Vamos terminar hoje a teoria
geral do pagamento
com a Seção V do capítulo em que o Código Civil trata do pagamento, que
é a
parte de tempo do pagamento. Como diz o art. 331...
Seção V Do Tempo do Pagamento Art. 331. Salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento, pode o credor exigi-lo imediatamente. |
Quer dizer: há casos em que
legalmente o
pagamento deve ser feito em ou até determinada data, como o pagamento
de
salários, que deve ser feito até o quinto dia do mês subseqüente. O
empregador
tem essa obrigação por lei.
O fideicomisso, figura que
estudaremos dentro
do Direito das Sucessões, também tem suas próprias disposições legais
para
pagamento.
Pelo art. 331 do Código Civil,
o pagamento deve
ser exigido imediatamente. Exemplo: Vânia me deve um carro. Ela tem que
me
entregá-lo, se nada se ajustou em contrário, da forma como ficou no
título
contratual. Então ela paga o carro no dia 08/10/09 aqui no prédio do
CEUB (há
que se definir o lugar e tempo do pagamento). O Código faz alusão ao
art. 397,
que vamos examinar depois, mas vamos fazer um pequeno aperitivo:
Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. |
O que é o termo? É o final do
prazo! Já sabemos
disso desde que estudamos os fatos jurídicos.
Voltemos à parte do Código que
trata da
condição, do termo e do encargo:
CAPÍTULO III Da Condição, do Termo e do Encargo Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. [...] Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. |
E aqui, no art. 131, vemos que
o termo inicial
suspende o exercício, mas não a obtenção do direito. O termo é,
portanto, a
época do pagamento. Qual é o termo? O prazo final. Então Vânia tem que
entregar
o carro até o dia 8 de outubro de 2009 às 09:50. Esse é o vencimento da
obrigação.
Voltando ao art. 331: não sendo
ajustado de
outra forma à época do pagamento, o credor poderá exigir imediatamente.
Esta
parte do artigo fala por si mesma.
Art. 332:
Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor. |
Primeira parte: estudamos a
condição suspensiva
e a resolutiva. O que é o implemento da condição? É o fato que
desencadeia sua conseqüência,
como o famoso navio de Pontes de Miranda chegar ao Porto de Santos. No
próximo
semestre, veremos o contrato de seguro em espécie. O contrato de seguro
é um
contrato futuro e incerto. Por quê? Ele está dentro de uma condição
suspensiva.
A companhia de seguro só indenizará pelo sinistro se o automóvel é
abalroado, o
que é um evento futuro e incerto, pois pode ou não acontecer. É um
contrato
condicional, portanto. Agora releia o artigo. Quando houver o
abalroamento do
carro, a companhia de seguro tem que pagar. É o implemento da condição,
o tempo
do pagamento.
Segunda parte: como é que o
segurado dará
ciência ao seguro? Com boletim de ocorrência.
Outro exemplo: seguro de vida.
Ele também é um
seguro com uma condição, porém não é incerta. Certus
an, incertus quando: “certo que acontecerá, só não se sabe
quando” 1. Será certa em um dia final. É o que
os romanos falavam.
Nisso, implementar-se-á a condição. Como já sabemos, a morte é evento
futuro e
certo, só não se sabe a data.
E mais um exemplo: João se
obrigou a me dar 100
mil sacas de soja, mas somente se o navio que as transporta chegar ao
Brasil
dentro de 15 dias contados a partir de hoje. É o exemplo de Pontes de
Miranda,
adaptado. É uma condição suspensiva, que só poderá ser cobrada se o
navio satisfizer
a condição.
Resumindo: o pagamento deve ser
feito
imediatamente. Essa é a chamada dies
interpellat pro homine. Bom livro de Direito Romano, que nos
ensinará
bastante do latim, é o do ex-ministro Moreira Alves. Quer dizer: o dia
interpelará o homem. Significa que, se você possui uma nota promissória
em consta
que eu firmei com você a obrigação de pagá-lo no dia 1º de dezembro,
você terá que
aguardar o decurso do prazo; quando chegar, o
dia interpelará por você. A idéia do brocardo é algo como
“você não precisa
cobrar, o próprio dia fará o papel de cobrador, quando ele chegar”.
