Direito Civil

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pagamento com sub-rogação

Tópicos:

  1. Pagamento em consignação: conclusão
  2. O pagamento com sub-rogação
  3. A sub-rogação convencional


Pagamento em consignação: conclusão

Vamos rapidamente terminar a consignação em pagamento e vamos começar o pagamento por sub-rogação.

Art. 338:

        Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.

A consignação nós vimos: é aquela importância que é depositada em juízo, que pode ser feita extrajudicialmente quando se trata de depósito em dinheiro. “Não o impugnar” = “não o contestar”. Quer dizer, a qualquer momento, antes da citação, que é a regra do Código de Processo Civil, o devedor pode requerer o levantamento. Aqui o Código Civil oportuniza que, antes da contestação, como regra geral, a parte se arrependa e peça o levantamento daquela quantia ou corpo certo determinado.

Art. 339:

        Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.

Julgado procedente o depósito, não a ação. Os outros, que são devedores e fiadores, têm que consentir para que se levante aquela importância que foi consignada. Caso contrário, não poderá haver o levantamento.

Art. 340:

        Art. 340. O credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer no levantamento, perderá a preferência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa consignada, ficando para logo desobrigados os co-devedores e fiadores que não tenham anuído.

Lide: ação, demanda, processo. Aquiescer: concordar. Se os co-devedores e fiadores não tiverem anuído, depois de contestado não poderão mais eles eventualmente rechaçar essa situação jurídica.

Art. 341:

        Art. 341. Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada.

Aí o Código Civil faz referência ao art. 891, parágrafo único do Código de Processo Civil:

        Art. 891.  Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente.

        Parágrafo único.  Quando a coisa devida for corpo que deva ser entregue no lugar em que está, poderá o devedor requerer a consignação no foro em que ela se encontra.

Veja que os artigos estão em consonância. E agora leia o art. 342 do Código Civil:

        Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para esse fim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente.

Como sabemos, a coisa indeterminada pode ser determinada pelo gênero e quantidade. Essa escolha compete ao credor. O CPC estabelece o prazo.

Art. 894:

        Art. 894.  Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias, se outro prazo não constar de lei ou do contrato, ou para aceitar que o devedor o faça, devendo o juiz, ao despachar a petição inicial, fixar lugar, dia e hora em que se fará a entrega, sob pena de depósito.

Veja a mesma coisa do art. 342 do CC. O prazo é de cinco dias. Quando o Código de Processo Civil não fala em prazo, ele poderá inclusive fazer um bis in idem. Quando não estipular prazo, a regra geral no CPC é de cinco dias de prazo. O juiz manda: “ouça-se a parte contrária sobre o depósito”, ou “ouça-se a parte contrária com relação à apresentação de tais documentos”. A escolha é feita pelo credor. Ele não pode dar nem a coisa pior nem está obrigado a dar a coisa melhor. Isso já vimos! Se a dívida é de dez cavalos, não poderá o credor exigir os campeões, mas também não poderá o devedor dar os pangarés. Mas, se a escolha é feita pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente: será depositado no lugar onde está.

Vamos a outro dispositivo. Art. 343 do Código Civil:

        Art. 343. As despesas com o depósito, quando julgado procedente, correrão à conta do credor, e, no caso contrário, à conta do devedor.

E veja o art. 897 do Código de Processo Civil:

        Art. 897. Não oferecida a contestação, e ocorrentes os efeitos da revelia, o juiz julgará procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas custas e honorários advocatícios. 

        Parágrafo único.  Proceder-se-á do mesmo modo se o credor receber e der quitação.

Efeitos da revelia estão no art. 319 do Código de Processo:

CAPÍTULO III
DA REVELIA

        Art. 319.  Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.

Então o que está dito? Que as despesas com o depósito correrão à conta do credor, caso o pedido seja julgado procedente, ou, caso contrário, à conta do devedor.

E o art. 344 do Código Civil fala em obrigação litigiosa:

        Art. 344. O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento.

Está claro. Nicolas deve um cavalo a Gabriel, dono de um haras, depois de ter provocado um dano que culminou na morte de um animal. Marisa, ex-sócia de Gabriel, disputa com ele esse cavalo, dizendo que é dela. Nicolas tem conhecimento desse litígio, então ele que consignar, pois, quem paga mal, pagará duas vezes. O melhor para ele é não escolher um dos dois e pagar, pois o credor escolhido pode acabar não sendo o legítimo.

Art. 672, § 2º, Código de Processo Civil:

        Art. 672.  A penhora de crédito, representada por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do documento, esteja ou não em poder do devedor.

       [...]

        § 2o  O terceiro só se exonerará da obrigação, depositando em juízo a importância da dívida.

É por isso então que, em litígio, o devedor se desonera pagando a importância da dívida.

Por último, art. 345 do Código Civil:

        Art. 345. Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação.

