Tínhamos visto nas duas outras aulas que vamos esgotar o módulo 1 das obrigações. Vamos examinar as fontes das obrigações. Antes de prosseguirmos, vai uma dica do professor, que deveríamos levar muito a sério: “mãe é bem de valor inestimável.” O professor gostaria de dizer aquele elemento que transmite informações novas e modernas para nós, pois não era assim antes. Tem uma revista da Editora Magister que contém um repertório atualizado de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça; o professor faz parte do conselho editorial da revista de Direito Civil e Processo Civil. Saiu um artigo de uma autora, a Professora Gisele Leite, em que ela aborda a diferença entre os direitos reais e direitos pessoais, obrigacionais e de crédito. Para lê-lo, clique aqui. ¹
Neste último tópico, que é curto, das fontes das obrigações,
terminamos o primeiro módulo, que é a introdução ao Direito das Obrigações.
Depois de introduzido, examinaremos na quinta-feira as modalidades de
obrigações, e, aí sim, encarecidamente o professor enfatiza: tragam O Código Civil. Apesar de não
poder consultá-lo se a prova for objetiva, ainda teremos que lê-lo antes e
manuseá-lo. Culpa, obrigação de dar, hipóteses em que o credor pode exigir
obrigação, quando o devedor pode se eximir dela, enfim, use algum Código, seja
do Vade Mecum ou até mesmo o Código de Miguel Reale, com a coluna
comparativa.
Fontes das obrigações
Toda fonte vem de uma raiz, de um broto d’água, de um veio. O Direito nasce da lei. Poderíamos usar outra expressão, do Direito Romano: jus est ars aequi et boni. Quer dizer que o Direito é o que tem eqüidade e o que é bom, ou, mais precisamente, “o Direito é a arte do bem e da equidade”. Tem eqüidade na obrigação. Por que eqüidade? Significa contrabalanço, a mesma responsabilidade. Se temos, como vimos na aula passada, por parte do devedor o schuld, temos, também por parte do devedor, a responsabilidade (haftung). Então esse dever também está inserto na eqüidade. Nenhum autor fala sobre isso; é um aspecto filosófico que o professor aborda em artigos doutrinários.
Exemplo: desequilíbrio contratual em que o segurado pratica má-fé no contrato, ou quando a seguradora exige responsabilidade excessiva dizendo que o segurado agravou o risco, o que se chama venire contra factum proprium, expressão que traduz a idéia de abuso de direito, que é a vedação de um comportamento que não seja condizente com a vontade declarada, como previsto no art. 51 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor. O CDC, como um grande monumento legislativo, apara o Código Civil, no que tange ao Direito das Obrigações. Por exemplo quando tratarmos da tutela específica da obrigação, vista no art. 84 da Lei do Consumidor. O que é tutela específica? É o que o juiz concede à parte lesada em um determinado bem da vida. O indivíduo precisa de uma tutela, como, por exemplo, um plano de saúde, que requer internação hospitalar, e o hospital se recusa a interná-lo. Então ele requer tutela específica antecipada, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil. É o contrabalanço, a balança do sistema das obrigações, é dizer, aquilo que tem eqüidade. E também aquilo que é bom. É o princípio que Miguel Reale chamava de princípio da eticidade. Quer dizer: em toda idéia de obrigação tem que haver o dever de cooperação, tendo que haver por parte do devedor e do credor para um perfeito desempenho daquela obrigação. O credor deve prestar com ética, enquanto o credor tem que cuidar para não lesar a boa-fé do devedor.
Feito esse conceito retórico, nós encontramos, no Direito Romano, as fontes das obrigações primeiro nas Institutas de Gaio e depois nas Institutas de Justiniano. Nas de Gaio foram previstas apenas duas fontes de obrigações: o delito e o contrato. Englobava tanto o delito civil quanto o delito penal. O que é delito para o Direito Civil? A má-fé, a desonestidade, improbidade, falta de ética, que também está no estatuto da profissão do advogado. Algo que está inclusive deixado a oblívio. O advogado de hoje em dia anda bem esquecido de preceitos éticos.
Então o delito significa má-fé, improbidade, e, no Direito Penal, o dolo, como o animus necandi, a vontade de matar, em que o sujeito age friamente, como as figuras rotuladas no art. 121 do Código Penal. Temos, hoje, um delito civil previsto no art. 186 do Código Civil, replicado do Código Civil Francês napoleônico. Incluímos “ainda que exclusivamente moral”, e tiramos “injustamente”, como vem no Código Francês. Esse é o delito previsto por Gaio nas institutas.
