Breve esquema
Obrigação de dar coisa incerta
Obrigação de fazer
Obrigação de não fazer
A obrigação de dar coisa incerta é aquela obrigação
em que a prestação
não se encontra determinada. Ela é até determinável. O Código Civil
fala que,
nas obrigações de dar coisa incerta, o devedor tem que dar algo com
relação ao
gênero e quantidade.
Seção II
Das Obrigações de Dar Coisa Incerta Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade. |
Exemplo: devo ao Lucas “100 sacas de arroz”. Então, com relação a esse fato, que é objeto de um contrato verbal, não se encontra determinado qual é o tipo de arroz que deverei pagar ao Lucas. Apenas digo que devo 100 sacas. Então vejam bem que, no exemplo desta esta obrigação, que é incerta, está determinada a quantidade, que é 100 sacas, e está determinado que é se trata de arroz. Álvaro Vilaça de Azevedo diz que o legislador deveria ter determinado pela espécie e quantidade, pois a espécie é mais restrita. Exemplo: eu devo cem cabritos. Então, qual é a espécie? Dentro do rebanho caprino ficaria mais especificado, segundo o autor. Mas quando digo “eu devo cem ovelhas”, esta situação é extremamente transitória, porque chegará um determinado momento em que eu, o devedor, que é de quem geralmente fica a cargo escolher o cumprimento da obrigação, fará o que Pontes de Miranda chama de concretização. O que é a concretização? É o que o veremos na próxima aula: as obrigações alternativas. Nelas, haverá a concentração. Nas obrigações genéricas, o termo técnico não é bem concentração, mas concretização. No momento em que Lucas diz que eu devo a ele cem sacas de arroz, na hora do cumprimento a prestação deverá ser especificada, como arroz tipo exportação, ou vinho da Colônia de Garibaldi, do Rio Grande do Sul. Assim, estamos determinando, através da concretização, uma obrigação que é certa. Quando eu pago, fazendo a solução, tenho que dizer de qual espécie são, afinal, essas garrafas de vinho. Vinho francês, vinho nacional, o quê? É o que diz o art. 244 do Código Civil:
Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a melhor. |
A escolha sempre pertence ao devedor. O que é o
título da obrigação? O
contrato, o pacto. A parte final diz que não poderá o devedor dar a
pior coisa
nem será obrigado a dar a melhor. Por isso dar
coisa média. Veja o esquema acima. Significa que não podemos
dizer o
seguinte: devo ao Lucas 100 cavalos que estão na minha fazenda lá no
Riacho
Fundo. Pagarei, farei a concretização da obrigação, que é a mais
transitória
delas. No momento da concretização, não posso dar para ele os 100
piores, os
pangarés doentes; não posso dar a pior coisa que tenho, mas tampouco
tenho a
obrigação de dar a melhor. Daí a obrigação de dar coisa
média. Essa assertiva encontra também ressonância no art. 313
do Código Civil:
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. |
Quer dizer, o credor, no pagamento, não é obrigado
a receber coisa
diferente, mesmo se mais valiosa. Mas, ipso
facto, também não se pode dar a pior. Por quê? Porque é
indeterminada,
então deve-se dar algo de qualidade média, como os cavalos saudáveis,
mas não
necessariamente os campeões.
Art. 245:
Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente. |
Isso tudo é inerente ao tipo obrigacional. Basta
aplicar o que
aprendemos para as obrigações de dar coisa certa. Como as situações em
que há
culpa do devedor, quando não há culpa do devedor, realização de
benfeitorias,
deterioração, etc.
A última característica da obrigação de dar coisa
incerta é o que
colocamos em latim no esquema: “o gênero jamais perece”. Genus
nunquam perit. Usaremos depois o exemplo de Silvio Rodrigues.
O que quer dizer?
Art. 246:
Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito. |
Fiquei de dar para Lucas 100 cavalos de minha
fazenda. Pergunto: posso
chegar e dizer “os 100 cavalos tiveram gripe suína. Estou livre da
obrigação.”?
Não. O Código Civil diz que, antes da
escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da
coisa ainda
que por força maior ou caso fortuito. Vis
major. Os dois eventos têm certo grau de similitude. Isso não
isentará o
devedor do cumprimento da obrigação, a não ser no caso do exemplo de
Rodrigues:
comprometo-me a dar uma pedra de 10 quilates de diamante, pedras essas
que só
se encontrariam em determinado local do planeta, mas eu fui roubado!.