É o contrário da situação anterior. Se a dívida se vencer pendendo litígio entre credores, como Marisa e Gabriel brigando pelo cavalo, poderá qualquer um requerer a consignação. O pólo ativo é que requer a consignação aqui.
 

O pagamento com sub-rogação

Sub-rogação é substituição. Quando ocorre uma sub-rogação, quando vimos a teoria geral do pagamento? Quando há um terceiro interessado! Ele, que paga uma dívida, se sub-roga nos direitos do devedor. Ele substituiu o credor. As hipóteses legais estão nos artigos 346 e seguintes do Código Civil. Veremos também hipóteses de direitos reais. É que há autores que explicam, enquanto outros não. Qual é mesmo a diferença entre o direito obrigacional e o real? O primeiro é transitório, que nasce para morrer. Traduz-se numa modalidade de obrigação, que quando cumprida, se extingue. Já o direito real é o direito inerente às coisas, e tem condição de permanência. Então pergunta-se: a sub-rogação só pode ser objeto de obrigação ou ela também pode ser objeto no direito real? Pode ser objeto de ambos. Exemplo: posso clausular um bem com inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Incomunicabilidade: posso deixar um imóvel, em meu testamento, para um filho e estabelecer que ele não alienará o bem; ele não dissipará a herança. Cláusula de impenhorabilidade: estabelece-se que um bem não pode ser penhorado, cabível num testamento. Não interessa muito ao Direito das Obrigações, mas é bom para entendermos o direito real. Incomunicabilidade: deixei uma casa que eu tinha para um de meus filhos com cláusula de incomunicabilidade pois antevi que esse filho poderia se casar com uma aventureira e perder para ela a casa.

A incomunicabilidade é uma cláusula do Direito de Família. Um pai que quer contemplar todos os filhos, mas sabe que um deles não é muito ortodoxo, e pode levar um imóvel à ruína. Então essa cláusula de incomunicabilidade pode ser posta ao bem. Mas a cláusula de incomunicabilidade, mesmo no direito real, pode ser objeto de sub-rogação. É aqui que queríamos chegar. Vejam: Nicolas é meu filho, e costuma apresentar pequenos incidentes de insensatez. Deixei para ele um imóvel em meu testamento. Suponha que haja passado 40 anos que ele tenha se tornado proprietário do imóvel. Se ele estiver em dificuldades, Nicolas poderá pedir, provando a justa causa, que se troque esse bem por outro. A troca é da coisa.

Há autores que não falam sobre isso. 

Vamos estudar a cessão de créditos e seguros. Estão nos arts. 347 e 348. Vamos ao Código Civil, art. 346:

CAPÍTULO III
Do Pagamento com Sub-Rogação

        Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

        I - do credor que paga a dívida do devedor comum;

        II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

        III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Há credores privilegiados e credores quirografários. Os privilegiados preferem os quirografários. Os trabalhistas e tributários têm privilégio em relação aos demais, por exemplo. Então imagine uma situação em que Nicolas, meu filho inconseqüente, contraiu dois débitos. Em relação a Jonas, banqueiro, ele contraiu um empréstimo de algumas dezenas de milhares de reais. Em relação à União, contraiu dívidas tributárias pelos anos que deixou de repassar contribuições em virtude de sua atividade comercial. Jonas, credor quirografário, notou a situação em que estava metido; ele viu que poderia não receber seu pagamento no tempo em que pretende, já que há outro credor na jogada, e ainda privilegiado. Jonas se antecipa e paga ao fisco a dívida Nicolas devia ao erário, ficando, assim, na condição de único credor daquele. A Fazenda Pública se dá por satisfeita.

Fazendo isso, Jonas se sub-roga nos direitos do ex-credor, a União, podendo, a partir de agora, cobrar de Nicolas o que caberia à Fazenda, além de seu próprio crédito, oriundo do empréstimo que Nicolas tomara junto a seu banco. ¹

Inciso II:

        II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

Rara ocorrência, de acordo com Silvio Rodrigues. ²

Imagine que Manolo foi ao banco de Jonas pedir seu próprio empréstimo. Manolo é cliente de certo risco, então Jonas pediu uma garantia. Manolo deu seu imóvel em hipoteca. Um imóvel hipotecado é legalmente impedido, mas isso não impede sua alienação. O comprador pode querer adquirir o imóvel, mesmo sabendo que ele fora dado em garantia. Nisso surge Manoelino, interessado no apartamento de Manolo. Este alerta àquele sobre o problema relativo ao seu imóvel, falando-lhe sobre a hipoteca, e lembrando também que associado à hipoteca há o direito de seqüela, que outorga ao credor o direito de buscar aquele bem onde quer que esteja; em outras palavras, se o imóvel por acaso estiver com Manoelino, é ele quem ficará desamparado. Neste caso, Manoelino, que é interessado, paga a hipoteca de Manolo, livrando-o do terror que Jonas poderia lhe propiciar em eventual execução. Assim, Manoelino se sub-roga nos direitos de Jonas.

O inciso também tem a ver com contratos de gaveta.

