Teoria Geral do Processo

segunda-feira, 30 de março de 2009

Processo – composição subjetiva, substituto processual e pluralidade processual



Comentamos, por diversas vezes neste semestre, o que vem a ser processo: relação jurídica entre autor, juiz e réu. Há direitos e obrigações do autor e do réu, e até do juiz. Essa relação jurídica processual é o processo. É a relação jurídica formada pelos sujeitos da relação criando direitos e obrigações. O que precisa ser feito? Petições, com prazo, apresentação de provas, audiência, todos os atos processuais. Então essa relação jurídica processual acontecerá por meio de atos processuais organizados para que a jurisdição seja aplicada. Esses atos processuais coordenados e concatenados caracteriza o procedimento.

Agora que relembramos o que é processo, vamos falar melhor sobre ele: a morfologia do processo, do que ele  formado.

Há uma composição subjetiva, que tem a ver com os sujeitos que compõem o processo: autor, juiz e réu. Esses são os sujeitos principais. Há outras pessoas que participam do processo, como os serventuários da justiça, oficial de justiça, contador, que calcula as custas processuais... Esses sujeitos ajudam o processo a acontecer, mais que isso, são essenciais a ele. Portanto eles também são sujeitos processuais, mesmo que sejam chamados de sujeitos secundários. Os principais são o autor, o juiz e o réu, os que integram aquela relação jurídica fundamental que estudamos desde a primeira aula.

E a testemunha? Não é ela um sujeito processual? Ela está no plano secundário do diagrama AJR. O mesmo para o serventuário que recebe a petição inicial, já que ele está ajudando isso tudo a acontecer, e o oficial de justiça, que procura pelo réu e o cita.

Mas, num "limbo", no meio dos dois tipos de sujeitos processuais, há o que chamaos de sujeitos sui generis, sem classificação, genéricos. Não se enquadram no quadro principal nem no secundário, mas estão entre os dois outros grupos. Este grupo de sujeitos é composto pelos advogados e o pelo Ministério Público. Também são necessários para o funcionamento do processo, mesmo que haja juizados especiais (os que dispensam advogados para causas até 40 salários mínimos), que são a exceção à regra. Por que o advogado é necessário? Porque falta às pessoas a capacidade postulatória: capacidade de requerer em juízo, praticar atos em juízo. A parte tem capacidade de estar em juízo (ou seja, não se encaixa nas hipóteses no art. 3º ou 4º do Código Civil) e é sujeito de direito, então pode ser demandante ou demandado. Mas, não sendo advogado, a pessoa não pode praticar atos em juízo. Logo, diz-se que o advogado é essencial para a administração da justiça. Mesmo no Juizado Especial: se a parte quiser impetrar recurso, o advogado será necessário. O advogado surgiu dentre os que dominavam as fórmulas processuais na época do Direito Romano. Havia o período per formulas, também chamado de  período “formulário”, em que já havia processo, mas não era escrito como hoje;  ele era verbal, oral. Chamava per formulas porque é como se se tivesse uma fórmula para cuidar de cada direito. Havia, por exemplo, uma fórmula para tratar sobre o direito de propriedade, outra para o direito de posse, outra para o de indenização... então a pessoa com o direito ameaçado ou violado comparecia perante o magistrado e dizia: “eis o meu problema, e eis a fórmula”. Mas muita gente não dominava todas as fórmulas, e alguns começaram a se especializar nisso. Assim, os que não dominavam contratavam os que sabiam para buscar a jurisdição por aqueles. Surgiu o advogado: alguém que pratica atos em nome de outrem.

Por isso o advogado é necessário para a administração da justiça. Sem advogado, sem juízo.

E o Ministério Público? Ele age em nome do Estado, de toda a sociedade. Então ele também é parte, assim como o advogado. Observem que juiz não é parte! Apenas autor e réu são. O juiz é um sujeito processual imparcial, de acordo com o princípio do juiz natural. O autor e o réu são sujeitos parciais, daí partes. Dessa forma o juiz não é parte, ele é imparcial.

Advogado representa a parte, mas não é parte propriamente. Excepcionalmente o advogado pode agir em causa própria, nesse caso ele estará figurando como parte e também como advogado.

