Direito Civil

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Introdução ao Direito das Obrigações: evolução histórica e características

 

Introdução

A  origem da palavra obrigação veio do Direito Romano há mais de 2000 anos atrás. Era ob + ligatio. Significava uma sujeição do devedor ao seu credor, ou seja, uma sujeição do solvens, aquele que tem que solver a obrigação (pagar) junto ao accipiens: o credor. Então essa sujeição, essa obligatio era a obrigação, conceituada inclusive nas institutas de Justiniano, que o devedor tem perante a realização de uma obrigação de dar, de fazer, de prestar; ele se sujeitava ao cumprimento dessa obligatio. Em outras palavras ele estaria ligado às determinações inseridas num eterminado contrato. O Direito Romano ainda era sacramental; a compra e venda era feita perante um pretor e lá colocavam um montinho de terra depositada diante do sacerdote, depois batiam-na com o pé, andavam em círculos em volta da terra , e, com esse ato, adquiria-se a propriedade da terra. Havia também a lei das ordalhas, como caminhar em brasa. Se o sujeito aparecesse ao final do percurso com os pés queimados, era porque ele estava mentindo.

Então, o Direito Romano foi o arcabouço de todo o Direito, influenciou o BGB de 1900 e o nosso atual Código Civil. Álvaro Vilaça sustenta que no Direito Grego se vislumbrou as obrigações, mas quem mais incentivou, construiu essa ligação de obligatio foi o Direito Romano; foi ele que previu essa figura. E também a fórmula sacramental.

Nas obrigações, usava-se a figura da manus injectio: a mão que prende, a mão que pega, a mão que arrasta. Significava que o credor, caso o devedor não cumprisse a obrigação, poderia pegar o devedor mais sua família, retalhá-lo em pedaços e repartir com outros credores, se existentes. Esse rateio era chamado pars conditio creditorium, que significa “todos têm participação na condição do crédito.” Os credores poderiam reparti-lo. Isso solvia o cumprimento da obrigação.

Nelson Rosenvald lembra, em sua obra, do filme em que um mercador de Veneza vendia seu próprio corpo para cumprir determinada obrigação. Era assim que se fazia no Direito Romano. A idéia do não-cumprimento ensejava só a coerção física por parte do credor. Se o devedor não se sujeitasse, ele seria retalhado “trans Tibere”. Seria lançado além do Rio Tibre, além dos limites da cidadela romana. Obra sobre Direito Romano: José Carlos Moreira Alves, autor que ajudou a escrever a parte geral do Código Civil junto com Miguel Reale.

Com o advento da chamada lex poetelia papiria, no século XII, depois do período de Justiniano, a obrigação deixou de ter um conteúdo eminentemente pessoal, no sentido de que a execução não mais recairia sobre aquela pessoa que não cumprisse sua obrigação e passou a ter um conteúdo patrimonial. Agora, o que interessa não é a figura física do devedor; ele não mais responder fisicamente pelo descumprimento, mas seu patrimônio responderá. É a disciplina do atual Código Civil e também do de 1916. Então, o conteúdo patrimonial da obrigação passou a viger com intensidade. Maria Helena Diniz, quando fala do conteúdo patrimonial da obrigação, diz que o devedor, se deve um grão de arroz, não deve nada. Tem que ser algo que tenha uma valoração econômica. Há quem diga que Maria Helena Diniz é a grande compiladora.

Karl Larenz é um grande jurista do Direito alemão, que também se vale das fontes do Direito Romano. Tem uma obra com tradução em espanhol.
 

Obrigação como direito pessoal de caráter transitório

Também devemos entender a obrigação como um direito pessoal e com caráter transitório: significa que a obrigação de direito pessoal, distinta do direito real, será temporária. Devemos estudar as obrigações logo depois da parte geral no Código, pois elas se espalharão em todos os conteúdos do Direito Civil. Serão seguidas pelo Direito Empresarial, Direito das Coisas, o Direito de Família e o Direito de Sucessões: todos estão imbricados, ligados nesses institutos correspondentes ao princípio da obrigatoriedade. Miguel Reale, na exposição, disse que toda a matéria de obrigação tem que ter um conteúdo ético e um conteúdo de boa-fé. Isso que ressalta com mais intensidade nos Códigos modernos. Tanto que, abrindo um parêntese sobre os seguros, o princípio da boa-fé é onde se ressalta a mais eloqüente situação jurídica, pois se o segurado usa informações inverídicas ou frauda para receber o prêmio, teoricamente a seguradora negará o pagamento daquela importância porque o segurado teria agido de má-fé.

