Direito Empresarial

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Incapacidades e incompatibilidades com o exercício da atividade empresária

Esquema de Direito Empresarial 10/08/09 - 1

Na última aula nós vimos rapidamente que só pode ser empresário logicamente quem tem a capacidade civil. Pelo Código Civil brasileiro, a pessoa natural adquire capacidade aos 18 anos. Na aula de hoje vamos aprofundar essa questão da capacidade para ser comerciante e também veremos a incompatibilidade com o exercício da atividade de empresário.

De acordo com o art. 5º do Código Civil, a menoridade cessa aos 18 anos, e a pessoa passa a ser capaz de praticar todos os atos da vida civil. Acontece que existem diversas situações em que o incapaz, ou seja, aquele que ainda não completou 18 anos, adquire a capacidade. Uma delas é o exercício de atividade comercial com economia própria. Então, se o menor, entre 16 e 18 anos, tem dinheiro suficiente para montar o seu comércio, ele se emancipa através do início dessa atividade. Parágrafo único do art. 5º:

        Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

        Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

        [...]

        V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Emprego público: soa estranho porque hoje em dia só pode se tornar servidor público com pelo menos 18 anos.¹ Sobre colação em curso superior, isso ocorria no passado. O item que diz respeito diretamente à nossa matéria é o estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria – exatamente como diz o inciso V do art. 5º do CC.

Tanto o homem casado quanto a mulher casada têm capacidade para ser empresários independentemente de autorização. Veja o esquema. Essa regra vale para ser empresário individual. No Direito Societário, que vamos estudar posteriormente, há a expressa proibição legal para montar sociedade empresária os casados com separação total ou em comunhão universal de bens.

E há, no terceiro item do esquema, os casos de incapacidade total ou relativa. Para o menor de 16 anos, a incapacidade é total.

A incapacidade deve ser declarada. O maior de 16, quando praticar atividade de empresário, deve declarar que está nessa situação.

Assistência dos pais: vamos ver os fundamentos maiores, primeiro no art. 1630, em seguida no 1634:

CAPÍTULO V
Do Poder FAMILIAR

Seção I
Disposições Gerais

        Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

        Seção II
        Do Exercício do Poder Familiar

        Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

        [...]

        V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

        [...]

O que mudou em relação ao Código anterior? O que se chamava “pátrio poder” agora se chama poder familiar, pois desde então não é apenas o pai que tem o poder. O art. 1630 trata da sujeição dos filhos ao poder familiar enquanto menores. Só se pode “engrossar o cangote”, ou seja, fazer o que quer, quando se tem como responder por isso. Então, menores entre 16 e 18 podem contar com a assistência dos pais.
 

Continuidade da atividade empresarial depois de morte ou incapacitação do empresário

O juiz poderá conceder autorização para que se dê continuidade à atividade em caso de incapacitação. São as duas hipóteses em que nosso sistema de Direito Empresarial atual admite a continuidade da empresa, via representante ou gerente. Duas situações, portanto: empresário que se torna incapaz, então o juiz autoriza mediante alvará; ou o empresário morre, deixando apenas filhos menores, portanto incapazes. Eles herdam a atividade empresarial daquele que faleceu. Nesta hipótese o juiz também emite uma autorização precária (que pode ser cassada a qualquer tempo) para a manutenção da atividade.

Também pode o menor ser sócio capitalista. O que é isso? Sócio capitalista é aquele que tem participação com capital em sociedade empresária. Por exemplo: ter ações de uma S.A., como BB, Petrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional etc. Ser sócio ou acionista não significa participação nenhuma na atividade empresarial em si, no controle, gerência nem tomada de decisões.
 

Classificações das sociedades

As sociedades, dentre outras, têm a seguinte classificação: sociedades de pessoas e sociedades de capital. Nestas, o importante é o capital; o acionista pode vender sua participação livremente. Há também outra classificação: sociedades contratuais (como as limitadas) e sociedades institucionais (como as sociedades anônimas). Nas sociedades de pessoas, o importante é a pessoa, pois o sócio só entra ou sai com autorização dos demais sócios. Por que é de pessoas, então? Porque o importante é a pessoa em si, e não a figura do sócio. Então, por exemplo, numa sociedade de nome coletivo, se o sócio morre, seus herdeiros não poderão assumir o lugar do falecido a não ser que os remanescentes autorizem. Quanto aos herdeiros apenas calcula-se o valor da quota e eles são compensados.

Sócio capitalista, portanto, é aquele que ingressa numa sociedade de capital. Entra somente, é claro, com o capital. Esse tipo de sociedade é caracterizado pela livre transferibilidade de ações, livre transferibilidade da participação. Então, temos, como sociedades de capital, as S.A. e também as limitadas, que podem ter ambas as características: se o contrato não permitir a transferência, estamos falando de uma sociedade de pessoas, ou então, se o sócio pode vender as quotas quando quiser, independente de autorização, fala-se numa sociedade de capital. 

Isso tudo é para entendermos que um menor entre 16 e 18 anos, relativamente incapaz, pode participar de uma da sociedade de capital, mas não da sociedade de pessoas. Dá para entender pela via lógica: não devem, os sócios de uma sociedade de pessoas, admitir qualquer menor de idade, até por uma questão de prudência. 

Interditado: não pode ser empresário, pois não tem capacidade para tomar decisões. Os casos estão no art. 1767:

CAPÍTULO II
Da Curatela

Seção I
Dos Interditos

        Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

        I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

        II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

        III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

        IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

        V - os pródigos.