Significa
que, num caso fortuito, se alguém roubasse essas jóias, o devedor
estaria
isento dessa obrigação. Mas, teoricamente, como o gênero jamais perece,
quando
digo que devo uma determinada quantidade de arroz, de cavalo ou vinho,
e esses
produtos vêm a se deteriorar, terei que buscar de outro lugar uma coisa
daquele
mesmo gênero para pagar, pois ainda não concretizei a obrigação.
Obrigação indeterminada
beneficia o credor antes da concretização. Ainda que os cavalos tenham
que ser
buscados em outra fazenda. É isso que faz com que a obrigação de dar
coisa
incerta seja mais onerosa ao devedor. Por fim, cabe notar que uma geada
não
prejudica o direito do credor, justamente porque o gênero jamais
perece.
Obrigação de fazer
Pontes de Miranda diz que toda obrigação de fazer
importa uma obrigação
de dar. Interessante colocação. Por exemplo: peço para que alguém me
pinte um
quadro. Essa obrigação pode ser personalíssima, chamada intuitu
personae, ou não.
Vejamos. Se quero, por exemplo, que a equipe do Prof. Ivo Pintanguy
venha fazer
uma cirurgia plástica, essa obrigação será intuitu
personae. Essa obrigação só pode ser
exeqüível por aquela pessoa ou equipe. Outro exemplo: contrato Roberto
Carlos
para me fazer o show que fez recentemente em Barretos. Também é uma
obrigação intuitu personae,
pois ele é insubstituível. Então, o que diz o Código?
Art. 247:
CAPÍTULO II
Das Obrigações de Fazer Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível. |
Então RC se compromete a fazer um show, mas, por
uma cláusula
potestativa, ele se recusa a se apresentar. Ou, então naquele dia em
que
contratei para o casamento do meu filho uma cantora lírica de Brasília
chamada
Alberta, mas ela não compareceu. Ela se recusa a comparecer. O que
acontecerá?
Ela terá que pagar perdas e danos, pois ela não poderá ser substituída
por
outra pessoa, mesmo que tivesse as características vocais que ela tem. Mors omina solvit: a morte acaba com
tudo. Michael Jackson ficou de se apresentar em Londres, mas sua morte
terminou
com a obrigação. O espólio teria que retornar o dinheiro, ou seria caso
de enriquecimento
ilícito. A obrigação, que era exeqüível somente por ele, não poderia
mais ser
cumprida; não se poderia chamar seu irmão para cantar no lugar dele.
Daí vamos
para outro dispositivo do Código Civil.
Art. 248:
Art. 248. Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos. |
Também fixamos por um exemplo: contratei uma dupla
sertaneja para se
apresentar aqui. Mas, na estrada, um caminhão os mata. Não houve culpa
deles,
então a obrigação está resolvida. Mas, se tiver havido culpa, eles
responderão
por perdas e danos. Como na hipótese em que eles tenham ingerido bebida
alcoólica e vierem a se acidentar. Neste caso, eles terão
responsabilidade
civil, e não foram diligentes, probos, com uma conduta íntegra em sua
relação
contratual. Bibi Ferreira, a cantora, atriz e diretora carioca, por
beber, teve
que pagar perdas e danos por não ter comparecido no show marcado, por
culpa
deliberada. Mas, se for um caso como o do professor Voltaire, que não
podia
caminhar, não há culpa, e a obrigação fica resolvida. Observação: não
confunda
com as conseqüências. Estamos falando somente do cumprimento da
obrigação.
Morte de Michael Jackson o desobrigou de apresentar, mas seu espólio
ainda
poderá responder por perdas e danos pelos ingressos já vendidos para os
shows
de Londres. Não se pode arbitrar, na maioria dos casos, o valor do
dano.
Mas também pode ser caso de obrigação de fazer
substituível, como
contratar alguém para construir um muro. Neste caso, se o contratante
precisar
muito do serviço, já que dará uma festa e precisará de sua casa
devidamente
separada da vizinha, e o pedreiro não comparecer em tempo, é lícito
pedir para
que alguém faça em seu lugar, à custa do devedor. É o que diz o art.
