A origem da palavra obrigação
veio do Direito Romano há mais de 2000 anos atrás. Era ob
+ ligatio. Significava
uma sujeição do devedor ao seu credor, ou seja, uma sujeição do solvens, aquele que tem que solver a
obrigação (pagar) junto ao accipiens:
o credor. Então essa sujeição, essa obligatio
era a obrigação, conceituada inclusive nas institutas de Justiniano,
que o
devedor tem perante a realização de uma obrigação de dar, de fazer, de
prestar;
ele se sujeitava ao cumprimento dessa obligatio.
Em outras palavras ele estaria ligado às determinações inseridas num
eterminado
contrato. O Direito Romano ainda era sacramental; a compra e venda era
feita
perante um pretor e lá colocavam um montinho de terra depositada diante
do
sacerdote, depois batiam-na com o pé, andavam em círculos em volta da
terra ,
e, com esse ato, adquiria-se a propriedade da terra. Havia também a lei
das
ordalhas, como caminhar em brasa. Se o sujeito aparecesse ao final do
percurso
com os pés queimados, era porque ele estava mentindo.
Então, o Direito Romano foi o arcabouço de todo o
Direito, influenciou o
BGB de 1900 e o nosso atual Código Civil. Álvaro Vilaça sustenta que no
Direito
Grego se vislumbrou as obrigações, mas quem mais incentivou, construiu
essa
ligação de obligatio foi o Direito
Romano; foi ele que previu essa figura. E também a fórmula sacramental.
Nas obrigações, usava-se a figura da manus
injectio: a mão que prende, a mão
que
pega, a mão que arrasta. Significava que o credor, caso o devedor não
cumprisse
a obrigação, poderia pegar o devedor mais sua família, retalhá-lo em
pedaços e
repartir com outros credores, se existentes. Esse rateio era chamado pars conditio
creditorium, que significa “todos
têm
participação na condição do crédito.” Os credores poderiam reparti-lo.
Isso
solvia o cumprimento da obrigação.
Nelson Rosenvald lembra, em sua obra, do filme em
que um mercador de
Veneza vendia seu próprio corpo para cumprir determinada obrigação. Era
assim
que se fazia no Direito Romano. A idéia do não-cumprimento ensejava só
a
coerção física por parte do credor. Se o devedor não se sujeitasse, ele
seria
retalhado “trans Tibere”. Seria
lançado além do Rio Tibre, além dos limites da cidadela romana. Obra
sobre
Direito Romano: José Carlos Moreira Alves, autor que ajudou a escrever
a parte
geral do Código Civil junto com Miguel Reale.
Com o advento da chamada lex
poetelia papiria,
no século XII, depois do período de Justiniano, a
obrigação deixou de ter um conteúdo eminentemente pessoal, no sentido
de que a execução
não mais recairia sobre aquela pessoa que não cumprisse sua obrigação e
passou
a ter um conteúdo patrimonial. Agora, o que interessa não é a figura
física do
devedor; ele não mais responder fisicamente pelo descumprimento, mas
seu
patrimônio responderá. É a disciplina do atual Código Civil e também do
de
1916. Então, o conteúdo patrimonial da obrigação passou a viger com
intensidade. Maria Helena Diniz, quando fala do conteúdo patrimonial da
obrigação, diz que o devedor, se deve um grão de arroz, não deve nada.
Tem que
ser algo que tenha uma valoração econômica. Há quem diga que Maria
Helena Diniz
é a grande compiladora.
Karl Larenz é um grande jurista do Direito alemão,
que também se vale
das fontes do Direito Romano. Tem uma obra com tradução em espanhol.
Obrigação como direito
pessoal
de caráter transitório
Também devemos entender a obrigação como um direito
pessoal e com caráter transitório:
significa que a
obrigação de direito pessoal, distinta do direito real, será
temporária.
Devemos estudar as obrigações logo depois da parte geral no Código,
pois elas
se espalharão em todos os conteúdos do Direito Civil. Serão seguidas
pelo
Direito Empresarial, Direito das Coisas, o Direito de Família e o
Direito de
Sucessões: todos estão imbricados, ligados nesses institutos
correspondentes ao
princípio da obrigatoriedade. Miguel Reale, na exposição, disse que
toda a
matéria de obrigação tem que ter um conteúdo ético e um conteúdo de
boa-fé.
Isso que ressalta com mais intensidade nos Códigos modernos. Tanto que,
abrindo
um parêntese sobre os seguros, o princípio da boa-fé é onde se ressalta
a mais
eloqüente situação jurídica, pois se o segurado usa informações
inverídicas ou
frauda para receber o prêmio, teoricamente a seguradora negará o
pagamento
daquela importância porque o segurado teria agido de má-fé.
A boa-fé objetiva está no art. 421, que é a boa-fé
transparente. Prof.
