Direito Civil

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Mora, perdas e danos e juros legais

Tópicos:

  1. Mora - conclusão
  2. Purgação da mora
  3. Perdas e danos
  4. Juros legais


Mora - conclusão

Na próxima aula vamos examinar a cláusula penal, que é a indenização suplementar, a multa contratual, as astreintes, e na terça-feira veremos as arras para terminar a matéria.

A prova constará de 10 perguntas objetivas, sem consulta ao Código.

Mora: o que é? O retardamento injustificado do cumprimento da obrigação. Vimos que ela poderia ser debitória (também chamada de solvendi, do devedor) ou creditória (mora accipiendi, do credor). Mas antes de vê-las, nós vamos ver a mora ex re, que é a mora da coisa, e a mora ex persona.

A mora ex re está no art. 397:

        Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

        [...]

Já sabemos o que é uma obrigação positiva e líquida, como a nota promissória, determinada quanto ao seu conteúdo. O termo, que vimos na parte geral, é o último dia do prazo para o cumprimento da obrigação. Comprei um relógio a prazo, e chegou o dia de pagá-lo. Eu devo entregar mil Reais pela compra dele. O que acontece? Dies interpellat pro homine. O dia interpela pelo homem. Significa que não há necessidade de interpelação, o próprio “chegar do dia” faz esse trabalho. Ao chegar o dia, o devedor já está em mora.

Já o parágrafo único desse dispositivo diz que...

        Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Se não há termo, ou seja, não há prazo, o que fazer? Pedi para alguém me esculpir uma estátua, mas não estabelecemos o termo da obrigação. Assim, peço uma interpelação, para que a pessoa me entregue a obra pelo menos antes de chegar o Natal. Faço, portanto, uma interpelação, que é a mesma coisa que um protesto, ou uma notificação, judicial ou extrajudicial, via cartório de títulos e documentos. Isto é a mora ex persona. Carece, necessita, não deixa de prescindir de uma notificação judicial ou extrajudicial.

Art. 398:

        Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

Aqui, é preciso que o referido ato ilícito seja contratual. Se for um ilícito extracontratual, falamos no art. 186 do Código:

TÍTULO III
Dos Atos Ilícitos

        Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Exemplo: levei Thalyssa e mais quatro amigas dela para uma excursão, e faço um contrato de transporte com ela. A contraprestação é de R$ 3 mil. Por negligência, imperícia ou imprudência, eu causo um ato ilícito: capoto a van, causando-lhes ferimentos. Estou em mora desde o dia em que pratiquei o ilícito.

Saiu uma decisão do STJ sobre matéria de seguro DPVAT (Danos Pessoais de Veículos Automotores Terrestres), vulgo Seguro Obrigatório. A mora estaria constituída desde o momento em que a seguradora não pagou. Data venia o professor discorda dessa decisão porque viola o dispositivo do art. 398, porque deveria a mora estar constituída desde que o ilícito foi praticado, e não desde que ela se negou a pagar.

Neste caso concreto, a mora se verifica desde o momento em que se praticou o ato ilícito contratual. Pedi para alguém pintar meu muro, e o grafiteiro praticou até uma ilicitude, desenhou coisas subversivas para me constranger. A partir daí, interpelo-o com uma ação de indenização por prejuízo pelo ato ilícito praticado. Então, a mora se verifica quando se trata de responsabilidade civil contratual, que é diferente da responsabilidade civil aquiliana (a do art. 186). Exemplo: bater no carro de alguém. Mas se tenho um seguro DPVAT e não levo a Thalyssa e companhia ao piquenique, o ato ilícito conta a partir do momento em que foi praticado. É uma mora ex re: desde o momento em que o ato foi praticado, pois há um termo inicial.

Vamos ver, agora, no art. 399, as responsabilidades da prestação por parte do devedor:

        Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Exemplo: o devedor em mora, ou seja, o devedor em atraso responderá pela impossibilidade da prestação, mesmo que o não pagamento seja em virtude de caso fortuito ou força maior. Vamos dizer o seguinte, com exemplo de Caio Mário: eu tinha que entregar o cavalo Relâmpago até o dia de hoje para meu colega que mora algumas casas abaixo na mesma rua. Mas não o entreguei, e amanhã o cavalo vem a falecer. Houve caso fortuito. Mas temos uma particularidade no final do dispositivo: salvo se provar isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. Acontece o seguinte: o cavalo, cuja saúde me esforcei ao máximo para manter, morreu afogado na inundação que ocorreu por conta de uma chuva. Então, ainda que eu tivesse agido diligentemente, o cavalo se afogaria de qualquer jeito pois o credor também foi atingido pela inundação, e tanto na minha casa quanto na dele o cavalo iria por água abaixo. Se isso ficar provado, a indenização não é devida mesmo que tenha ocorrido caso fortuito ou força maior.

