole, só aprofundaremos. Não entender isto é se comprometer com o perigo.

Aviso: até agora, já se foram mais de 110 páginas de livro no conteúdo de Teoria Geral do Processo. Estas aulas, como advertiu o professor, são bem resumidas e ele já traz o conteúdo mastigado; a lógica dos conceitos entenderemos mesmo somente depois de ler a bibliografia.

  1. Até a palavra “pública”, a frase pode não estar 100% precisa. Cuidado.