Direito Civil

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Lugar do pagamento



Nós vimos, no pagamento, quem deve pagar, a quem se deve pagar, o objeto do pagamento e sua prova, e provavelmente quinta-feira encerraremos o tempo do pagamento e já passamos à consignação em pagamento. Teremos que usar o CPC, pois a consignação é uma figura híbrida. Metade está no Código Civil, metade no Código de Processo Civil.

Qual é a regra geral para o lugar do pagamento? É sempre facilitar o cumprimento da obrigação. Como fazê-lo? Cobrar no domicílio do devedor. O devedor paga em seu domicílio. Então se chama, pelos romanos, de dívida quérable, porque o credor quer receber aquela obrigação, então ele vai ao domicílio do devedor. A regra é que a obrigação é sempre paga no domicílio do devedor. Cuidado com a diferença entre domicílio e residência. Domicílio é onde se estabelece com animus definitivo, com vontade de permanência. Posso ter domicílio em Brasília e ter residência em Goiânia, aos finais de semana. O domicílio é onde efetivamente exerço minhas atividades pessoais e profissionais. Então diz o Código, no art. 327:

Seção IV
Do Lugar do Pagamento

        Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.

        [...]

Um exemplo de contrário resultando da lei: pensão alimentícia, em que o pai mora em São Paulo e o filho menor mora em Brasília. O filho menor não vai a SP, o pai quem pagará aqui.

Exemplo contrário resultante da natureza da obrigação: devo pagar para meu credor aquelas laranjas que tenho em meu pomar. O certo é que eu não colho as laranjas e leve a 5 km de distância, até à casa de meu credor. Ele que venha e pegue na minha plantação mesmo. E aí o Código Civil diz: salvo se as partes convencionarem contrariamente, que é exatamente quando o credor deve procurar o devedor. Isso se chama dívida portable. Significa que o credor carregará sua prestação concretizada, irá “portá-la”.  

Parágrafo único:

        Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre eles.

Evidentemente os múltiplos locais são designados pelo devedor. Se houver mais de um, caberá a escolha do local do pagamento ao credor.

Art. 328:

        Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Há dois dispositivos que não existiam no Código Civil anterior. Voltaire diz que o Código Civil não é muito feliz aqui no art. 328. O imóvel não se transfere mediante tradição. O que o legislador quis dizer é que, rectius, “se o pagamento consistir na entrega do imóvel [...]” pois a tradição se dá para os bens móveis apenas. Seguimos a orientação do Código Civil Alemão de 1900. A simples compra e venda de bem imóvel não transfere a propriedade; é preciso o registro no auto imobiliário. Se se cuidasse de uma hipoteca, um bem imóvel, uma inscrição da hipoteca seria feita. Ela não é transcrita, é inscrita. Então essa nomenclatura usada pelo Código não foi muito bem empregada. Talvez ele quisesse falar em entrega das chaves, mas ainda assim devemos lembrar que não se faz tradição de bens imóveis, só de bens móveis.

Art. 329:

        Art. 329. Ocorrendo motivo grave para que se não efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.

Temos aqui, agora, exemplos recente eloqüentes desta situação. Chuvas em Blumenau, Itajaí, e em cidades do Rio Grande do Sul. Imagine que o credor tem que se deslocar até uma localidade dessa para receber uma mercadoria. Então as partes combinam de pagar em outro lugar, malgrado o trato tenha sido feito para que se entregasse uma mercadoria em Blumenau.

Por último, art. 330:

        Art. 330. O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato.

Ou seja, aquele princípio do pacta sunt servanta fica prejudicado por aquilo que Rudolf Von Ihering dizia que o “costume não era sonâmbulo”. Por quê? Ele não dorme! O costume faz a lei. Assim, se Amanda e eu temos um contrato de compra e venda em que, a cada mês, eu tenho que lhe entregar um cavalo em seu haras, mas, em vez de eu entregá-lo no local combinado, ela faz questão de comparecer à minha casa para pegar o cavalo, temos, dessa forma, que fica derrogada aquela cláusula em que havíamos pactuado que a entrega deveria ser feita no domicílio do devedor.


Expressões do dia:

  1. Dívida quérable: dívida que o credor quer receber, então ele vai ao domicílio do devedor. É a regra.
  2. Dívida portable: dívida em que o credor procura o devedor para adimpli-la; o termo indica que o credor, metaforicamente, carregará sua coisa objeto da prestação consigo, aquilo que foi pago pelo devedor.