Exemplificando melhor: sou construtor, tenho que acabar e entregar uma casa até dia 10/11. Não entrego a casa. No dia 12/11, às 22:04, eu termino a construção, mas aconteceu o que aconteceria fatalmente: o raio destruiu a casa. Entregando em tempo ou não, a casa seria destruída. Então o Código protege o devedor, mesmo que ele esteja em atraso. Se eventualmente aquilo fosse acontecer mesmo, por força da Natureza, o devedor se isentaria da responsabilidade da mora. Sílvio Rodrigues dizia: “se pegou fogo a casa, fazer o quê?”

Hoje a jurisprudência entende que caso fortuito e força maior são sinônimos. Mazeaud et Mazeaud escreveu um Tratado Teórico e Prático de Responsabilidade Civil. Ele faz a distinção, mas é do século passado. A jurisprudência equipara.

Art. 400:

        Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

Vamos explicar. A mora do credor, a mora accipiendi, em que o credor não vai receber a prestação, subtrai (livra) o devedor de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa. Exemplo: eu tinha que entregar o meu cavalo trovão hoje. O credor não foi à minha casa hoje buscar. Ele tinha uma dívida quérable, para ir receber em minha casa. Ele se desloca à minha residência. Eu conservo o animal, dou injeções e comida ao cavalo, mas ainda assim ele vem a morrer. Então o que acontece: a mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa. A coisa seria um animal, mas poderia ser um notebook. Um raio poderia destruí-lo, ou um ladrão poderia vir buscá-lo. A responsabilidade que o credor teria pela conservação da coisa não pode ser imputada ao devedor. Ele estava conservando bem. Ele não deixou o notebook largado, nem deixou o animal ao relento. E não teve dolo.

As despesas de conservação correrão por conta do credor. Última hipótese: “... e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação”. Isso ocorre muito em contrato de câmbio, de exportação, quando o Dólar eventualmente pode aumentar, quando o credor demora a vir buscar a mercadoria.

Vamos ver um exemplo mais sugestivo, sobre a recente redução no IPI. Digamos que Juarez comprou um automóvel na concessionária. Ele devia assinar o contrato até o dia final da redução do IPI. Mas passou o último dia em que o IPI estava baixo. Ele terá que pagar o valor acrescido do imposto.
 

Purgação da mora

Vamos ver o último artigo sobre mora. O que é purgação da mora? É a cessação. Por exemplo: os contratos de alienação fiduciária. Pagando mais de 40% do valor do bem alienado você pode purgar a mora, quer dizer, pagar os atrasos, e cessar o efeito da mora. Outro exemplo é a ação de despejo, em que se purgam os atrasos dos alugueis, e inibe-se a ação de despejo.

Art. 401:

        Art. 401. Purga-se a mora:

        I - por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;

        II - por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.

Inciso I: Quer dizer: correção monetária, juros de mora, oscilação do valor do bem, honorários advocatícios.

Inciso II: é o reverso. O credor não foi receber, então ele terá que, além de receber de uma vez por todas, se sujeitar aos efeitos decorrentes do prejuízo.

Não cabe falar em purgação da mora se o inadimplemento é absoluto e consumado, como o escultor deixar de entregar a estátua que ficou de esculpir até o dia do meu aniversário, quando eu pretendia exibi-la. Neste caso, o inadimplemento se traduzirá em...
 

Perdas e danos

As perdas e danos remetem à primeira aula: quando a obrigação não era cumprida, o credor pegava o devedor pelo instituto da manus injectio, retalhava-o e lançava-o trans Tibere. Depois, com a lei de Justiniano, o patrimônio do devedor que passou a responder, não mais seu corpo. Portanto se alguém não cumpre uma obrigação, seu patrimônio é que responderá.

Se estou para me formar e contrato um cantor lírico para se apresentar no evento, mas este deixa de comparecer, não me interessará mais o retardamento dele. Isso resultará em perdas e danos, que se traduzem em danos emergentes e lucros cessantes. Dans emergis. O lucro cessante é aquilo que a parte deixou de lucrar.

Art. 402:

CAPÍTULO III
Das Perdas e Danos

        Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Quer dizer: as exceções previstas em lei são a responsabilidade civil objetiva, o dever de indenizar, as situações contempladas no dano moral, etc. As perdas e danos, que constituem o prejuízo mesmo, abrangem o que o credor efetivamente perdeu e o ele razoavelmente deixou de lucrar. O exemplo mais simples é o do táxi, quando é abalroado. O taxista normalmente vive do transporte de passageiros e seu carro é sua ferramenta de trabalho. Ao ser colidido, ele terá danos emergentes, pelo valor que terá que desembolsar para custear o serviço da oficina, mais os lucros cessantes, o valor que aproximadamente deixaria de ganhar nos dias em que o carro estiver na oficina. Abalroamento é um termo de direito marítimo, para navios, enquanto em automóveis usamos colisão. Se o João bate no carro do taxista, ele pagará o conserto do carro (o dano emergente) e o lucro cessante (o que ele deixou de ganhar), pois o taxista vive do carro.

