Direito Civil

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Das arras ou sinal


Última aula! Incluímos no final as obrigações naturais, para falar apenas algumas palavrinhas. Ela é conceituada pela doutrina e tem referência em nosso Código Civil.

Vamos examinar hoje o último ponto, que são as arras ou sinal.

Na verdade, as arras, no Código Civil Bevilácqua de 1916, eram consideradas como um contrato. Na verdade são mesmo um contrato. Mas o Código Civil Reale, de 2002 diz “não; as arras se constituem como uma família da cláusula penal, com afinidade para com esta.” Mas as arras só tem afinidade com a cláusula penal no último dispositivo da parte do Direito das Obrigações do Código Civil, que é o art. 420, trazendo o direito de arrependimento.

O Direito Romano, que se inspirava também no Direito Grego, e também o BGB alemão de 1900, traziam as arras como um negócio jurídico. O Direito Alemão, na verdade, se inspirou no Direito Suíço nesse aspecto, para o qual as arras significavam a “entrega de um anel”. Seria o anel de noivado, quer dizer, quando os noivos celebravam um contrato de noivado, eles trocavam os anéis. Se esse contrato de noivado fosse rompido antes do casamento, haveria o que se chamava quebra dos esponsais (promessa recíproca ou contrato de casamento). Quando a promessa de casamento era feita, entregava-se a aliança para a futura esposa, que se preparava com o enxoval e toda a parafernália da cerimônia. A troca de alianças simbolizava um "sinal" de que os noivos iriam se casar. A quebra, então, dessa promessa, significa o descumprimento de um contrato (a quebra do elo simbolizado pelos anéis) e a parte lesada deveria ter direito a uma indenização.

Nas arras propriamente ditas existe a entrega de dinheiro ou um objeto móvel. Por ter a ver com objetos móveis, alguns autores, como Paulo Nader, Gagliano e Nelson Rosenvald dizem que elas são um contrato de direito real, pois, se entrego um dinheiro ou um objeto móvel, este será uma coisa que pertence ao direito real. A tradição de um objeto, por exemplo, um relógio, ou de um automóvel tem um conteúdo de Direito Real, não propriamente de Direito Obrigacional. Então esses autores falam que, quando se trata de entrega de dinheiro, falamos em um conteúdo dogmático-teórico de Direito Real.

Dica para a vida: em vez de fazer contrato de compra e venda diretamente, faça promessa de compra e venda, que é melhor. Esta, se levada a registro no cartório de imóveis, passa a ter eficácia contra terceiros. Tem, portanto, o direito de sequela! Logo, se você vai adquirir um apartamento, procure convencer o vendedor a fazer o contrato de promessa de compra e venda levado a cartório, e assim, se ele desistir de te vender, você poderá buscar o apartamento nas mãos de quem ele estiver. Alguém que faz uma promessa de compra e venda a registro pode perseguir esse imóvel, o que não ocorre com as arras. Estas são ou confirmatórias, que são tratadas nos dispositivos dos artigos 417 a 419, ou penitenciais, como no art. 420.

Mas todas as arras, não sendo uma promessa de compra e venda, oportunizam dizer que é um contrato resolúvel, que pode ser resolvido, ou seja, não é definitivo.

Vejamos o Código Civil. Art. 417:

CAPÍTULO VI
Das Arras ou Sinal

        Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

O que significa dizer a primeira parte? As arras constituem um pacto adjecto, quer dizer, tem que existir um contrato principal, pressuposto. É um pacto acessório. Esse é o contrato mencionado no artigo. Pode ser de mútuo, de compra e venda, de depósito, de empréstimo... então as arras são um contrato acessório, em que dentro do principal há uma cláusula de arras. Note que o artigo fala em “bem móvel”, por isso os autores falam em direito real. Execução: conclusão do negócio.

Exemplo: estou comprando o apartamento de Mauritius. Vamos fazer um contrato de venda, mas vamos colocá-lo a título de arras. Então digo a ele: “sua quitinete no Sudoeste vale R$ 150 mil. A título de arras ou sinal te dou dez mil”. No momento da conclusão, que é o fechamento do negócio, eu vou à escritura pública, e se dei uma motocicleta no valor de R$ 10.000,00, ele devolve-a e eu dou os R$ 150 mil integralmente, ou ela conta como o início do pagamento, e ficarei devendo apenas R$ 140 mil pelo apartamento.

O Código não determina se há ou se deve haver proporcionalidade. Na jurisprudência não está dito o quantum das arras. Interessa que o valor tem que ser computado por ocasião da execução do contrato, da assinatura do contrato definitivo de compra e venda, por exemplo.

Art. 418:

        Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.

