Direito Civil
quinta-feira, 1º de outubro de 2009
Objeto do Pagamento e Sua Prova
Hoje vamos ver mais um tópico de nosso programa.
Estamos dentro da Seção
III do Capítulo I do Título III do livro I da Parte Especial do Código
Civil,
que é o Livro do Direito das Obrigações. Estamos examinando a teoria
geral do
pagamento, que está dentro da teoria geral das obrigações, que por sua
vez vai
até a parte de contratos, que é o assunto do próximo semestre.
A teoria geral do pagamento vai até a parte de
pagamento em consignação.
Estamos agora estudando o pagamento e sua prova. O
que é o objeto do
pagamento? Estudamos os elementos constitutivos, estruturais da
obrigação. O
segundo deles é a prestação, que é o que
o devedor deve pegar ao credor. Tem cunho patrimonial desde o
período
justinianeu, que marcou a mudança da forma de quitação da prestação:
antes, pagava-se
com o próprio corpo, depois, passou a se usar o patrimônio do devedor.
A
prestação, portanto, tem que tem expressão econômica, uma valoração. É
isso que
o Código estabelece dentro dessa seção, que trata do objeto do
pagamento, que é
o que foi estabelecido entre as partes, de dar coisa certa, incerta,
fazer, não
fazer, etc. Isso se trata do objeto do pagamento, e tudo isso se
constitui
dentro da teoria geral do pagamento.
Muito bem. O que é a teoria geral do objeto do
pagamento? O que foi
acordado. Acordei pagar a Barnabé três cavalos da raça manga-larga. Se
concordei em pagá-los, não poderei pagar cavalos de outra raça, mesmo
que sejam
de puro sangue árabe, mesmo que este sejam mais valiosos. Não se pode
desincumbir da obrigação pagando mesmo que seja mais valioso. O credor
vai
gostar, mas não é obrigado a receber. É o que diz o art. 313:
Seção III Do Objeto do Pagamento e Sua Prova
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que
lhe é devida, ainda que mais valiosa. |
Veja o art. 356 depois, que veremos dentro das
espécies de pagamento: a dação
em pagamento, que é a excepcionalidade.
CAPÍTULO V Da Dação em Pagamento
Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida. |
Por exemplo: posso, em vez de pagar em dinheiro,
dar como parte um
apartamento de menor valor, desde que o credor consinta. É coisa
estabelecida
entre partes, que será firmada em contrato. Na teoria geral do
pagamento, só
podemos pagar o que foi convencionado.
Vamos ao art. 314:
Art. 314. Ainda que a
obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser
obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se
ajustou. |
A divisibilidade é da substância da coisa, como diz
Silvio Rodrigues. Quer
dizer, não posso pagar 100 sacas de arroz, que devem pesar 60kg como de
costume,
em 300 sacas de 20kg cada, pois não foi assim ajustado.
Ainda que o arroz possa ser fracionado, não se pode
fazer algo que não
tenha sido pactuado, mesmo que se trate de obrigação divisível.
Alguns autores abrem um capítulo especial para as
obrigações
pecuniárias. Antigamente, no Direito Romano, havia o conceito de pecus, que quer dizer “gado”. Se
traduzia,
no início, em escambo. A notícia que tínhamos do Direito Romano era a
da troca:
gado por ovelhas. É nada mais, hoje em dia, que obrigação de pagamento
em
dinheiro. Daí que deriva o termo “pecuniário”. Art. 315:
Art. 315. As dívidas em
dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo
valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes. |
Qual é o vencimento? O da obrigação estabelecida.
Por exemplo, se a
obrigação é representada de uma nota promissória, ela deve ser paga em
dinheiro, no dia do vencimento. O dinheiro é o curso corrente da moeda,
que é o
Real, com o advento da Lei 10192 (que traz medidas complementares ao
Plano Real).
Então o pagamento tem que ser feito em Reais. O pagamento em valores
sofria, há
pouco tempo, o fantasma da inflação. Cinco mil Cruzeiros poderiam não
valer a
mesma coisa 10 dias depois. Daí o Supremo fazer a diferença entre pagamento em dinheiro e pagamento
em valor. Valor nominal: o que
está expresso no título. Em outros casos, devemos recorrer aos artigos
seguintes.
Ao se comercializar externamente, deve-se pagar em
moeda estrangeira, como
o Dólar.