A boa-fé objetiva está no art. 421, que é a boa-fé transparente. Prof. Emilio Betti, da Universidade de Roma, construiu a teoria da cooperação. Hoje em dia a obrigação não tem mais aquele sentido do Direito Romano; hoje, o credor e devedor têm que estar em uma simbiose perfeita de cooperação. Ambos têm que se intercooperar: o credor deve agir de maneira que o devedor consiga solver sua obrigação, enquanto este deve agir cooperativamente para com o credor. Sem essa cooperação, não há o conceito ético ou da boa-fé: o § 242 do BGB fala em princípio da verdade e da mentira: “treu und glauben

Voltando: os direitos pessoais, que são os direitos que estamos estudando, são em número ilimitado. Exemplos: contratos de engenharia, de know-how, de franchising, de performance bond... São todos novos, que o homem, no mundo dos negócios, cria para a inovação. O fato social cresce mais rapidamente que o Direito. Nem por isso podemos dizer que, ao enviar um e-mail, isso não vale nada. Por isso dizemos que o direito pessoal é o numerus apertus, que quer dizer “aberto”, no sentido de ilimitado.

Na idéia dos direitos reais, que veremos no sexto semestre, estão os direitos de propriedade. Eles são os numerus clausus. Veja o art. 1225 do Código Civil:

        Art. 1.225. São direitos reais:

        I - a propriedade;
        II - a superfície;
        III - as servidões;
        IV - o usufruto;
        V - o uso;
        VI - a habitação;
        VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
        VIII - o penhor;
        IX - a hipoteca;
        X - a anticrese.
        XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; 
        XII - a concessão de direito real de uso. 

Aqui o Código elenca os direitos reais. Direito de superfície, por exemplo. Não havia no Código de 16. Eles não são taxativos, mas meramente exemplificativos, não podendo ser criados pelas partes, somente pelo legislador. É um número fechado, daí “numerus clausus”.

Vejam também os artigos 233 e seguintes, com a obrigação de dar coisa certa. Veremos artigo por artigo, até as arras ou sinal no art. 420. Temos as obrigações contratuais, como a compra e venda. Começou com o escambo, que havia no Direito Romano. As obrigações contratuais vão do art. 481 ao 886. As obrigações extracontratuais vão do 887 ao 954. Obrigações contratuais: resultantes dos contratos. Exemplo de obrigação extracontratual: saio da faculdade com meu carro e bato em outro automóvel. O que eu cometi? Ato ilícito, conforme descrito no art. 186 do Código. Desse ato ilícito, nasceu para mim a obrigação de reparar o dano.

TÍTULO III
Dos Atos Ilícitos

        Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Causei dano a outrem. Sou obrigado a responder não pelo contrato, mas porque cometi um ato ilícito, como por negligência, imperícia ou imprudência. Já nas obrigações contratuais teremos as modalidades: obrigação de dar, como de dar coisa certa, que veremos na próxima aula (entregar um automóvel); obrigação de fazer (como pintar determinado quadro dentro de 30 dias), ou, caso não feito, se sujeitar a pagar uma multa astreinte.

Estamos vendo agora o Direito das Obrigações e direitos reais. O que é, digamos, “obrigação de cunho patrimonial”, como alguns autores chamam? Vá ao site do Supremo e veja o número de ações com que fazem referência a essa expressão. Elas somente proporcionam ao lesado o cumprimento através de seu patrimônio, ou seja, o prejudicado pedirá perdas e danos, como o dano moral, que está inserto nas perdas e danos. É uma obrigação patrimonial, que resultará numa indenização. Não tem o Código Civil reminiscências com o Direito Romano, como a dívida por pensão alimentícia no art. 5º, inciso LXVII da Constituição? Rosenvald coloca que obrigações de pensão alimentícia dão azo à prisão civil. Por outro lado, o financiamento de automóvel é o instituto da alienação fiduciária. Significa que o sujeito torna-se proprietário daquele bem sob condição suspensiva: enquanto ele não pagar a última prestação do carro, a concessionária se mantém como proprietária daquele bem, vindo o comprador ser a considerado proprietário somente depois de pagas todas as prestações; a financeira, outro elemento comum de um contrato como esse, fica proprietária sob condição resolutiva: se o comprador não paga todas as prestações, ele passa a figurar como depositário infiel e a financeira ajuíza uma ação de busca e apreensão e coloca o automóvel sob sua propriedade. Por causa disso pensaram que a alienação fiduciária ensejava prisão civil! Havia um ping-pong em que o Superior Tribunal de Justiça decretava a prisão, e o sujeito pedia habeas corpus junto ao Supremo, que o soltava. Então, surgiu uma decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal em que ficou consolidado que não mais haverá prisão de depositário infiel.