O Ministério Público pode figurar como parte, como na ação civil pública. Neste caso, ele terá legitimidade. Mas há casos em que o Ministério Público não atua como parte. Se ele atua como parte, ele está na figura do autor, em geral. Mas ele pode estar na posição de custus legis (guardião da lei, ocupando uma posição adjacente ao juiz no esquema AJR). O Ministério Público é necessário para questões de maior importância para o Estado, como alimentos para uma criança faminta. Questões patrimoniais não são consideradas de tanta importância quanto os alimentos da criança, para o Estado, por maior que seja o valor da causa. Os advogados estão adjacentes às partes. Essa estrutura está resumida na figura a seguir:

Relação jurídica 3

 
A letra “E” representa o escrivão, que fica ao lado esquerdo do juiz. O diagrama ilustra, de certa forma, como se compõe uma sala de audiência: juiz, com representante do Ministério Público à direita, escrivão à esquerda, e partes (autor e réu) à frente do juiz, acompanhadas de seus advogados.

Esses são os sujeitos processuais.
 

Substituto processual

Vamos entender o que é, para que na disciplina de Processo 1 entendamos mais profundamente. Quando falávamos das partes na ação, com a criança de um lado da relação jurídica processual e o pai dela de outro, falamos da legitimidade (condição da ação), ou seja, dos titulares da ação. Se estamos, então, falando sobre alimentos, quem tem a titularidade do direito aos alimentos? A criança. Quem tem a obrigação? O pai. São sujeitos legítimos, respectivamente ativo e passivo. A mãe da criança figura apenas como sua representante. Na petição inicial, portanto, a criança constará como a parte autora.

Com a titularidade, vamos entender o seguinte: o professor pode ajuizar ação trabalhista contra o CEUB, mas o direito requerido pode ser, na verdade, de toda a classe de professores universitários. Se todos os sujeitos fossem colocados na ação, o processo seria impraticável: haveria uma pilha de papéis apenas para designar as partes, que poderiam chegar aos milhares. A lei então diminuiu essa problemática: em vez de todas as partes estarem discriminadas nos autos, quem aparece é o órgão de classe, o sindicato, que representa todos. O que acontece: os titulares do direito são os professores, mas o sindicato figurará como substituto processual. Ele postula em nome próprio, mas reivindica um direito alheio.

Outra coisa que precisamos saber sobre a relação jurídica processual, formada por autor, juiz e réu. Vamos ilustrar:

Ricardo e Rodrigo moram num mesmo condomínio, e, numa conversa sobre custos, lhes ocorre que eles pagaram, tempos atrás, uma determinada despesa mas, para sua surpresa, somente alguns condôminos a pagaram, enquanto se decidiu que outros ficariam isentos. Achando isso um absurdo, Ricardo propõe a Rodrigo: vamos ajuizar uma ação contra o condomínio? Rodrigo concorda. O pedido é pela reposição da despesa indevidamente paga naquela ocasião. Eles sabem que há outros moradores que também pagaram indevidamente essa quantia. Rodrigo pode ajuizar a ação sozinho? Pode. E Ricardo? Idem. Se cada um ajuizar sozinho a ação, haverá duas relações jurídicas processuais formadas: [Rodrigo – Juiz – Condomínio] e [Ricardo – Juiz – Condomínio]. Mas a ação poderia ser ajuizada da seguinte maneira: [(Ricardo + Rodrigo) – Juiz – Condomínio]. Quantas relações jurídicas processuais temos agora? Ainda duas. Isso porque um dos dois pode deixar de praticar algum ato necessário ao andamento do processo e deixar, portanto, seu interesse ameaçado; o outro nada terá a ver com isso; ele quer seu direito mantido. Um dos dois, portanto, pode não conseguir comprovar o seu direito, enquanto o outro consegue. Logo, percebam que há uma independência, e as partes só foram reunidas no mesmo pólo por economia processual. O juiz terá, neste caso, apenas uma sentença para resolver as duas lides. Se os dois sujeitos não tivessem se unido, seriam necessárias duas sentenças para duas decisões. Agora imaginem se o número de sujeitos no pólo ativo da demanda vai à casa das centenas! O juiz teria que emitir tantas centenas de sentenças, enquanto poderia fazer com apenas uma (ainda que nela contivessem centenas de decisões). Daí falamos em cumulação de processos: há várias relações jurídicas. Como não há identidade, já que as partes são diferentes, trata-se de um caso de pluralidade processual.
 