249:
Art. 249. Se o fato puder
ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à
custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da
indenização cabível. [...] |
O mesmo para a hipótese na qual o Professor
Voltaire não tenha ficado doente
coisa nenhuma, mas deliberadamente deixou de vir dar aula. Significa
que houve
recusa do professor em ministrar aula. É a mesma situação em que
determinado
artista deveria se apresentar conforme combinado, mas não comparece.
Nesses casos,
o que diz o Código? Que
o credor poderá pedir
para que um terceiro o faça. Isso porque o devedor deu azo, ensejo a
essa
situação por culpa.
E, daqui, vamos para o parágrafo único do mesmo
artigo:
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido. |
Em caso de urgência, outro prestador da obrigação
poderá ser chamado,
com cobrança posterior do devedor. É um instituto novo, que não havia
no Código
de 1916. Como um médico chamado para prestar algo urgente. Se não há
leitos no
hospital, e a pessoa pede tutela antecipada, o Estado responderá por
isso se
não cumprir. Agora, se vocês querem construir um muro na república de
vocês
para então poderem realizar uma festa, e a empresa contratada não
aparece,
outra poderá ser chamada, para então cobrar da primeira. Não é uma
obrigação
personalíssima, pois a construção do muro é exeqüível por outra.
Jus
est ars aequi et boni. O
que é equidade? Boms-senso, paridade. Não posso exigir de uma pessoa
que
contratei que seja um super-homem. É o Direito. Quer dizer, se alguém
contrata
um cirurgião de média qualidade, mas eventualmente ele se recusa a
operar como
tal, e não resta outra opção a não ser nomear um cirurgião famoso e
caro, o
originalmente contratado terá que custear o preço cobrado por aquele.
A obrigação de fazer pode ser relativa às qualidades essenciais da pessoa, ou ela pode nada ter a ver com qualidades essenciais da pessoa, que, caso não desempenhada, qualquer um poderá supri-la.
Obrigações de não fazer
Non altius tollendi: essa obrigação já existia no Direito
Romano. O que é isso? É a obrigação de não construir mais alto. Exemplo
atual:
somos vizinhos e moramos no Lago Sul. Mas tua casa tem uma inclinação
mais
baixa. Eu me comprometo contigo a não construir um muro acima de três
metros para
não obstaculizar tua visão. Significa que tenho uma obrigação de não
fazer
determinada coisa. Mais um exemplo: alguém tem uma fábrica de
pastelaria em
determinada região. Ele vende esse estabelecimento comercial, ao mesmo
tempo
que se compromete a não abrir outra fábrica de pastelaria do mesmo
gênero
naquela mesma região, mas ainda assim estabelece, nas redondezas, outra
fábrica
semelhante. Nisso ele incide numa das sanções do Código Civil, pois ele
assumiu
uma obrigação de não fazer. Art.
250:
CAPÍTULO III
Das Obrigações de Não Fazer Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar. |
Neste primeiro exemplo, do Lago, o GDF diz: agora
os muros que cercam as
propriedades terão que ter 3,5m de altura, e não mais 3m. Então, quando
aquela
autoridade pública estabeleceu nova norma, norma essa que tem uma
supremacia
sobre o pacto privado. Significa que a obrigação de não fazer se
dissolve, ou
se resolve, como diz o Código sem culpa do devedor, pois é impossível
se abster
do ato. O poder público o obrigou a descumprir, e o que havia sido
pactuado
fica resolvido, desfeito. Nisso
vem o
art. 251:
Art. 251. Praticado pelo
devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele
que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o
culpado perdas e danos. [...] |
Quer dizer, no exemplo do muro, que se o vizinho
constrói algo mais alto
do que o combinado, ele fica obrigado a desfazer. Há outra disposição
do Código
Civil, que diz:
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido. |
Caso de urgência. Imagine que alguém fosse fazer uma inauguração de determinada peça teatral. O que acontece? Houve uma construção, que gerou sombra sobre o local do palco; então o sujeito que construiu alto é obrigado a desfazer sem autorização judicial. Imagine a confusão. Construção pretoriana: decisões reiteradas dos tribunais, como no seguinte exemplo: houve uma invasão de um prédio dentro do limite territorial de outro, desrespeitando o direito de propriedade. Pergunta-se: deve-se mandar destruir o prédio invasor, que já está pronto? Não, a jurisprudência entende que a situação, se for causar um prejuízo ainda maior, essa situação será resolvida apenas em perdas e danos.
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