Por que falamos que o direito pessoal é transitório e o direito real é perpétuo? Transitório é pelo seguinte: a obrigação, assim como a pessoa, nasce, vive e morre. Por exemplo: o pagamento de uma dívida faz extinguir o direito a receber o dinheiro. Já o direito real é perpétuo: se seu pai lhe deixa como herança uma casa, se essa casa não tem nenhum ônus, ela será sua, de seus filhos, de seus netos, bisnetos, tataranetos, desde que ninguém pratique algum ato com relação a algum gravame ou alienação. Então o Direito real tem eficácia erga omnes: alguém tem uma casa no Lago. Se alguém a invade, a eficácia do Direito real da propriedade é contra todos, qualquer um que venha a importunar a propriedade do dono da casa estará sujeito a ser repelido por força da proteção jurídica contida na norma do art. 1210, § 1º, que prevê o desforço necessário, uma forma de autotutela.


CAPÍTULO III
Dos Efeitos da Posse

        Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

        § 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

        § 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
 

Obrigação propter rem

Vamos agora para as obrigações hibridas.

O que é obrigação propter rem? Em termos modernos e metafóricos, a obrigação propter rem é como um centauro: metade homem, metade cavalo. Ela une, então, os dois caracteres: um de direito real e outro de direito pessoal. É derivada de uma coisa. Exemplo: quem tem um apartamento aqui na Asa Norte tem que pagar uma taxa condominial. O apartamento é uma propriedade horizontal. Todos os condôminos são obrigados a pagar as taxas condominiais. Ora, obrigação de pagar remete diretamente à idéia de direito pessoal. Mas o direito de propriedade é um direito real! Tais taxas são oriundas de um direito real. Por quê? Porque só paga a taxa condominial quem tem uma propriedade, um bem, um imóvel. É uma obrigação, que tem que ser paga todo mês. Caio Mario da Silva Pereira chama de obrigação tertium genus: não é nem de um cunho nitidamente obrigacional nem de um cunho eminentemente real. É uma mistura originária daquela propriedade. Um jurista argentino dirá que a obrigação propter rem fica numa “zona cinzenta”.

Direito de seqüela: é a característica do direito real de seguir a coisa onde quer que ela se encontre.¹ Se tenho meu automóvel roubado por uma quadrilha especializada em revenda para receptadores, que depois vêm a revendê-lo usando uma empresa fantasma para uma pessoa de boa-fé que, depois de um ano, anuncia e vende para outra, meu direito real sobre aquele bem vai segui-lo onde ele estiver, significando que caberá uma ação para reaver o carro. ² Silvio Rodrigues diz que é como uma cicatriz ou uma mancha na pele da pessoa: acompanhará sempre.

Como vimos, os bens imóveis se transferem mediante a transcrição. Quando vendo meu apartamento ao Thiago, eu tenho que fazer esta transferência mediante uma escritura pública que deve ser levada a registro. Este registro se chama transcrição. Somente assim a transferência de propriedade é feita; a simples compra e venda não gera a propriedade. No Direito Romano chamava-se traditio: a simples tradição, ou seja, entregar a chave, sem necessidade de levar a registro. Pontes de Miranda prefere o termo germânico zung und zung 4, que significa algo como uma permuta simples: “toma lá, dá cá”.
 

