Tópicos:
Vamos cuidar hoje de um ponto que é fundamental dentro dessa matéria que vem a ser o Processo e da Teoria Geral do Processo. Quando cuidamos de qualquer questão em Direito, onde buscamos as regras? No ordenamento jurídico. E o que o compõe? Os códigos e legislações esparsas. A CLT, por exemplo, foi criada para que as leis não ficassem espalhadas então foram consolidadas num único instrumento. É o que fazemos quando criamos um código. Não apenas os códigos, mas as leis de modo geral. Então vejam: quando estamos trabalhando com o Direito, buscamos na lei (em latu sensu) com o significado de norma. Se falamos lei em strictu sensu, estamos nos referindo apenas às leis ordinárias e leis complementares. Nesse sentido, Decreto não é lei, até porque o Decreto é ato do Poder Executivo. Também há o Decreto legislativo, criado para normas internas.
No sistema de tripartição de poderes, o Legislativo cria a lei strictu sensu para depois o Executivo regulamentá-la, isto é, como será cumprida, executada aquela lei, ou seja, de que forma o Executivo está se desdobrando para trabalhá-la. O Decreto pode dizer mais do que a lei? Não. O Decreto, portanto, vem para regulamentar a lei. Podemos dizer, então, que o Decreto é lei latu sensu. Leis strictu sensu são, como vimos, as Leis Ordinárias e as Leis Complementares.
Note que o Decreto não pode reduzir nem aumentar a lei; se o fizer, isso será uma inconstitucionalidade. Este assunto é importantíssimo porque o Executivo de fato cria coisas, por Decreto, que deveriam ser obra de lei. O mesmo costuma acontecer para remover ordens da lei.
Hoje em dia, com a Constituição de 1988, qual é a forma mais utilizada pelo Executivo para criar lei, no sentido amplo? Medidas Provisórias. São medidas urgentes, que não podem esperar por todo o trâmite legislativo da Lei Comum. Então, se há situações urgentes, o Executivo, na necessidade de atuar, edita uma Medida Provisória. Mas onde queremos chegar? Que o nosso instrumento de trabalho é a Lei! É a nossa ferramenta. Lei em latu sensu: todas as normas jurídicas, tudo que compõe o ordenamento. O ordenamento jurídico será como nossa caixa de ferramentas, partindo da Constituição Federal, depois para as Constituições Estaduais, até as Portarias das Secretarias.
Interpretação e classificação das normas
Será que sempre temos facilidade de ler o que está na Lei e saber aplicar? Geralmente não. Então, precisamos partir para o campo da interpretação. A interpretação normativa é algo fundamental. Tanto que, se não sabemos o que está escrito ali, não saberemos agir, não saberemos resolver problema algum. Isso é o mínimo que um operador do Direito deve saber fazer. Então, partimos das fontes, que são os direitos e obrigações, e chegamos à resolução dos problemas.
Então a norma jurídica processual, de acordo com Jeremy Bentham (1748 - 1832), se dívide em duas classes:
Há outra classificação das normas:
...essas últimas as usadas no Processo, perante a jurisdição. Também chamadas respectivamente de substanciais e processuais.
E, já que estamos falando de normas processuais e materiais, precisamos fazer o link deste raciocínio com o ordenamento brasileiro. No Brasil, temos as normas materiais nos códigos, que trazem as normas substanciais; no Código Civil, por exemplo, temos as obrigações, e, sendo obrigações de uns, são automaticamente direitos de outros. Então, alguém desrespeita o Código e precisamos da jurisdição para resolver esse problema que acaba de surgir. Temos essa ferramenta no Código Civil? Negativo. Precisamos recorrer, nesse caso, ao Código de Processo Civil. Como pudemos ver, temos o conjunto de normas que são de direito material e outro conjunto de normas instrumental.
