Direito Civil

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Conclusão da sub-rogação e imputação do pagamento




Vamos terminar a sub-rogação. Tínhamos visto a diferença entre a sub-rogação legal, que está plasmada nos incisos I, II e III do art. 346 do Código Civil, e a convencional, que dizia respeito diretamente à cessão de créditos (art. 347). Na cessão de créditos vimos que tinha era imprescindível a notificação do devedor, o que não acontece com a sub-rogação convencional, e tampouco a cessão de créditos tinha efeito especulativo. Paramos nisso, e ficamos de examinar o art. 349.

        Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Este artigo está associado ao 786...

        Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

...que já comentamos na aula passada. Mas também faz menção ao art. 800:

        Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.

Se analisarmos o art. 786, vemos que ele está falando na sub-rogação em matéria de contrato de seguros. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. Mas o art. 349, o artigo em estudo, diz: a sub-rogação transfere ao credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. Quem tem direito tem ação. Então, quando o art. 786 fala sobre o contrato de seguro, ele também faz referência ao art. 800, que trata de seguros de pessoas.

Digamos que alguém tem um seguro de vida, e veio a morrer em virtude de um atentado terrorista, como a derrubada de um helicóptero. Se eventualmente a seguradora paga à família dos ocupantes do helicóptero o seguro de vida, não haverá sub-rogação, pois se cuida de seguro de vida. Isso será importante para o semestre que vem. No seguro, a sub-rogação só se dá em seguro de dano, mas não de vida. Vejamos um exemplo: num contrato de locação, o inquilino Jarbas tem um imóvel alugado, e Jonas é o proprietário. Joanides é a fiadora de Jarbas. O que ela faz, quando o devedor principal é acionado? Ela paga, porque ela tinha o haftung, a responsabilidade pelas dívidas daquele. Ela paga ao Jonas e depois receberá de Jarbas, o devedor.

O Código Civil Reale faz alusão, nos artigos 786 e 800, respectivamente ao seguro de dano e de pessoa. O de pessoa não tem sub-rogação porque não se pode tentar auferir vantagem da morte. Então, por uma questão de cunho ético, o legislador resolveu dizer que não haverá sub-rogação no seguro de pessoa, só de dano. O que é um seguro de dano? De automóveis, transporte, mercadoria, de engenharia, tudo que pode haver dano. Pessoa: pessoa física, que foi acidentada ou morreu.

Se uma pessoa falecer e não deixar herdeiros, quem seria o beneficiário? O seguro é diferente da vocação hereditária. O seguro não entra no inventário. Se alguém vem a óbito, primeiramente se estabelece a ordem da vocação hereditária. Não se pode deixar para amante herança, mas pode-se deixar seguro de vida. Inclusive para a concubina ou o parceiro homossexual.

A companhia se sub-roga e aciona o causador do acidente, para danos. Não para seguro de vida.

Art. 350:

        Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.

Isso é óbvio. Se Jarbas deve a Jonas R$ 2.000,00 daquele aluguel, não posso tomar a dianteira e pagá-lo R$ 2.500,00 e me sub-rogar no direito de receber esses 500 extras, pois o valor devido era de apenas R$ 2 mil.

Por último, o que é também uma questão fácil de entender, é a do art. 351:

        Art. 351. O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.

Então se eventualmente o devedor só tiver R$ 2 para pagar seu débito de R$ 3, a preferência é do credor em receber do devedor em detrimento do sub-rogado. Em outras palavras, se o credor, que é o titular da obrigação, portanto originário, recebe de um fiador ou de um co-obrigado uma parte daquilo que tinha que receber, o que acontece? O que então estava co-obrigado será sub-rogado nos direitos do credor originário. Mas aquele que tinha que receber aquele valor total, que é o credor originário, tem preferência sobre o sub-rogado. Isso porque o credor originário não foi totalmente satisfeito. Então ele terá preferência sobre o sub-rogado pela anterioridade do crédito. Quem mandou alguém ser fiador? É ruim mesmo. Primeiro, paga-se o que falta ao credor para depois se acertar com o fiador.

Vamos ver um exemplo: Katarinna empresta R$ 15 à sua amiga Klarinneta, com a condição de que esta chame sua irmã Klennice para ser sua fiadora. Chega o dia do vencimento, e Katarinna cobra de Klarinneta. Esta não dispõe do dinheiro prontamente, então Klennice, sua fiadora, procura Katarinna e paga-lhe R$ 10. Ficou faltando, claro. Então Klennice se sub-rogou no direito de Katarinna em receber de Klarinneta esses R$ 10 que adiantou à credora. Como ficou a situação agora? Klarinneta, a devedora, deve pagar R$ 5 a Katarinna, e mais R$ 10 a Klennice, a fiadora. O que o Código diz é que Katarinna, que é a credora originária, tem preferência à sub-rogada, então primeiramente ela deverá receber seus R$ 5 e só depois Klarinneta poderá pagar os R$ 10 que deve a Klennice.

 

Imputação do pagamento

O que é imputar o pagamento? É dizer o que se quer pagar. Vamos ao Código. Art. 352:

CAPÍTULO IV
Da Imputação do Pagamento

        Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.

A pessoa está obrigada a dois ou mais débitos da mesma natureza. O que significa “débito da mesma natureza”? Quando se vai ao comerciante e compram-se pneus, roda e acessórios, falamos em débitos da mesma natureza. Num o comprador assinou cheque pós-datado, outro assinou nota promissória, e noutro fez promessa oral na presença de testemunhas, para que pagasse esse conjunto de dívidas em três meses consecutivos. Para simplificar, imagine que os bens comprados todos valor igual a R$ 1.500,00 cada. O “um só credor”, referido no Código, é aqui o comerciante. O que é um título de uma “dívida líquida”? É o instrumento que atesta uma dívida certa quanto ao valor e determinada quanto ao objeto.