Elementos constitutivos da obrigação

  1. Sujeitos
  2. Prestação (objeto)
  3. Vínculo jurídico = nexum (Direito Romano)

São esses três os elementos constitutivos. Questão de prova: discorra sobre certos elementos constitutivos da obrigação. Vamos gravar bem isso. Quem são os sujeitos? Credor e devedor. O credor era chamado no Direito Romano de accipiens e o devedor de solvens. O devedor, no Direito Alemão, tem o schuld, que é o débito. Eventualmente ele possui também o haftung, que é a responsabilidade. Isso não necessariamente entra no sujeito da obrigação, mas, para que haja uma, deve haver o débito e/ou a responsabilidade. O que significa? Um lojista, se vende uma caneta de ouro, passa a ter uma obrigação: deve a caneta, e tem a responsabilidade de entregá-la. Depois veremos que fiador não tem débito, só responsabilidade.

São sujeitos, portanto, o accipiens e o solvens. Sem sujeitos não existe obrigação. Como existiria? Necessariamente tem que haver um lado ativo e um passivo. O segundo elemento da obrigação é o objeto: a prestação, que é patrimonial. Digamos que Lucas não deve um grão de arroz, para utilizar a expressão de Maria Helena Diniz, mas um livro raro. Então, o que está envolvido nessa obrigação? De dar, entregar o livro raro; há a obrigação de entregar o tal livro das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, o que é uma prestação patrimonial.

Por último, temos o elemento do nexum, chamado assim pelos romanos. É o vínculo jurídico, o conteúdo jurídico que liga o devedor ao credor. O devedor deve ao credor uma caneta por quê? Porque o credor pagou. Então ele tem o direito a receber essa caneta.

Não é próprio dizer que o schuld e o haftung estão dentro do vínculo jurídico. Eles estão dentro do Direito das Obrigações.


Tragam o Código Civil a partir da próxima aula! É mais importante do que antes, não só o acompanharemos no exame de cada artigo mas também nos valerá a prevenção da perda de pontos por displicência. Sigam também o conteúdo programático. 

Enfatiza o professor que neste semestre a coordenação do curso exigiu que se siga rigorosamente o plano de ensino e que ninguém ultrapasse 18 faltas, pois não haverá perdão.

Veremos modalidades de obrigações na próxima aula.

  1. Fonte: http://www.advocaciaassociada.com.br/informacoes.asp?IdSiteAdv=2803&action=exibir&idinfo=1795
  2. Nesse momento o professor usou um exemplo que envolvia hipotecas e a Caixa Econômica Federal. Ao lê-lo aqui, não entendi corretamente. Então substituí. No exemplo usado, abstraia toda e qualquer possibilidade de alteração juridicamente respaldada do destino do carro em virtude do fato de ele ter sido roubado e tido como objeto de crime.
  3. Posso ter copiado errado essa expressão em alemão.

Expressões do dia:

  1. Obligatio: obrigação do devedor para com o credor, no sentido de sujeição;
  2. Manus injectio: faculdade do credor de “botar as mãos” e “arrastar” o devedor para tomá-lo, fisicamente, como quitação de uma obrigação;
  3. Pars conditio creditorium: todos os credores estão imitidos no crédito, em situação de igualdade;
  4. Trans Tibere: para além da outra margem do Rio Tibre;
  5. Lex poetelia papiria: lei do século XII que acabou com a quitação “pessoal” das obrigações e transferiu o objeto para o patrimônio do devedor;
  6. Treu und glauben: princípio da boa-fé adotado no BGB alemão, que se associa à idéia de cooperação concebida pelo italiano Emilio Betti;
  7. Numerus apertus: em número aberto; indeterminação;
  8. Numerus clausus: o contrário de numerus apertus. Significa “em número fechado”; diz-se dos direito reais, que têm que estar taxados na legislação e não podem ser criados pelas partes;
  9. Obrigação propter rem: obrigação híbrida, com características de direito pessoal e direito real;
  10. Tertium genus: literalmente é “terceiro gênero”, aqui usada como outro nome para a obrigação propter rem por Caio Mário;
  11. Traditio: transferência simples da propriedade de um bem;
  12. Zung und zung: sinônimo de traditio usado por Pontes de Miranda;
  13. Accipiens: credor;
  14. Solvens: devedor;
  15. Schuld: débito do devedor para com o credor;
  16. Haftung: responsabilidade do devedor para com o credor;
  17. Nexum: vínculo que une credor e devedor.