Art. 318:
Art. 318. São nulas as
convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para
compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional,
excetuados os casos previstos na legislação especial. |
Isso porque o curso corrente estabelecido no Brasil
é o Real. Há
diferenças cambiais, em virtude do fluxo cambial, exportação e
importação entre
essas moedas. Isso se relaciona com o Direito Internacional Público e o
Direito
Internacional Privado.
Art. 316:
Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas. |
O que são prestações sucessivas? São as que o
professor Orlando Gomes
trata em sua obra: compra de imóveis e pagamento de aluguel são os
maiores
exemplos. A correção se dá, no futuro, pelo IGPM. Como temos pouca
inflação,
podemos convencionar o aumento progressivo. Isso é obrigação de trato
sucessivo. Contrato de previdência privada: algo que jovens devem
fazer.
Estabelecer que, mês a mês, paga-se obrigatoriamente à previdência,
para no
futuro ter a retribuição daquilo. Até mesmo a contraprestação paga pelo
segurado num contrato de seguro pode ser paga sucessivamente.
Teoria da imprevisão: construção jurisprudencial. É
o que o Código
disciplina no art. 317, que é a teoria da onerosidade excessiva:
Art. 317. Quando, por
motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor
da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz
corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o
valor real da prestação. |
Momento da execução é o pagamento. No Direito
Romano, essa regra era
prevista como cláusula rebus sic
standibus. Significava que havia uma desproporção. Tínhamos
isso antes do
Plano Real. A prestação estava maior que o valor do pagamento. O Código
Civil
veio para dizer, portanto, que essa teoria da imprevisão, que alguns
denominavam teoria do príncipe ¹,
em
que os vassalos exigiam do monarca um valor maior pelos seus feudos
depois de
um período. Neste caso, se houver desproporção, o juiz poderá rever.
Havia
outro princípio do Direito Romano: dato
mihi facto, dato tibi ius. Significa que dá-me os fatos que
te darei o
Direito. Art. 126 do Código de Processo Civil: o juiz não pode alegar
lacuna da
lei, e a parte não precisa invocar uma lei específica ou um princípio.
Dão-se
os fatos.
Argumento ad terrorem
–
argumento que, se o devedor tiver que pagar o que tem que pagar, ele
irá à
quebra. Com ele pode um empresário, depois de reclamado de verbas
trabalhistas
por um ex-empregado, alegar que reconhece a procedência do pedido, mas
apelar
para a emoção, dizendo que pagar essa obrigação seria o mesmo que ele
ir à
falência, ao mesmo tempo em que traria à mesa a questão da função
social da
empresa, que poderia levar outros empregados à rua, etc. O mesmo
argumento
costuma ser usado pela Fazenda Pública, como dizer que “determinado
gasto
produzirá enormes rombos nas contas da União”.
Art. 319:
Art. 319. O devedor que paga
tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento, enquanto não
lhe seja dada. |
Quitação vem de quietare.
“O
credor está voraz para receber, então eu o acalmo.” A quitação regular
é o
recibo. Ele é a prova do pagamento. O devedor pode reter o pagamento
até que
lhe seja dado o recibo. E qual é a estrutura, a situação da quitação?
Como ela
pode ser dada? Art. 320:
Art. 320. A quitação, que
sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e
a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou,
o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu
representante. |
Documento particular é o que não tem fé pública.
Posso pagar uma quitação
por folha de embrulho de pão, desde que contenha, no documento, os
elementos
acima.
Parágrafo único:
Parágrafo único. Ainda sem
os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a quitação, se de seus
termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida. |
Se se puder presumir que a quitação foi feita, ela
será válida.
Art. 321:
Art. 321. Nos débitos, cuja
quitação consista na devolução do título, perdido este, poderá o
devedor exigir, retendo o pagamento, declaração do credor que inutilize
o título desaparecido. |
Sandro comprou meu carro, pagou 30% de entrada, e
depois me deu uma nota
promissória. Ela se perde. Então concorda em pagar o valor que fora
nela
acertado, mas exige que se faça uma declaração de que a dívida foi
solvida. Isso
para evitar dupla cobrança caso a NP reapareça.
Art. 322:
Art. 322. Quando o pagamento
for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em
contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores. |
Já vimos este artigo no semestre passado! É uma
prova juris tantum. O motorista que
bate na
traseira de outro no trânsito é o culpado presumido, portanto a ele
caberá
provar que não teve responsabilidade pelo ocorrido.