Quando o comprador vai adimplir sua obrigação, ele oferece um pagamento de R$ 3 mil. Mas ele deve 4,5 mil! Portanto os R$ 3 mil são insuficientes. Então, admitindo que se as parcelas devem ser pagas a primeira em 10/9, a segunda de 10/10 e a terceira de 10/11, se o devedor oferece R$ 3 mil, ele obviamente quererá quitar as duas primeiras, que são líquidas e vencidas. Excluindo do raciocínio, por ora, quaisquer juros e outros encargos.

Avancemos. Art. 353:

        Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.

Vejam: não tendo o devedor declarado em qual das dívidas liquidas e vencidas deseja imputar o pagamento, considerando, é claro que estão todas liquidas e vencidas, significa que o credor pode aproveitar para considerar quitada a dívida mais recente. Isso é bom para o credor e ruim para o devedor, pois sobre as mais antigas, na prática, incorrerão os encargos da mora.

Art. 354:

        Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.

Quer dizer, se o devedor se apresenta e sinaliza que pagará R$ 1.500,00, tendo já duas parcelas vencidas, é de se esperar que sobre elas tenham incidido juros. Vamos entender. Prestem atenção no exemplo e relaxem, pois não nos será cobrada Matemática: o comprador, que está agora na condição de devedor, adquiriu, no primeiro mês, pneus; no segundo adquiriu um jogo de rodas e no terceiro adquiriu demais acessórios para seu automóvel. Cada um dos itens custou R$ 1,5 mil, e comprou todos a prazo. Passaram-se dois meses e alguns dias, e as prestações dos pneus e das rodas estão vencidas e eivadas de juros. Vamos dizer que o juro estipulado é de 1% ao mês. Assim, como já faz mais de um mês que venceu a parcela das rodas, o juro de 1% incidiu sobre ela, e agora ela vale R$ 1.500,00 + 1% = R$ 1.515,00. Este é o valor que o devedor deverá pagar pelas rodas. E quanto aos pneus, que já venceram faz dois meses? Basta aplicar o juro de 1% duas vezes: R$ 1.500,00 + 1% = R$ 1.515,00, depois novamente 1% sobre esse resultado de R$ 1.515,00 = R$ 1.530,15.

Pois bem. O adicional sobre a primeira parcela foi de R$ 30,15 e o adicional da segunda foi de R$ 15,00. A soma desses encargos que pesam contra o devedor, portanto, é de R$ 45,15. O que o artigo diz? Que, como há capital e juros, a imputação deverá se dar primeiramente sobre os juros, no caso, esse valor de R$ 45,15. O Código força a que os juros sejam pagos primeiramente. Neste caso, como o devedor dispõe de apenas R$ 1.500,00, ele terá primeiro que se livrar dos R$ 45,15, restando-lhe R$ 1454,85 para pagar o que mais for possível. Em seguida, em qual dívida será imputado esse pagamento? Na mais velha, seguindo o comando do artigo seguinte, que logo veremos. Ou seja, ele pagará os pneus, que custam 1500, mas só pode pagar 1454,85, então ainda restará um débito de R$ 45,15 com relação à primeira obrigação (coincidentemente, um valor igual ao juros que ele teve que pagar). 

Imputar, no campo do adimplemento das obrigações, é escolher.

Primeiramente paga-se os juros, só então o capital. E a parte final do artigo: se o credor passar a quitação por conta do capital. Significa que o credor está especificando que a imputação será no capital. Caso nada seja dito, deve ser observada a primeira parte do art. 354.

Art. 355:

        Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.

Qual é a indicação do art. 352? É a indicação de a qual das obrigações o devedor oferece o pagamento. Se, por ocasião do pagamento dos pneus, rodas e acessórios, cada um no valor de R$ 1.500,00 (totalizando 4.500 Reais), o devedor oferece apenas R$ 2.000,00 e não indica qual das obrigações está pagando, e a quitação for omissa, ou seja, o credor expede, no recibo, apenas a frase: “declaro que recebi o valor de R$ 2.000 a título de pagamento das três peças”. O que diz o Código para resolver esta situação? Que, se a quitação for omissa quanto à imputação, essa se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Neste exemplo que colocamos acima, quais são as dívidas líquidas e vencidas? As duas que já passaram da data.

Se as dívidas forem todas liquidas e vencidas ao mesmo tempo, ou seja, todas da mesma data, a imputação far-se-á na mais onerosa.

Tempus regem actus. O tempo rege o ato, e o tempo rege também o princípio da prescrição, que vai favorecer sempre ao beneficiário do prazo prescricional.

Muito importante: quitação não se confunde com o pagamento total. Quitação é o recibo, a prova do pagamento, parcial ou total. Quitare significa “acalmar o credor”. Pode-se acalmá-lo pagando parte da dívida, em alguns casos.

Obrigações é a parte mais complexa do Direito Civil de acordo com o civilista e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Orosimbo Nonato. Ele adverte que as obrigações têm implicação no Direito de Família, no Direito das Sucessões, no Direito das Coisas, e no contrato de empréstimo, só para citar alguns exemplos, todas de coisas que ainda não estudamos. Então o professor recomenda, até por deficiência dele próprio, que a gente vá à biblioteca ler essa parte na obra do Carlos Roberto Gonçalves.


Expressão do dia:

Tempus regem actus: o tempo rege o ato.