O que é mesmo pródigo? O indivíduo que destrói o próprio patrimônio. Mas qual é o fundamento para ser interditado? Não ter capacidade. Mas, neste caso, é necessário um ato judicial. A interdição aqui é a incapacidade para decidir. O pródigo, portanto, é aquele que resume o que os outros incisos dizem.
 

Incompatibilidades com a atividade de empresário

Vamos ver, agora, as incompatibilidades, que não dizem respeito diretamente ao Direito Empresarial, mas a outros ramos do Direito.

Incompatível é o capaz, mas que não pode exercer o comércio por algum motivo. Não podemos, de forma alguma, fazer essa confusão entre incapacidade para exercer atividade empresária e incompatibilidade entre a atividade empresária e outras atividades. Nisso, veremos como o Direito é um só, com normas de Direito Civil, Penal, Penal Militar, Constitucional... não apenas de Direito Empresarial. Veja o esquema:

Esquema de Direito Empresarial 10/08/09 - 2

A incapacidade é um instituto do Direito Civil. Ou se refere à idade ou ao correto discernimento das coisas. Aqui não. Na incompatibilidade é a pessoa é capaz, mas há normas que as proíbem de ser empresários, de exercer o comércio. Essas incompatibilidades não estão em diplomas de Direito Empresarial, mas em qualquer legislação. O rol do esquema não é taxativo, mas meramente exemplificativo. No que se refere aos parlamentares, há normas expressas na Constituição: leia o artigo 54, inciso II. A incompatibilidade é para qualquer empresa que tenha algum benefício associado ao governo.

        Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

        I - desde a expedição do diploma:

        a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;

Magistrados: não podem ser empresários, de acordo com o estatuto da magistratura, a Lei Complementar 35/79.

        Art. 36 - É vedado ao magistrado:

        I - exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

        II - exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;

        III - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

Condenados: podem ser impedidos de exercer o comércio caso a pena aplicada seja a de interdição temporária de direitos:

        Interdição temporária de direitos 

        Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são:  

        I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; 

        II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

Leiloeiros: corretores de mercadorias. Se eles descumprem essa incompatibilidade, está configurada uma contravenção: ²

CAPÍTULO VI

DAS CONTRAVENÇÕES RELATIVAS À ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

        Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:

        Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

O CPM também proíbe que militares sejam empresários:

CAPÍTULO IV
DO EXERCÍCIO DE COMÉRCIO

        Exercício de comércio por oficial

        Art. 204. Comerciar o oficial da ativa, ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade comercial, ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou cotista em sociedade anônima, ou por cotas de responsabilidade limitada:

        Pena - suspensão do exercício do pôsto, de seis meses a dois anos, ou reforma.

Cuidado. Nenhuma das proibições acima significa que tais sujeitos não podem contrair obrigações comerciais.

Falido: é uma figura específica do Direito Empresarial. Veremos depois. Falido não é “aquele que não pode pagar dívidas”, não tem nada a ver. Pode até ser, mas não necessariamente tem que ser. O falido é aquele que não paga em dia suas obrigações. Se não tiver pagando em dia, basta requerer a falência. Para receber a alcunha de falido, precisa da decretação de falência, com sentença judicial. Veja a Lei 11102, art. 102:

Seção V

Da Inabilitação Empresarial, dos Direitos e Deveres do Falido

        Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1o do art. 181 desta Lei.

        Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.

Para entendermos essa questão da proibição, a falência pode ser normal ou pode ser fraudulenta. Uma ilustração para entender a falência normal: o indivíduo tem uma empresa, e vende determinado eletrodoméstico, e, de repente, surge algo melhor no mercado. O que acontece? Ele, diante daquele outro produto mais barato e mais eficiente, simplesmente vai à falência. É então um caso de falência natural ou falência decorrente dos riscos do comércio. Tudo foi feito corretamente, mas o empresário deparou com uma situação de mercado. Por nada responderá o empresário.

Mas há a falência fraudulenta, em que o empresário desvia recursos. No Brasil houve o caso Boi Gordo e depois o da Avestruz Master. A causa dos tristes resultados é algo próprio do ser humano: ganância. O dono anunciava  10% de lucro ao mês, algo manifestamente desproporcional. Culpa de quem acreditou. Sem a ganância, um grande problema teria sido evitado.

Em caso de falência fraudulenta, as regras que regerão serão as regras penais. O requisito é a decretação judicial da extinção das dívidas do falido.

Por último: nossa Constituição traz impedimentos para se tornar empresário no Brasil em determinadas atividades. Por exemplo: atividade jornalística, de rádio e de televisão. Apenas brasileiros natos ou brasileiros naturalizados há mais de 10 anos podem exercer essas atividades.

Art. 222:

       Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. 

        § 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. 

        § 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social. 

        § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

        § 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º.

        § 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional.

E aí vem a diferença. Uma coisa é o empresário, e outra é a sociedade empresária. O empresário tem que ser brasileiro, mas a sociedade empresária não, ela tem que ser constituída segundo a lei brasileira e tem que ter sede no Brasil.

Esta é uma matéria muito técnica mesmo. Conselho do professor: leiam. Especialmente os artigos.


  1. O professor ficou de pesquisar sobre as regras para admissão no cargo de confiança.
  2. Não encontrei a lei específica dos que trata da atividade de corretagem de mercadorias.