Tópicos:
4 - Sociedade irregular ou de fato
Constituição das sociedades contratuais 1 - Natureza do ato constitutivo da sociedade contratual
2 - Requisitos de validade do contrato social
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Sociedade irregular ou de fato e desconsideração da pessoa jurídica são os dois últimos assuntos da teoria geral do Direito Societário. Já vimos, quando estudamos Registro do Comércio, que as sociedades empresárias têm que estar registradas na Junta Comercial, bem como seus atos constitutivos. Isso não impede que possam existir, no mundo real, sociedades sem o atendimento desse requisito. E aí deparamos com duas situações diferentes em relação às sociedades ditas “de fato” ou “irregulares”. Esse tipo de sociedade não tem direito nenhum; não tem como pleiteá-los. Mas, em compensação, são responsáveis e podem ser responsabilizadas.
Dentro desta perspectiva existe uma questão específica que diz respeito a relacionamento de sócios. Vejam bem: não são relações jurídicas entre a sociedade de fato e o Estado ou terceiro, mas sim relações entre sócios ou entre estes e terceiros. Ou seja, não há qualquer possibilidade de pleito de direitos em relação à sociedade mesmo nesse aspecto restrito se não existir um contrato escrito. Se existe, embora não arquivado na Junta Comercial, o sócio tem condição de provar a existência da sociedade em relação a outros sócios ou a terceiros.
Então não confundamos essa diferença aqui, a existência e um contrato escrito, que só tem efeito jurídico para relações entre sócios ou entre estes e terceiros, mas não para validar, sob qualquer perspectiva jurídica, a existência da pessoa jurídica. Ou seja, a pessoa jurídica em si, tendo ou não contrato escrito, se não está no registrada no Registro de Comércio, não tem personalidade para efeito de aquisição de direitos. Seus sócios precisam do contrato escrito para provar sua existência, mas os terceiros podem usar outros meios de prova para atestar sua existência, caso sejam por ela lesados. É o que diz o art. 987 do Código Civil:
Art. 987. Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo. |
Depois
da leitura desse artigo, fica
feita a distinção e a afirmação de que sociedade de fato não tem
direito nenhum.
Desconsideração
da pessoa jurídica
Alguns autores falam em “despersonalização da pessoa jurídica”. Não é o caso aqui. Quando falamos em desconsideração, entenderemos o por quê da palavra. Não se pode confundir o patrimônio da pessoa jurídica com o patrimônio de seus sócios, e isso já sabemos. Há a chamada autonomia patrimonial. Inclusive já estudamos os diversos tipos de sociedade no que se refere à responsabilidade dos sócios. Uma sociedade limitada, que está com seu capital totalmente integralizado, se torna, por uma questão de mercado, sem condições de pagar suas dívidas. O patrimônio dos sócios vai responder por essa dívida? Não. O que foi pago está pago; quem tinha um crédito ficará sem receber. Isso é para vermos o que é autonomia patrimonial. A dívida não atingirá o patrimônio dos sócios. Não se confunde o patrimônio da pessoa jurídica com o patrimônio de sócio acionista.
Ocorre que uma pessoa jurídica, no nosso caso uma sociedade empresária, é criada para atingir determinado fim, com um objeto determinado, que consta em seu contrato social (ou estatuto social, se estivermos falando numa sociedade institucional). Por conta dos controladores ou sócios o objetivo pode ser desvirtuado. A pessoa jurídica pode acabar sendo usada de forma fraudulenta. No início do curso nós sustentamos que o Direito Empresarial de hoje tem como objetivo a preservação da sociedade empresária. Então na Itália se criou essa teoria jurídica, exatamente para a sua preservação. Identificado em casos concretos, o juiz, constatando que a pessoa jurídica está sendo usada de maneira desvirtuada ou que os sócios ou controladores estão misturando seu patrimônio pessoal com o patrimônio da pessoa jurídica, poderá, para preservá-la, desconsiderar sua existência e responsabilizar o sócio diretamente. E, quando se fala em responsabilidade, falamos, é claro, em responsabilidade patrimonial. Ou seja, por conta dos fins da pessoa jurídica está sendo cobrado algo dela que não tem pertinência com sua existência. Então o juiz deixa-a de lado para responsabilizar os que a utilizaram de maneira indevida. Isso vem acontecendo muito nas relações de consumo e de trabalho.
A desconsideração é uma teoria que tem por objetivo preservar a sociedade empresária. Contra o quê? O uso indevido da sociedade empresária.
A sociedade tem personalidade diferente da de seus sócios, ou seja, têm direitos e obrigações diferentes deles. Art. 50:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. |
Quem fez a confusão pagará com seu patrimônio pessoal. São casos concretos porque quem decide, segundo o próprio Código, é o juiz. A parte prejudicada é que terá que requerer. Também pode o Ministério Público pedir, quando lhe couber intervir. Note que não apenas o sócio, mas também o administrador pode ser atingido.
O
artigo fala em estender, e não
excluir. Por quê?
Porque, na maioria das vezes, o patrimônio da pessoa jurídica é
insuficiente
para cobrir aquela obrigação. Até porque quem faz isso o faz
conscientemente. Então,
faz-se de conta que a pessoa jurídica não
existe, e responsabiliza-se o responsável pela confusão
patrimonial. Por
isso o nome despersonalização não é
muito bem colocado: a pessoa jurídica continua existindo perfeitamente,
sem
jamais perder sua personalidade por conta do incidente. Ela fica apenas
afastada para o dado caso concreto.
Constituição
das sociedades contratuais
Agora vamos para outro tema: a constituição das sociedades contratuais. Há dois tipos de sociedades empresárias: as contratuais e as institucionais.