Art. 323:
Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos. |
Jônatas emprestou a Stéfano R$ 10.000,00, com juros
de 1% a.m. Depois de
dois meses, Stéfano procura Jônatas e lhe entrega exatamente R$ 10 mil.
Se
Jônatas aceita, presumir-se-ão pagos os juros. Portanto, não é uma boa
idéia
aceitar o valor principal sem os incrementos; cobrem, de uma vez, o
montante. O
valor certo da prestação devida a Stéfano a Jônatas nessa ocasião seria
de R$
10.201,00.
Art. 324:
Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento. |
Claris cessat
interpretatio: Se
está claro, cessa-se a interpretação.
Dispensa explicação. Res ipsa loquitor.
Fatos públicos e notórios independem de prova. Exemplo: ontem anoiteceu
por
volta das 18:30.
Parágrafo único:
Parágrafo único. Ficará sem
efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a
falta do pagamento. |
É um prazo decadencial, portanto, decai não só a
ação, mas o direito em
si. É um pequeno prazo que o credor tem para se manifestar.
Arts. 325 e 326:
Art. 325. Presumem-se a
cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer
aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida. |
Art. 326. Se o pagamento se
houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no silêncio das
partes, que aceitaram os do lugar da execução. |
Alguém vem a mim e diz: “pagarei o aluguel de seu
escritório, que fica
ali no Edifício Varig”. Mas, quando do recebimento, se eu já tiver me
mudado para
Goiânia, o credor arcará com a despesa para o pagamento. Em outras
palavras, se
eu exijo que o devedor venha até minha cidade para me pagar, terei que
arcar
com a despesa que ele teve com a viagem para o pagamento.
Por fim, mas não menos importante: pagamento por
medida é o quê? Se eu compro da Fátima a fazenda que ela tem em
Goiânia, que mede 100 hectares, o pagamento que ela me fará é de 100
hectares goianos, pois é lá que o
pagamento é
feito, e lá se localiza a fazenda. Se for em São Paulo, será hectare
paulista. Isso
é importante porque algumas regiões podem variar nalgumas medidas, como
a de
volume de vinho. Tonéis gaúchos podem divergir, até pelo material de
fabricação,
do tonel argentino. Portanto, se eu combino com o professor Voltaire
que ele me
pagará, aqui em Brasília, um tonel de vinho de Bento Gonçalves, que
espero que
meça X metros cúbicos de volume, esta deverá ser a medida aqui em
Brasília, que
é o local do pagamento, independente do local de origem do produto.
- Facto principis:
termo usado pelo professor para falar sobre a
teoria do príncipe. Não consegui encontrar um significado e aplicação
detalhados.
Expressões do dia:
- Pecus: gado. Era como se fazia o escambo no passado,
na Roma antiga.
- Cláusula rebus
sic standibus:
"estando as coisas assim". Expressão usada quando há incidência de
eventos imprevisíveis que modificam o valor de uma prestação em seu
vencimento
em prejuízo excessivo de uma das partes.
- Da
mihi factum, dabo tibi jus:
Dá-me os fatos e te darei o Direito. Usada
para lembrar que a parte está desobrigada de citar os preceitos e
normas legais
que a amparam quando ela demanda o Judiciário. Cabe ao juiz indicar
onde está a
norma e, na falta dela, usar a analogia, os costume se os princípios
gerais do
Direito.
- Argumento ad
terrorem: argumento em geral sem fundamento mas dotado de um
cunho emocional. O usuário deste argumento alega fatos trágicos que
podem advir do cumprimento da prestação de que é demandado.
- Quietare: acalmar. Daqui veio o termo contemporâneo
"quitação", uma autêntica forma de se "aquietar" o credor.
- juris
tantum: que admite
prova em contrário. Conhecemos
desde o primeiro semestre.
- Claris
cessat interpretatio:
se está claro, cessa a interpretação. Usada
para artigos e idéias que cristalinamente expressam o que se quer
dizer;
dispensam-se explicações.
- Res
ipsa loquitor:
semelhante ao termo acima, quer dizer:
"coisa fala por si mesma". Usado muito no common
law e também para fatos públicos e notórios, como o de ter
chovido ontem à noite.