Primeira parte: rectius, com maior perfeição técnica, “não executar o contrato” é o mesmo que “não concluir o contrato”. Neste caso a parte que recebeu as arras pode retê-las. Essa retenção não é penitencial. Segunda parte: “se a inexecução...” pede-se o que foi adiantado em dobro, com atualização. Aqui entramos no princípio geral das perdas e danos, dentro do inadimplemento das obrigações. “...e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.”: a exigência da devolução do equivalente deve se dar de acordo com as regras das perdas e danos. Não precisaria repetir o que está na parte final.

No exemplo acima, eu adiantei uma motocicleta de R$ 10.000,00 para Mauritius. Qualquer um de nós pode, naturalmente, desistir do negócio antes de concluído. Então, o que acontecerá? Se a desistência foi minha, ele poderá reter a moto que lhe dei. Se a desistência foi dele, poderei exigi-la de volta, mais o equivalente. Ou seja, ele me devolve a moto e me entrega mais R$ 10.000,00, em dinheiro, ou em outro bem do mesmo valor que eu aceitar.

Art. 419:

        Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.

Essa “parte inocente” dita no artigo lembra a passagem inocente dos navios que recentemente aprendemos em Direito Internacional Público. Nunca se usou o termo em Direito Civil. É uma figura de Direito Público mesmo. Um navio estrangeiro que ingresse no mar territorial da Argentina, que estabelecia uma largura de 200 milhas marítimas, se passa avisando a guarda costeira ele terá o direito de passagem inocente. A embarcação não quer causar prejuízo ao mar territorial do Estado costeiro. Então seria melhor o legislador ter dito “a parte não culpada”, a parte que não deu causa à ruptura do contrato. Esta, de acordo com o artigo, poderá pedir indenização suplementar. Por isso dizemos que as arras são da família da cláusula penal. Desde, é claro, que prove o prejuízo maior, que não seria coberto pelo valor das arras.

Exemplo: moro no Triângulo Mineiro. Vendi minhas casas para poder comprar o outro apartamento do Mauritius, que vale R$ 3,4 milhões. Adiantei esse “quebrado” de R$ 400 mil a título de arras, faltando completar os outros 3 milhões. No meio-tempo, ele desiste do negócio e eu saio prejudicado. Ante o prejuízo por ter vendido minhas casas peço indenização suplementar.

Isso é matéria de prova. Deve a parte que se sente lesada provar ao juiz que houve perdas e danos, lucro cessante, e dano moral eventualmente.

Por último, o art. 420, que o Código Civil anterior tratava nos arts. 1094 e 1095:

        Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.

Então digo ao Mauritius: vamos fazer uma arras penitencial. Então fazemos a compra e venda do apartamento, mas a título de arras penitencial, ou seja, se me arrependo de comprar, eu perco o dinheiro. Se ele se arrepender, ele terá a obrigação de me devolver o que adiantei mais o valor equivalente. Não há direito à indenização suplementar. Por quê? Porque estão funcionando como arras exclusivamente penitenciais. Neste caso, as arras são uma antecipação de perdas e danos, que não dá direito à indenização suplementar.
 

Obrigação natural

É a obrigação que não é exigível. É exatamente a descortesia daquele que passa por você e não o cumprimenta. É norma social de boa educação cumprimentar, mas, se o sujeito passa reto por você, você não pode exigir que ele volte e o cumprimente.  

O mesmo para a dívida de jogo de carteado. Aquele viciado em Poker que se propõe a pôr a própria casa para jogo não estará juridicamente obrigado a entregá-la, ainda que prometa na frente de várias pessoas. Significa que a dívida da casa que ele teria firmado com seu adversário não será exigível perante o Judiciário. A prestação poderá ser perfeitamente entregue, sem nenhum óbice. E, uma vez feito, mesmo que tenha decorrido de jogo ilícito, o perdente não poderá reivindicar a coisa de volta. Significa que aquele que paga não tem direito à repetição do indébito.

Art. 882:

        Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

Cabe dizer que não deixa de ter a essência de uma obrigação: tem sujeito ativo, passivo, objeto e vínculo obrigacional. Mas este vínculo obrigacional decorre de um imperativo moral ou de justiça, e não de um direito.

Note o art. 814, que estabelece uma exceção: se o perdedor é menor ou incapaz, ele poderá reivindicar o valor de volta, ou também se houve dolo do ganhador:

CAPÍTULO XVII
Do Jogo e da Aposta

        Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

        § 1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé.

        § 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

        § 3º Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares.

Silvio Venosa diz: o Código Civil Português, no art. 402, é mais correto: quando se trata de uma obrigação devida por justiça. É uma questão de justiça, embora a obrigação seja inexigível. Quem paga, paga bem. Uma vez paga a obrigação natural, não se pode exigir a repetição do indébito. O Código Português tem uma redação melhor que o nosso nesse ponto, que fala em obrigação judicialmente inexigível.

Chegamos ao fim!