Vimos que existem seis tipos de sociedade: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em conta de participação, sociedade limitada, sociedade em comandita por ações e sociedade anônima. Vamos deixar a sociedade em conta de participação para depois porque não é propriamente uma sociedade comercial, mas sim um contrato comercial.
E se contratuais são a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples e a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, sobram, como institucionais, a sociedade em comandita por ações e a sociedade anônima.
Cuidado com a afirmação: a sociedade empresária engloba os dois tipos. Nasce do acordo de vontades dos sócios ou acionistas. Esse acordo de vontades se materializa num contrato social. Neste caso, falamos de sociedade contratual. Se o ato constitutivo for um estatuto social, então a sociedade é do tipo institucional.
Todas são regidas pelo Código Civil. Ao contrato social de constituição da sociedade empresarial não são aplicadas todas as normas sobre contratos existentes no Código Civil, em razão da especificidade do Direito Empresarial. Não se podem aplicar ao Direito Societário todas as regras sobre contratos.
Qual a finalidade de se constituir uma sociedade contratual? A exploração pelos sócios, em conjunto, de determinada atividade comercial, juntando esforços e bens para a obtenção de lucros, a serem repartidos.
Não pode o contrato social conter cláusulas, por exemplo, de que apenas alguns sócios têm que contribuir ou só alguns receber lucros ou suportarem prejuízos. Todos estão em igualdade. Todos colhem frutos e sofrem as adversidades.
Embora
não possa ser excluído nenhum sócio do lucro ou prejuízo, a
participação pode
ser diferente, e até deve, na medida o esforço feito por cada um deles.
Aquele
que mais contribui para a sociedade deverá ter maior fração no lucro. O
que é
proibido é a exclusão de
participação, seja no ganho de lucros ou mesmo no prejuízo.
Requisitos
de validade do contrato social
Vamos ver os requisitos de validade do contrato social, que na verdade são os de qualquer ato jurídico.
É possível contratar uma sociedade de transportes para nos prestar um serviço de carga entre uma cidade e outra. Significa então que aquela sociedade existe e seu contrato, ao menos presumidamente, tem validade. Por outro lado, posso fazer uma sociedade contratual para levar turistas à Lua? Não. Por quê? Porque, embora lícito e já conseguido, ainda não é possível porque a tecnologia não está dominada. Uma sociedade dessas seria não-válida por impossibilidade do objeto. O que tudo isso nos lembra? Os requisitos de validade do art. 104 do Código Civil, que já estudamos:
LIVRO III
Dos Fatos Jurídicos TÍTULO I Do Negócio Jurídico CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. |
Há
também os requisitos específicos:
todos os sócios devem contribuir para a formação do capital social, com
bens,
créditos ou dinheiro; todos os sócios participarão dos resultados
positivos ou
negativos, ou seja, lucros ou prejuízos da sociedade. Já falamos isso.
Art.
981:
TÍTULO II
Da Sociedade CAPÍTULO ÚNICO Disposições Gerais Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados. |
Resultados: sejam eles negativos ou positivos. Não pode haver exclusão de nem um nem de outro. Acabamos de ver os pressupostos de validade, mas vamos, agora, ver os pressupostos fáticos, de existência. Affectio societatis: vontade de se associar. Se não existe, não haverá sociedade. Se há vontade de se associar, deve haver pelo menos duas pessoas naturais dispostas a isso. Não existe, por óbvio, sociedade de um único sócio, nem sociedade em que os sócios não estejam psicologicamente intencionados em unir esforços.
O segundo pressuposto fático diz respeito à necessidade de existência de, no mínimo, em regra, de dois sócios. O nosso sistema jurídico admite duas exceções: a subsidiária integral e a unipessoalidade incidental temporária. Este caso ocorre quando a totalidade das cotas fica com apenas um sócio em razão de sucessão inter vivos ou causa mortis. Prazo para recompor o número mínimo de sócios: 180 dias - CC, art. 1033, inciso V. Frase milagrosa: "no mínimo, em regra, de dois sócios". Por quê? quando falamos “em regra” é porque tem exceção. No caso, há duas: a subsidiária integral, que veremos nas sociedades por ações, em que 100% do capital pertence a outra pessoa jurídica. A outra exceção é a unipessoalidade incidental temporária: é a sociedade que, naturalmente, tinha mais de um sócio, mas por uma ocorrência específica, que não pode perdurar, a sociedade fica apenas com um sócio. O exemplo mais claro é a morte de um deles. Para que a sociedade subsista, outro terá que aderir a ela. Também pode um sócio O comprar a parte do outro, mas terá prazo para recompor o corpo social.
Finalmente, não se podem confundir pressupostos de existência com de validade. Affectio societatis, ou seja, a vontade de se associar para explorar a atividade comercial e a pluralidade de sócios. Esses são os de existência. Os requisitos de validade são agente capaz, vontade livre e consciente de realizar o ato, objeto lícito, possível e determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei. Também são requisitos específicos de validade: dever dos sócios de contribuir para a formação do capital social, com bens, créditos ou dinheiro; todos os sócios participação dos resultados positivos ou negativos, ou seja, lucros ou prejuízos da sociedade, como diz o art. 981. Por quê? Se o contrato disser que um sócio não terá lucro, essa cláusula será inválida. A cláusula que nomeia um menor como sócio é inválida também. Exceção: a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, se estiver com o capital totalmente integralizado e se o contrato previr a possibilidade, o menor pode ser sócio cotista, e seu representante defenderá seus interesses na sociedade. Vejam as duas condições: é só na sociedade por cotas de responsabilidade E o contrato tem que previr a possibilidade E o capital tem que estar totalmente integralizado. O sócio menor, por óbvio, não participa da administração da sociedade.