Outro exemplo clássico da literatura: um advogado vai ao Rio de Janeiro fazer uma sustentação oral num tribunal, mas o avião atrasa. A companhia terá que indenizar o advogado pelo dano emergente, que é o preço da passagem paga, e o lucro cessante, que seria o que ele ganharia por fazer a sustentação oral ou porcentagem na causa. O lucro cessante tem que ser objeto de prova. Existe até seguro para lucros cessantes.

Observação: não se indenizam conjecturas. Exemplo: se um jóquei, cotado como favorito para vencer uma corrida, tem seu cavalo machucado por ato ilícito de outrem, não há falar em lucro cessante pelo valor que ele deixaria de receber pela vitória da corrida, pois ele vencer a corrida não pode ser provado.

Art. 403:

        Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.

Fala dos casos do art. 20 do CPC, que trata dos juros, correção monetária, outras despesas antecipadas e honorários advocatícios. Se independentemente de dolo do devedor: ou seja, mesmo que ele tenha agido com dolo, como ter sabotado o caminhão do credor para que não viesse buscar o cavalo, no exemplo anteriormente citado. O que acontece? Eu, devedor que sou desse animal, agi com dolo. Agora, só se incluem mesmo neste caso os prejuízos efetivos e lucros cessantes por efeito dela direto e imediato. Quer dizer que não adianta alegar danos emergentes e lucros cessantes se não conseguir prová-los, ainda que eu tenha agido com dolo.

Art. 404:

        Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

        [...]

Pagamento em dinheiro, portanto pecuniário. Isto aqui está de acordo com o art. 389, mas sem prejuízo da perda convencional. Podemos estabelecer num contrato que o descumprimento ocasionará danos emergentes e lucros cessantes. E posso ir além: estabeleço uma multa contratual, ou astreinte. Alugo o apartamento para a Rebeca, que não me entrega o pagamento pelo aluguel naquele dia e se atrasa. Terei que pedir eventualmente perdas e danos por deixar de alugar o apartamento para alguém que pagasse em dia, e poderia ter convencionado, inclusive, uma multa contratual. Para cada dia de atraso, ela pagaria R$ 100,00, que é a pena convencional, a cláusula penal, que veremos no art. 408.

Parágrafo único:

        Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Inovação do novo Código. Vamos dizer que o dano emergente e o lucro cessante não cobre o prejuízo total do devedor. Exemplo: os R$ 100,00 que a Rebeca aceitou me pagar diariamente caso ela deixe de adimplir o valor do aluguel terminam por não se equiparar ao valor que eu poderia receber se alugasse para um inquilino que não atrasasse nunca. O juiz pode estabelecer que ao caso se aplicará uma pena convencional de, diga-se, R$ 2.000,00. O juiz concede independentemente do pedido das partes. Essa indenização suplementar é cláusula penal, a pena pecuniária.

É cabível também no caso do dentista que tirou todos os dentes daquele paciente. Dessa decisão do juiz pode haver recurso.

Último dispositivo sobre a mora: art. 405:

        Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

Como regra geral, é a partir da citação que se contam os juros de mora, desde que não tenha ocorrido um ato ilícito. Neste caso o devedor está em mora desde o momento em que praticou o ato ilícito, como danificar o automóvel alheio.
 

Juros legais

Art. 406:

CAPÍTULO IV
Dos Juros Legais

        Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Por exemplo: as instituições bancárias, previstas na Lei 4728/65 e as entidades de previdência privada, que podem emprestar dinheiro a juros estão isentas desse dispositivo dos juros legais. Elas podem cobrar 17% ao mês, se quiserem, de juros de cartão de crédito. São instituições bancárias, disciplinadas em lei especial, contraposta ao Código Civil, que é lei geral. Então, no juro do cartão de crédito, que é moratório, em que o usuário não paga a fatura de R$ 2.000,00, mas paga somente R$ 1.000,00, deixando os outros mil para o mês seguinte, ele está em mora e pagará 17% sobre o valor restante.

A taxa em vigor mencionada no artigo é a taxa SELIC, que é o que determina a lei. Não vale para instituições bancárias, orientação inclusive referendada pela Súmula 596 do STF.

Por último, o art. 407:

        Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

Quer dizer, pode ser dívida em dinheiro, ou prestações de outra natureza, que não sejam em dinheiro. A sentença fixou, e houve arbitramento, em que se definiram os juros que iriam incidir; ou houve um acordo entre as partes, que convencionam que os juros serão, por exemplo, de 2% ao mês. Pode acontecer, pois fixada em acordo extrajudicial. Se eventualmente a sentença arbitrou que aquele juro, caberá recurso.

Veremos na aula que vem a cláusula penal. Na terça-feira que vem veremos as arras ou sinal.