E o contrato? Significava o vínculo jurídico, o nexum, nos elementos constitutivos da obrigação que vimos na primeira aula. É o período sacramental, em que as partes compareciam para aplicar os ritos para comprar uma terra.
Já as institutas de Justiniano, no Direito Romano, foram um pouco além. Previram o contrato, que é, na verdade, o princípio da autonomia das vontades (princípio também do liberalismo), o delito, que é na verdade o dolo, que veio a ser repartido entre dolo do Direito Civil, aquele de levar outrem a erro, usando de má-fé e o dolo do Direito Penal. (Dica para nós: é preferível que se alegue o erro à má-fé, que é mais difícil de comprovar.) Havia também o quase-contrato, que era a figura jurídica que conhecemos como gestão de negócios. Exemplo moderno: dois colegas de determinado Ministério, como da Justiça, viajam para fazer os procedimentos de extradição de determinado brasileiro junto à França, e, enquanto no estrangeiro, um deles sofre um ataque cardíaco e vem a falecer. O que faz seu colega? Providencia tudo, paga hotel, sem procuração, também as passagens aéreas e o transporte do cadáver então, ele fez gestão de negócios. A gestão de negócio, instituto já sem importância no Direito Brasileiro, é, nas palavras de Silvio Rodrigues, o ato de agir alguém em nome de outrem sem ter mandato para tal.
E também o quase-delito que o Código Civil francês também adota: negligência, imperícia ou imprudência. Já vimos essa idéia na responsabilidade civil extracontratual quando vimos o art. 186, na parte geral do nosso Código.
Esses quatro elementos de Justiniano, para termos idéia de como pesou para a elaboração do Código Civil de 1804, estava inserido no Código Civil francês. Veja as fontes das obrigações: lá eles prevêem contrato, delito, quase-contrato e quase-delito (este último baseado na negligência, imperícia ou imprudência). Há também autores, como Pothier, que falam sobre a lei como fonte imediata da obrigação. Por exemplo: a lei determina que o pai de filho menor tem que pagar determinada obrigação alimentícia. É uma conseqüência de obrigação direita da lei. Faz parte dos direitos do indivíduo, mas é decorrente da lei, e a fonte dessa obrigação também é da lei.
E também vamos já de imediato ver a posição do Código Civil de 2002. É o Código Civil Reale, que previu teorias fontes das obrigações: o contrato, que vamos examinar no semestre que vem, já que agora estamos vendo apenas a teoria geral das obrigações, a base das obrigações; depois vamos aos contratos em espécie, nos artigos. 421 e seguintes, como contrato de seguro, que tem chance de não vermos nem em uma única aula; em seguida temos outra fonte da obrigação, que é a declaração unilateral de vontade, que, como o próprio nome diz, não é um contrato, como se diz, bilateral sinalagmático, de duas partes que assumem obrigações mútuas. Sinalagma vem do grego, e significa “contraprestação”. Eu vendo o relógio ao Lucas por R$ 2.000,00, que, neste momento, passa a ter que me pagar a quantia. Há, portanto, o sinalagma, a contraprestação, ou o zung und zung, para quem gosta de Pontes de Miranda e Direito Alemão.
Retornando ao contrato: tem que haver a contraprestação, a comutatividade. Quem recebe tem que entregar. Na declaração unilateral de vontade não; nela, se obriga aquele que se declara unilateralmente como o responsável por aquela obrigação. É o caso da responsabilidade de estacionamentos de shopping centres, com contraprestação indireta. Há a responsabilidade civil contratual do shopping de indenizar o indivíduo pelo veículo que foi furtado no interior do estabelecimento. Isso tudo para dizer que na declaração unilateral de vontade. Oferecer promessa de recompensa é declaração unilateral de vontade.
Recentemente foi lavrada uma decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre se o seguro obrigatório teria prazo prescricional de 10 anos ou devemos usar a norma do art. 206, § 3º, inciso IX? O prazo prescricional seria de três anos? Enviaram três pareceres, inclusive com Moreira Alves, Judith Martins-Costa, com altos valores pagos pelas seguradoras pelo pareceres. ²
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