Depois do
vencimento, o devedor já estará em mora. Veremos em aulas futuras a
mora ex personae. Mas temos que
saber que, se
a obrigação é condicional, portanto depende de um fato futuro e
incerto, somente
com o implemento da condição, ou seja, somente quando ocorrer aquele
fato é que
se pode exigir o pagamento. Em síntese apertada é isso o que temos a
entender
dos artigos 331 e 332.
Agora temos um artiguinho que
temos que estar
bem atentos, com três hipóteses em que o credor estará autorizado a
exigir o
cumprimento da obrigação antes do vencimento, hipóteses essas que temos
que
entender muito bem. Art. 333:
Art. 333. Ao credor
assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo
estipulado no contrato ou marcado neste Código: [...] |
Comecemos pelo caput:
“ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de
vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código.” Mas
como que o
credor pode cobrar antes do vencimento? Quid
juris? Como no Direito, qual o direito? Veremos as hipóteses
em que isso é
possível. A primeira é:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; |
Imaginem um devedor e seu
patrimônio. Se ele
for comerciante, ele pode ir à falência se o seu patrimônio, ou melhor,
seu ativo
for menor que seu passivo. Esse comerciante tem um patrimônio de R$ 3
bilhões,
mas deve R$ 4 bilhões. Significa que seu ativo não cobre seu passivo,
então o
Código Civil fala em falência. Quais as hipóteses? Veremos no futuro.
Mas, numa
sociedade simples, como numa sociedade de advogados, ou uma numa
microempresa,
ou numa sociedade por quotas de responsabilidade limitada também pode
falir, ou
a própria sociedade anônima, a S.A. como são as companhias de seguros.
Isso
tudo é falência. Insolvência, como já sabemos, associa-se ao devedor
civil; cada
indivíduo, em outras palavras. Nós, devedores civis, não vamos à
falência. Se Rodrigo
tem R$ 3 bilhões, mas é muito pródigo e contraiu dívida de R$ 4
bilhões, ele
está insolvente. Então, o que diz o Código, no inciso I do art. 333?
Que, no
caso, assistirá ao credor o direito de cobrar antes de vencido o prazo.
O que
acontece? Mais um fenômeno do Direito Romano: a parêmia, o adágio, o
brocardo
muito secular: pars conditio creditorium,
que, como já vimos nas primeiras aulas, “as partes têm igualdade na
condição do
crédito.” Aqui vamos apurar os credores quirografários, que são os
credores
comuns. O empregado da empresa que foi a falência é credor
privilegiado; ele
tem a primazia, a preferência. São chamados créditos privilegiados.
Penhor,
hipoteca, anticrese também, que são direitos reais. O credor que tem
uma letra
de câmbio, o que tem uma nota promissória e o que tem um contrato são
credores
quirografários, que é o credor comum, sem prioridade.
Depois disso, far-se-á a
habilitação dos
credores na massa falida do insolvente.
Inciso II:
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; |
É o que temos no art. 1422:
Art. 1422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro. |
Emprestei dinheiro a Valdomira,
que é
arrozeira. Como garantia, ela me dá cem sacas de arroz. Minha situação
financeira não está muito boa, então podemos dizer que a parte
interessante do
meu patrimônio é exatamente o arroz confiado a mim pela Valdomira. Mas
eu,
homem de negócios, havia feito, antes, um contrato com João, em que
fiquei de
pagá-lo uma gorda quantia de dinheiro. Chega o dia do vencimento da
minha
obrigação para com João, e ele me executa. Não tenho muito o que dá-lo,
exceto
as sacas de arroz de Valdomira. João põe o arroz em penhora, deixando-o
sub
judice. Significa que minha garantia do crédito que tinha para com
Valdomira
caiu. Nisso, poderei exigir, dela, o pagamento antecipado.
Lembrem-se: prior
in tempori, potior in jure.
Mas veja: se a dívida que
estava sendo
garantida por um crédito hipotecário ou pignoratício foi objeto de
execução, o
que acontece? Os demais credores ficarão na mão. Então o que diz o
Código? Que há
o vencimento antecipado da dívida. Então os credores se habilitam no
crédito do
devedor para procurar sua parte como credores. Os credores se
habilitarão no
patrimônio do insolvente. Nisso o pagamento poderá ser exigido
anteriormente.