Inciso III:

        III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

Acontece muito em contratos de seguro. Então vamos avançar para o art. 786 do mesmo Código...

        Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

        § 1º Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consangüíneos ou afins.

        § 2º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

Ana tem um contrato de seguro do carro dela com uma seguradora. Nicolas, dirigindo bêbado pela W3, (vale para ato ilícito ou não), abalroa o carro de Ana. Ela vai à seguradora e diz: “um louco bateu em mim e meu carro está sinistrado.” O que faz a companhia? Como ela tem um contrato de seguro com Ana, ela lhe paga. Nicolas não ficará impune. A seguradora paga a indenização a Ana, e se sub-roga em seus direitos e ajuizará ação de indenização contra Nicolas. É um caso de contrato de seguro res inter alios (entre terceiros).

A mesma coisa pode ocorrer na denunciação à lide. Se eu quem bato no carro de Ana, ela pode ajuizar ação de reparação de danos contra mim. Mas se sou eu que tenho o seguro, o que eu faço? Art. 70, inciso III do CPC:

Seção III
Da Denunciação da Lide

        Art. 70.  A denunciação da lide é obrigatória:
       
        [...]

        III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Eu denuncio a companhia se seguros à lide para responder em meu lugar.

Como podemos ver, as partes de pagamento em consignação e pagamento com sub-rogação têm grande caráter processual.

Todas as hipóteses do artigo, nos incisos I, II e III são chamadas hipóteses de sub-rogação legal. Por quê? Decorrem da lei, e não é preciso que se contrate. A lei impõe. Agora vamos às hipóteses de sub-rogação convencional.
 

A sub-rogação convencional

Comecem lendo os arts. 347...

        Art. 347. A sub-rogação é convencional:

        I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos;

        II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

...e o art. 348:

        Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito.

É o seguinte: na opinião do professor e de alguns autores, o legislador poderia ter dito isso quando tratou da cessão de crédito. Isso porque quando o credor recebe o pagamento de terceiro e transfere expressamente os direitos desse terceiro, ele está fazendo uma sub-rogação. Por exemplo: o terceiro interessado, que eventualmente paga a dívida de um devedor, como o fiador que paga a dívida do devedor principal, também se sub-rogará nos direitos do credor. Essa é uma sub-rogação legal, do inciso III do art. 346. Mas pode acontecer de Raquel ter um crédito com Nicolas, firmado em uma nota promissória, então eu me dirijo a ela e digo: “pagarei a ti aquilo que Nicolas te deve.” Assim Raquel, através de um instrumento particular, se a dívida for sobre bem móvel, transfere todos os direitos expressamente a mim. Isso funciona, na verdade, como uma cessão de crédito. Mas tem uma diferença, que devemos ter em mente: a cessão de créditos sempre tem efeito especulativo, que significa que alguém quer ganhar o dinheiro. Exemplo: factoring. Aqui na sub-rogação, é meramente por amizade ou eventualmente por ato de filantropia que se dá a substituição. Não há efeito especulativo, nem há necessidade de haver uma notificação, como existe na cessão de direitos. Então essa situação do inciso I do art. 347 é equiparada a uma cessão de direitos (ou créditos), mas não tem os mesmos efeitos porque lá há efeito especulativo e precisa haver a notificação do terceiro.

E a outra hipótese da sub-rogação convencional está no inciso II do art. 347:

        II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.

Contrato de mútuo é o contrato de empréstimo. Se Nicolas volta a tomar um empréstimo junto ao banco de Jonas, Nicolas poderá ficar endividado com a mora. Então um certo Onofre, um bom samaritano, simpático a Nicolas, empresta-lhe dinheiro para que pague sua dívida contraída com Jonas, com a finalidade de acalmá-lo e não gerar mal-estar decorrente da mora. É dizer: Onofre e Nicolas celebraram um contrato de mútuo, em que Onofre é o mutuante (quem empresta o dinheiro) e Nicolas é o mutuário (quem toma emprestado). O mutuante se sub-rogará nos direitos do credor satisfeito (Jonas). Assim Onofre poderá exigir de Nicolas não só o reembolso do que pagou, mas também utilizar-se das eventuais garantias pactuadas em prol do credor inicial ³ 


Para a aula seguinte o professor determinou que fizéssemos um pequeno trabalho de distinguir sub-rogação legal da convencional. Provável que caia em prova. Outra coisa que tem chance de cair é: "explique a diferença entre cessão de créditos e sub-rogação convencional".

Gagliano, Silvio Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves são bons autores para esta parte, indica o professor.

  1. Esta parte está explicada claramente na Obra de Gagliano & Pamplona.
  2. Aqui o professor citou um artigo do CPC que devo ter copiado errado. Pensei que era o 895 ou 985, mas nenhum dos dois tem inciso II, como ele disse.
  3. Pequeno trecho tirado da obra de Gagliano & Pamplona.

Expressão do dia:

Res inter alios: coisa entre terceiros.