Litisconsórcio

Por que o nome litisconsórcio? Vamos entender o consórcio, como o que se costuma fazer com carros: 40 pessoas de renda não muito elevada se reúnem porque têm um interesse comum: o de adquirir um carro popular. Eles querem, na medida do possível, se livrar de juros e taxas extras. O valor do automóvel é de R$ 20,000.00. O que elas fazem: cada uma deposita R$ 500,00, mensalmente, numa espécie de “vaquinha”. No primeiro mês, como cada uma das pessoas contribuiu com R$ 500,00, já se tem a soma de R$ 20 mil, suficiente para comprar o primeiro carro. Então, faz-se um sorteio para saber quem do grupo ficará com aquele carro. Uma vez ganho o carro, o nome dela é retirado da urna de sorteio, mas ela continua contribuindo. No segundo mês, ocorre a mesma coisa: a segunda pessoa compra seu carro. E assim sucessivamente até que todos estejam de carro novo, e sem taxas.

O que ocorreu, afinal? Os sujeitos se juntaram para atingir a mesma finalidade. Litis remete a “lides”. Então, litisconsórcio é "consórcio de lides": junção de duas ou mais relações jurídicas processuais.
 

Espécies de litisconsórcio

Há vários tipos de litisconsórcio:

Quanto ao pólo, podemos ter um litisconsórcio ativo: O autor A1 se une ao autor A2, ao A3, etc. para compor a relação jurídica processual. Os demais sujeitos serão o juiz J e o réu R, que, aqui, está solitário. Exemplo: familiares das vítimas do acidente com o Boeing da Gol em 29/09/2006. Os familiares de uma das vítimas poderiam ajuizar, por conta própria, uma ação contra a companhia aérea, enquanto outra faria o mesmo, e haveria, nesse caso, um concurso de ações contra a Gol. Mas, como a causa de pedir é a mesma, os autores (familiares de diferentes vítimas) se unem no pólo ativo da demanda, no ato da ação ajuizada contra a Gol, que está no pólo passivo. Formou-se, então, um litisconsórcio ativo, integrado por familiares das vítimas, para ajuizar ações indenizatórias contra a Gol.

 Os demais são:

Há duas situações: há casos em que é necessário e obrigatório que os dois estejam no mesmo lado da relação jurídica processual. Exemplo: marido e mulher, casados em comunhão de bens. O apartamento que eles compraram é dos dois. Se alguém ajuizar uma ação para tomar esse apartamento, quem deverá figurar como réu? O marido, a mulher, ou os dois? Os dois, necessariamente, pois ambos são proprietários. Não pode, portanto, o sujeito ajuizar a ação somente contra um. Se o fizer, este ato será nulo, pois cerceou ampla defesa de um dos cônjuges. Temos, então, um caso de litisconsórcio passivo necessário. Digamos que a mulher queira deixar para o marido e seu advogado resolverem o problema: ainda assim ela é citada, então ela faz parte do processo necessariamente, mesmo que ela não queira se envolver diretamente. Se ela não for citada, o processo é nulo. Por isso chamamos este tipo de litisconsórcio de necessário.

Mas há casos em que o litisconsórcio é facultativo, como o caso do condição que ilustramos acima. No caso do acidente com o avião da Gol, todas as famílias das vitimas terão direito de indenização contra a empresa aérea. Cada uma poderá ajuizar ação separadamente, ou então se reunirem em litisconsórcio. E mesmo que todos ajuízem a mesma ação, não terão, necessariamente, direito à mesma indenização. Daí a diferença entre litisconsórcio unitário e não-unitário: se a decisão é a mesma para todos os litigantes, o litisconsórcio é unitário. Se houver alguma forma de diferenciação, o litisconsórcio será ativo (as partes se reúnem no pólo ativo da demanda), facultativo (o litisconsórcio não era obrigatório) e não-unitário. A sentença será uma só, mas as decisões serão várias: nela poderá conter diferentes valores de indenização fixados. Então a idéia de "unidade" associada ao litisconsórcio remete à idéia de identidade de decisões.

Outro exemplo de litisconsórcio unitário: se houver uma ação de anulação de casamento, haverá como anular apenas para um dos cônjuges? Não mesmo. Então o litisconsórcio é passivo, necessário e unitário. Passivo porque os cônjuges, figurando como litisconsortes, estão como sujeitos passivos nesta demanda. Necessário porque o os cônjuges necessariamente são partes do processo. E unitário porque a decisão judicial não poderá ser diferente para um dos cônjuges em relação ao outro.Sendo um caso de anulação não-litigiosa de casamento, os dois cônjuges estão do mesmo lado da relação jurídica processual, e não há lide, portanto não há parte autora e ré. O litisconsórcio está caracterizado porque não é possível que a decisão judicial tenha efeitos apenas para um dos dois.