Agora que enxergamos essa separação, podemos entender o que significam normas heterotópicas. Se vamos criar uma lei de Direito Civil, criaremos uma lei que alterará o Código Civil, e o mesmo para o processo. Muitas vezes, entretanto, o legislador altera o Código Civil mas incluindo nessa nova lei uma norma processual e vice-versa. Vamos ver, por exemplo, o art 890 do Código de Processo Civil:
LIVRO IV
DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS TÍTULO I DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIÇÃO CONTENCIOSA CAPÍTULO I DA AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida. § 1o Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994) § 2o Decorrido o prazo referido no parágrafo anterior, sem a manifestação de recusa, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994) § 3o Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, o devedor ou terceiro poderá propor, dentro de 30 (trinta) dias, a ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994) § 4o Não proposta a ação no prazo do parágrafo anterior, ficará sem efeito o depósito, podendo levantá-lo o depositante. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994) |
Note que tais regras foram acrescentadas pela Lei 8951/94.
O Código de Processo Civil é de 1973. Em 1994, o legislador acrescentou algumas normas a ele. Ao olhar esses parágrafos, vemos claramente que eles trazem normas de direito material, não de direito processual! Extrajudicialmente, não está buscando a jurisdição. Isso é que se chamam normas heterotópicas: que deveriam estar em outro diploma. Normas de direito material em leis de direito processual ou vice-versa.
Vamos ressaltar alguns detalhes: tudo que for processual é de competência da União. É uma regra constitucional:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...] |
Enquanto isso, temos outras duas espécies de normas:
Seção
VIII
DOS TRIBUNAIS E JUÍZES DOS ESTADOS Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. [...] |
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre: [...] XI - procedimentos em matéria processual; |
Há também as normas quanto à coercibilidade: quer dizer "forçar a fazer", ou "independência da vontade". As normas cogentes são a maioria. As dispositivas, como diz o próprio nome, são as que podem ser dispostas: podem ser seguidas ou não. Exemplo: intimação de um juiz para comparecer a uma audiência. Podemos optar por não ir? Não. Se um sujeito se recusa a ir, a polícia deve ir à sua casa buscá-lo. Já as dispositivas não. Um indivíduo ajuíza uma ação contra outro. Este é citado, para que tome a ciência de que há uma ação contra ele e possa se defender caso queira. Essas normas são excepcionais.
Resumo das espécies de normas:
Interpretação objetiva da norma
Agora que chegamos neste ponto, preste muita atenção à interpretação da norma. Quem melhor dominar isso se dará muito bem. Como interpretamos a norma? O juiz tem que fundamentar a decisão, qualquer que seja. Ao dominar a interpretação da norma, podemos identificar qual foi o raciocínio do juiz e se tal raciocínio é bom ou ruim, logo, se tal decisão é passível de revisão, bem como auxiliar na estratégia do advogado ao compor uma possível apelação.
Podemos apontar se o juiz se utilizou apenas da interpretação gramatical, que é o puro significado das palavras. Mas o Direito é muito mais que isso! Para o Direito, inclusive, as palavras podem ter significados próprios, distintos, técnicos. A norma vai bem além. Então, partimos para a lógica. Será que o juiz a utilizou? É um critério teleológico: mergulhar na intenção do legislador. O que ele queria, qual foi o objetivo, o alvo pretendido com aquela lei? Rapidamente, saímos daquela simples interpretação das palavras e fomos para a intenção do legislador. É, portanto, uma interpretação mais precisa.
É muito comum que se use apenas a interpretação gramatical. Até mesmo para a interpretação mais conveniente para o cliente é necessário que o advogado saiba e se utilize de todas as formas de interpretação existentes.
E a interpretação sistemática? Parte-se da interpretação gramatical, em seguida foca-se na vontade do legislador. Depois, pegamos esses dois e incluímos dentro de um sistema, entendido como conjunto de relações entre as normas. Tomamos a norma que estamos interpretando e entendemos a função particular de cada uma delas. É como identificar a engrenagem responsável pelos segundos de um relógio. Serve para entender o contexto das regras.
Por fim, temos a interpretação histórica. Note que isto não é entender o contexto histórico da época em que ela foi criada, mas a história da norma. Lembre do processo legislativo: por que o legislador faz a exposição de motivos? Essa é origem da norma. A norma tem uma história precedente. A Lei de Introdução ao Código Civil, por exemplo, também pode ser usada na interpretação histórica.
Esta foi a técnica objetiva. Veremos as outras depois. Mas note que os quatro grandes grupos de são objetivo, subjetivo, resultado e integração. O objetivo, que vimos agora, não leva em conta o sujeito. O subjetivo, que se preocupa com o sujeito, veremos na aula que vem.