Emilio Betti, da Universidade de Roma, construiu a teoria
da cooperação. Hoje em dia a obrigação não tem mais aquele
sentido do Direito Romano; hoje, o credor e devedor têm que estar em
uma
simbiose perfeita de cooperação. Ambos têm que se intercooperar: o
credor deve
agir de maneira que o devedor consiga solver sua obrigação, enquanto
este deve
agir cooperativamente para com o credor. Sem essa cooperação, não há o
conceito
ético ou da boa-fé: o § 242 do BGB fala em princípio
da verdade e da mentira: “treu und
glauben”
Voltando: os direitos pessoais, que são os direitos
que estamos
estudando, são em número ilimitado. Exemplos: contratos de engenharia,
de know-how, de franchising,
de performance
bond... São todos novos, que o homem, no mundo dos negócios,
cria para a
inovação. O fato social cresce mais rapidamente que o Direito. Nem por
isso
podemos dizer que, ao enviar um e-mail, isso não vale nada. Por isso
dizemos
que o direito pessoal é o numerus apertus,
que quer dizer “aberto”, no sentido de ilimitado.
Na idéia dos direitos reais, que veremos no sexto
semestre, estão os
direitos de propriedade. Eles são os numerus
clausus. Veja o art. 1225 do Código Civil:
Art. 1.225. São direitos
reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação; VII - o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor; IX - a hipoteca; X - a anticrese. XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; XII - a concessão de direito real de uso. |
Aqui o Código elenca os direitos reais. Direito de
superfície, por
exemplo. Não havia no Código de 16. Eles não são taxativos, mas
meramente
exemplificativos, não podendo ser criados pelas partes, somente pelo
legislador.
É um número fechado, daí “numerus
clausus”.
Vejam também os artigos 233 e seguintes, com a obrigação de dar coisa certa. Veremos artigo por artigo, até as arras ou sinal no art. 420. Temos as obrigações contratuais, como a compra e venda. Começou com o escambo, que havia no Direito Romano. As obrigações contratuais vão do art. 481 ao 886. As obrigações extracontratuais vão do 887 ao 954. Obrigações contratuais: resultantes dos contratos. Exemplo de obrigação extracontratual: saio da faculdade com meu carro e bato em outro automóvel. O que eu cometi? Ato ilícito, conforme descrito no art. 186 do Código. Desse ato ilícito, nasceu para mim a obrigação de reparar o dano.
TÍTULO III Dos Atos Ilícitos
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. |
Causei dano a outrem. Sou obrigado a responder não
pelo contrato, mas
porque cometi um ato ilícito, como por negligência, imperícia ou
imprudência. Já
nas obrigações contratuais teremos as modalidades: obrigação de dar,
como de
dar coisa certa, que veremos na próxima aula (entregar um automóvel);
obrigação
de fazer (como pintar determinado quadro dentro de 30 dias), ou, caso
não
feito, se sujeitar a pagar uma multa
astreinte.
Estamos vendo agora o Direito das Obrigações e
direitos reais. O que é,
digamos, “obrigação de cunho patrimonial”, como alguns autores chamam?
Vá ao
site do Supremo e veja o número de ações com que fazem referência a
essa
expressão. Elas somente proporcionam ao lesado o cumprimento através de
seu
patrimônio, ou seja, o prejudicado pedirá perdas e danos, como o dano
moral,
que está inserto nas perdas e danos. É uma obrigação patrimonial, que
resultará
numa indenização. Não tem o Código Civil reminiscências com o Direito
Romano,
como a dívida por pensão alimentícia no art. 5º, inciso LXVII da
Constituição?
Rosenvald coloca que obrigações de pensão alimentícia dão azo à prisão
civil. Por
outro lado, o financiamento de automóvel é o instituto da alienação
fiduciária.
Significa que o sujeito torna-se proprietário daquele bem sob condição
suspensiva: enquanto ele não pagar a última prestação do carro, a
concessionária se mantém como proprietária daquele bem, vindo o
comprador ser a
considerado proprietário somente depois de pagas todas as prestações; a
financeira, outro elemento comum de um contrato como esse, fica
proprietária
sob condição resolutiva: se o comprador não paga todas as prestações,
ele passa
a figurar como depositário infiel e a financeira ajuíza uma ação de
busca e
apreensão e coloca o automóvel sob sua propriedade. Por causa disso
pensaram
que a alienação fiduciária ensejava prisão civil! Havia um ping-pong em
que o
Superior Tribunal de Justiça decretava a prisão, e o sujeito pedia habeas corpus junto ao Supremo, que o
soltava. Então, surgiu uma decisão majoritária do Supremo Tribunal
Federal em
que ficou consolidado que não mais haverá prisão de depositário infiel.
Por que falamos que o direito pessoal é transitório e o direito real é perpétuo? Transitório é pelo seguinte: a obrigação, assim como a pessoa, nasce, vive e morre. Por exemplo: o pagamento de uma dívida faz extinguir o direito a receber o dinheiro. Já o direito real é perpétuo: se seu pai lhe deixa como herança uma casa, se essa casa não tem nenhum ônus, ela será sua, de seus filhos, de seus netos, bisnetos, tataranetos, desde que ninguém pratique algum ato com relação a algum gravame ou alienação. Então o Direito real tem eficácia erga omnes: alguém tem uma casa no Lago. Se alguém a invade, a eficácia do Direito real da propriedade é contra todos, qualquer um que venha a importunar a propriedade do dono da casa estará sujeito a ser repelido por força da proteção jurídica contida na norma do art. 1210, § 1º, que prevê o desforço necessário, uma forma de autotutela.