E a última hipótese dentro do art. 333:
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. |
“Se cessarem, ou se se tornarem
insuficientes,
as garantias do débito, fidejussórias, ou reais [...]”: o que é uma
garantia
fidejussória? Também vem do latim: fidei = confiança, jus = pessoal.
Qual os
dois melhores exemplos? Fiança e aval. E se o imóvel se deteriora ou se
perde?
As garantias reais foram-se. O credor pode exigir reforço de garantia,
como dar
uma nova obra de arte para penhor ou um novo apartamento para hipoteca.
Se o
devedor se negar a dar nova coisa, como na hipótese em que as sacas de
arroz se
estragam. Ipso iure, pelo mesmo
direito, ao acontecer isso poderá ocorrer o vencimento antecipado da
obrigação.
Esta matéria está imbricada nos
direitos reais.
Veremos no sexto semestre.
Parágrafo único:
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes. |
Evidente. Entender o contrário
seria exigir que
um devedor solvente reforçasse uma garantia. Na solidariedade passiva,
pode
haver devedores solventes e insolventes na mesma relação. Pode-se
antecipar o
vencimento com relação ao devedor insolvente, mas não poderá o credor
pretender
antecipar também o débito dos devedores solventes, que integram aquela
mesma
relação.
Potier, que fez o Código Civil
Francês, dizia que
o direito real era uma inflexão da coisa à pessoa. Errado, pois tem que
haver
outra pessoa envolvida, já que alguém é dono daquela coisa. O direito
de
propriedade é exercido erga omnes,
de
acordo com a lição de Miguel Reale, então pressupõe-se que “a outra
pessoa” é a
coletividade, excluída o próprio dono da coisa. Então, a garantia real
é uma
ligação que tem uma pessoa a uma coisa. Exemplo: eu tenho uma
propriedade. Ela
é minha, e está escriturada. Eu tenho uma hipoteca de uma propriedade
que é do
Voltaire, e sou eventualmente o construtor. Se ele não paga o
financiamento, eu
tomo dele a propriedade, pois tenho a garantia real, e tenho
preferência. Uma
característica do direito real é o direito de seqüela: buscar o bem
onde quer
que ele esteja. O titular daquela propriedade perseguirá o bem onde
quer que
ele se encontre, então, se X passou para Y, que passou para Z, que
passou para
W, o proprietário procurará W. É o ônus real, que está sempre ligado a
uma
coisa.
Isso tá bem explicado na obra
de Silvio
Rodrigues. Ele é bastante didático nesta parte.
Traga o Código Civil e o Código de Processo Civil na próxima aula.
1 – Caio Mário da Silva Pereira ensina: "(...) as declarações de vontade, quanto à incidência da certeza, podem ser de quatro espécies, a que correspondem outros tantos tipos de negócios jurídicos: a) incertus an incertus quando: não se sabe se acontecerá nem quando poderá acontecer (venderei minha casa se Fulano for Presidente da República), isto é, o fato pode vir a concretizar-se, ou não, e num tempo totalmente indeterminado; b) incertus an certus quando: não se sabe se acontecerá, mas, se acontecer, será dentro de um tempo determinado (venderei minha casa a Fulano, se ele se casar até o fim do ano), ou seja, o fato pode vir a realizar-se ou não, mas dentro de um termo determinado e preciso; c) certus an incertus quando: sabe-se que o fato acontecerá, mas ignora-se o momento (venderei minha casa quando Fulano morrer), isto é, o acontecimento é certo que ocorrerá, mas a sua situação no tempo é indefinida; d) certus an certus quando: sabe-se que o evento sobrevirá e determina-se o momento (venderei minha casa no fim da primavera), isto é, o acontecimento é uma decorrência necessária da lei natural, bem como a determinação de sua oportunidade. Somente as duas primeiras traduzem condição, pois que às duas últimas hipóteses falta o que lhes é indispensável, a incerteza do evento. É, entretanto, possível que um acontecimento certo seja erigido em condição, desde que se lhe aponha uma circunstância adicional como é a limitação no tempo." (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, volume 1. Rio de Janeiro; Forense, 2004, p. 557). Fonte: http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=4785-0.HTM, acessível em 08/10/09 às 22:10.
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