Dos Efeitos da Posse
Art. 1.210. O possuidor tem
direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de
esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser
molestado.
§ 1o O possuidor turbado,
ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força,
contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem
ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2o Não obsta à manutenção
ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito
sobre a coisa.
Obrigação propter rem
Vamos agora para as obrigações hibridas.
O que é obrigação propter
rem?
Em termos modernos e metafóricos, a obrigação propter
rem é como um centauro: metade homem, metade cavalo. Ela
une, então, os dois caracteres: um de direito real e outro de direito
pessoal. É
derivada de uma coisa. Exemplo: quem tem um apartamento aqui na Asa
Norte tem
que pagar uma taxa condominial. O apartamento é uma propriedade
horizontal.
Todos os condôminos são obrigados a pagar as taxas condominiais. Ora,
obrigação
de pagar remete diretamente à idéia de direito pessoal. Mas o direito
de
propriedade é um direito real! Tais taxas são oriundas de um direito
real. Por
quê? Porque só paga a taxa condominial quem tem uma propriedade, um
bem, um imóvel.
É uma obrigação, que tem que ser paga todo mês. Caio Mario da Silva
Pereira
chama de obrigação tertium genus:
não
é nem de um cunho nitidamente obrigacional nem de um cunho
eminentemente real.
É uma mistura originária daquela propriedade. Um jurista argentino dirá
que a
obrigação propter rem fica numa
“zona
cinzenta”.
Direito de seqüela: é a característica do direito
real de seguir a coisa
onde quer que ela se encontre.¹ Se tenho meu automóvel roubado por uma
quadrilha especializada em revenda para receptadores, que depois vêm a
revendê-lo usando uma empresa fantasma para uma pessoa de boa-fé que,
depois de
um ano, anuncia e vende para outra, meu direito real sobre aquele bem
vai
segui-lo onde ele estiver, significando que caberá uma ação para reaver
o carro.
² Silvio Rodrigues diz que é como uma cicatriz ou uma mancha na pele da
pessoa:
acompanhará sempre.
Como vimos, os bens imóveis se transferem mediante
a transcrição. Quando
vendo meu apartamento ao Thiago, eu tenho que fazer esta transferência
mediante
uma escritura pública que deve ser levada a registro. Este registro se
chama transcrição. Somente assim a
transferência de propriedade é feita; a simples compra e venda não gera
a
propriedade. No Direito Romano chamava-se traditio:
a simples tradição, ou seja, entregar a chave, sem necessidade de levar
a
registro. Pontes de Miranda prefere o termo germânico zung
und zung 4, que significa algo como
uma permuta
simples: “toma lá, dá cá”.
Elementos constitutivos
da
obrigação
São esses três os elementos constitutivos. Questão
de prova: discorra sobre certos elementos constitutivos da
obrigação. Vamos
gravar bem isso. Quem são os sujeitos? Credor e devedor. O credor era
chamado
no Direito Romano de accipiens e o
devedor de solvens. O devedor, no
Direito Alemão, tem o schuld, que é
o
débito. Eventualmente ele possui também o haftung,
que é a responsabilidade. Isso não necessariamente entra no sujeito da
obrigação, mas, para que haja uma, deve haver o débito e/ou a
responsabilidade.
O que significa? Um lojista, se vende uma caneta de ouro, passa a ter
uma
obrigação: deve a caneta, e tem a responsabilidade de entregá-la.
Depois
veremos que fiador não tem débito, só responsabilidade.
São sujeitos, portanto, o accipiens
e o solvens. Sem sujeitos não
existe
obrigação. Como existiria? Necessariamente tem que haver um lado ativo
e um
passivo. O segundo elemento da obrigação é o objeto:
a prestação, que é patrimonial. Digamos que Lucas não deve
um grão de arroz, para utilizar a expressão de Maria Helena Diniz, mas
um livro
raro. Então, o que está envolvido nessa obrigação? De dar, entregar o
livro
raro; há a obrigação de entregar o tal livro das Ordenações Afonsinas,
Manuelinas
e Filipinas, o que é uma prestação patrimonial.
Por último, temos o elemento do nexum,
chamado assim pelos romanos. É o vínculo jurídico, o conteúdo jurídico
que liga
o devedor ao credor. O devedor deve ao credor uma caneta por quê?
Porque o
credor pagou. Então ele tem o direito a receber essa caneta.
Não é próprio dizer que o schuld
e o haftung estão dentro do vínculo
jurídico. Eles estão dentro do Direito das Obrigações.
Tragam o Código Civil a partir da próxima aula! É mais importante do que antes, não só o acompanharemos no exame de cada artigo mas também nos valerá a prevenção da perda de pontos por displicência. Sigam também o conteúdo programático.
Enfatiza
o professor que neste semestre a coordenação do curso exigiu
que se siga rigorosamente o plano de ensino e que ninguém ultrapasse 18
faltas,
pois não haverá perdão.
Veremos modalidades de obrigações na próxima aula.
Expressões do dia: