1 - Regime jurídico do sócio da sociedade contratual - obrigações:
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Regime jurídico dos sócios: obrigações
Hoje vamos estudar o regime jurídico dos sócios nas sociedades contratuais. Ou seja, como é que o Direito, representado pela lei ou contrato social, regula as relações dos sócios entre si e com a sociedade. A primeira disposição que temos que aprender é que o sócio não é proprietário da sociedade empresária. É comum dizermos “o dono da empresa”. A sociedade empresária é uma pessoa jurídica, portanto é inapropriável.
O sócio também não é credor da sociedade empresária. Em caso de falência da pessoa jurídica ele não concorrerá à massa; ele apenas terá direito a participar nos lucros. O que é falência? Nada mais é que um concurso de credores. Quando é decretada a falência, o sócio não se habilita. Depois de pagos os credores é que haverá o rateio, se sobrar algo.
O sócio tem direito de participar do lucro. Ele submete-se a regime jurídico decorrente da lei ou contrato social, que lhe impõem obrigações e asseguram direitos. É o que falamos todo o curso. O cidadão é livre para fazer o que a lei não proíbe. No caso da sociedade, ele poderá colocar no contrato aquilo que não está proibido por lei. O regime jurídico da sociedade é previsto no contrato e na lei.
O sócio, no campo das obrigações, que é o que vamos ver agora, tem duas previstas em lei:
O sócio, ao participar da sociedade mediante contrato social, se compromete a integralizar as cotas subscritas – em outras palavras, comprá-las. Ele tem que integralizar à vista ou a prazo. Neste último caso, se o sócio não pagar no vencimento, ele se tornará inadimplente. Nessa situação, o sócio é chamado de remisso. Deverá então indenizar a sociedade pelas perdas e danos decorrentes da mora. E nisso vêm as conseqüências de o sócio se tornar remisso: mantida a inadimplência, os demais sócios podem optar pela cobrança judicial da dívida ou pela exclusão do sócio remisso.
No caso da cobrança, esta será feita em execução. Não esqueçam dos tipos de processo que sabemos que existem: de conhecimento, de execução e cautelar. Aqui, os demais sócios ajuizarão ação de execução (que, por lógica, desencadeará um processo de execução) para cobrar do remisso. Mas, para que a cobrança da cota não paga possa ser feita diretamente em execução, há a condição de que o contrato esteja assinado por duas testemunhas. Neste caso, ele valerá como um título executivo extrajudicial. Temos, de acordo com o Código de Processo Civil, dois tipos de título executivo: o judicial e o extrajudicial. Se o contrato estiver assinado por duas testemunhas, a execução poderá ser instrumentada diretamente.
Se houver necessidade de fazer apuração de perdas e danos, deverá haver uma ação de conhecimento, portanto ação de conhecimento. A execução só permite cobrar a cota acrescida de correção e multa; se houver que apurar prejuízos, será exigida a dilação probatória, que só será feita em processo de conhecimento.
Tudo isso está na lei claramente. Bom para nós.
Podem então os demais sócios optar pela exclusão do sócio remisso, deduzido dos encargos e da mora contratualmente previstos. Ora, se ele está para ser excluído, terá que ser devolvida a ele sua cota pelo valor patrimonial. Neste caso, isso implicará em redução do capital social da pessoa jurídica.
Poderão os sócios simplesmente reduzir a participação do sócio remisso no capital social. Ou seja, ele pagou uma parte das cotas, integralizou, então ele continua sócio mas somente com o que já pagou. Essa decisão também implicará em redução do capital, pois a parte integralizada não será mais integralizada. Então o contrato social tem que ser mudado para reduzir o capital.
Por último, vamos falar sobre crédito da sociedade. Qual a base de nosso crédito, como pessoas físicas? Digamos que vamos ao banco para obter crédito. Que informações ele usará como parâmetro para a concessão de crédito? Nossos bens e renda. Quem ganha pouco com certeza obterá pouco crédito. Isso ocorre também na pessoa jurídica. O capital é um fator importante no tamanho do crédito que a pessoa jurídica obtém junto a instituições financeiras, daí, ter condições de levar o negócio adiante. Dependendo do tamanho da redução do capital social decorrente da exclusão de um sócio isso poderá implicar redução do crédito da pessoa jurídica. Para evitar isso, e se tratar de uma sociedade LTDA, os demais sócios poderão decidir por ficar com a cota do remisso. Redistribui entre os outros sócios para evitar a redução no capital social e conseqüente dificuldade de obter crédito.
Observação: tem que ser LTDA, não pode ser sociedade em nome coletivo nem em comandita simples.
Transferir a terceiros (admitir novo sócio) ou deixar com a própria sociedade são outras possibilidades. Essa última se chama “cotas em tesouraria.” Não pode ficar assim indefinidamente. Se não for entregue a outro sócio, o capital terá que ser reduzido. Essa providência só cabe em caso de LTDA.
Tudo está nos artigos 1004 e 1058 do Código Civil.
Art. 1004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às
contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de
fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade,
responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1031. |
Art. 1058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. |
Essa
matéria exigirá um pouco de
memória, infelizmente; mas não há para onde correr.
No campo dos direitos existe o seguinte:
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Vimos situações em termos de obrigações. Vamos agora falar sobre direitos.
Os sócios têm o direito de se beneficiar dos resultados sociais positivos. Como exatamente? Está no esquema:A forma do benefício pelos resultados positivos dependerá do que decidir a maioria absoluta e do que estiver disposto no contrato social. Também pode haver uma restrição legal. Exemplo: se houver crédito previdenciário por pagar, o lucro não poderá ser distribuído. Isso porque se entende que não se pode distribuir lucro sem resguardar o interesse do Estado.
Vamos ver cada hipótese, a começar pela capitalização: o que significa? Que os lucros apurados serão incorporados ao capital social, ou seja, tem que ser feita uma alteração do contrato social e o lucro se converterá capital. E o que é distribuído para os sócios? A participação. Ele não recebe, o dinheiro fica com a sociedade; ele recebe seu percentual em cotas. Isso é distribuir lucro mediante capitalização. O lucro fica com a pessoa jurídica. Digamos que a sociedade apresenta um lucro de R$ 100 mil no final do exercício. Se a decisão da maioria absoluta for a capitalização, o capital social será aumentado em R$ 100.000,00. E, de acordo com o contrato social, cada sócio receberá novas cotas.
Constituição de reserva: o dinheiro também fica com a pessoa jurídica, mas, em vez de alterar formalmente o contrato social, fica apenas registrado na contabilidade como reserva. Reserva de quê? De capital. Na verdade, o capital é todo o dinheiro da pessoa jurídica que está empregado no negócio. Não altera o contrato, mas o dinheiro fica com a pessoa jurídica. Isso é reserva de capital.
Distribuição do lucro entre os sócios: é a terceira hipótese. É a entrega aos sócios do lucro correspondente à sua participação no capital. Um exemplo hipotético é: uma sociedade com dois sócios, um com 90%, e outro 10%. Se a sociedade tem R$ 100 mil de lucro num exercício e os sócios decidem que serão todos distribuídos, a partilha será, como já esperávamos, de 90 mil para o primeiro e 10 mil para o segundo. O contrato social pode prever de forma diferente, desde que não exclua ninguém. Algo possível é estipular que um sócio capitalista receberá menos por não participar da administração da empresa. Dependerá do contrato social. Não esqueçam que a distribuição, o pagamento de lucros só será permitido não houver dívida com a Previdência. Se não atendida essa condição, está configurada fraude contra o fisco.
O segundo direito dos sócios é o direito de influir na administração da sociedade. O sócio da sociedade contratual tem direito de participar da escolha do administrador e da definição da estratégia geral do negócio. Mesmo o sócio minoritário pode participar, apesar de não ter poder de decisão. Ele pode participar da definição do que a sociedade irá fazer.
Outro direito do sócio, mesmo minoritário: fiscalizar a administração. Claro que ele tem o direito de fazê-lo, na época contratualmente fixada. A lei fixa uma oportunidade mínima, que é a anual. Se nada disser o contrato, pelo menos a cada final de exercício o sócio poderá fiscalizar a sociedade. O exercício social é o período de um ano findo o qual têm que ser apurados lucros e prejuízos. Balanço e demonstrações contábeis terão que ser feitas. Os sócios têm direito ao acesso aos livros para saber como a sociedade funcionou nesse exercício social. Em regra, o exercício é o período entre 1º de janeiro até 31 de dezembro.
Há também outro direito bem intuitivo: o direito de retirada. Não concordando com algo, o sócio poderá pedir para sair da sociedade. Ou, melhor dizendo, exercer o direito de retirada, atendidas determinadas condições. A saída não poderá se dar de qualquer jeito; tem que haver uma causa justificadora. A retirada de um sócio da sociedade implicará dissolução parcial dela. Se há cinco sócios e um resolve sair por justa causa, a sociedade, que era composta de cinco, passará a ser uma sociedade de quatro sócios, então houve dissolução parcial. Se o sujeito sai, ele terá que receber sua participação. E de onde vem esse dinheiro convertido? Do contrato social? Não. Do patrimônio. Capital é um valor fixo, que consta no contrato social, e o patrimônio é flexível para mais ou para menos, dependendo de a sociedade ter tido lucro ou prejuízo ao final de cada exercício. Quando há lucro, o patrimônio aumenta, e quando há prejuízo, o patrimônio diminui, obviamente. Então, no momento em que o sócio sai, o patrimônio líquido tem que ser calculado para devolver sua participação. Não é necessário que a dívida previdenciária esteja quitada neste caso pois não se trata de distribuição de lucros, mas de direito do sócio a reaver a participação. Veja texto original do art. 52 da Lei 8212/91: ¹
Art. 52. À empresa em
débito para com a seguridade social é proibido: I - distribuir bonificação ou dividendo a acionista; II - dar ou atribuir cota ou participação nos lucros a sócio-cotista, diretor ou outro membro de órgão dirigente, fiscal ou consultivo, ainda que a título de adiantamento. Parágrafo único. A infração do disposto neste artigo sujeita o responsável à multa de 50% (cinqüenta por cento) das quantias que tiverem sido pagas ou creditadas a partir da data do evento, atualizadas na forma prevista no art. 34. |
A norma previa a impossibilidade de se distribuir dividendo ou bonificação para sócio de sociedade em débito com a Previdência, mas não falava em vedação no caso de retirada de sócio.
Então, para ele se retirar, ele terá que notificar os demais sócios, comprovando a justa causa, para que eles tomem a providência de apurar a cota do sócio que se retira. Os remanescentes terão 60 dias para tomar essa providência. Isso está no art. 1029 do Código Civil:
Art. 1029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer
sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante
notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta
dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade. |
Além dos lucros, os sócios administradores receberão o chamado pro labore: remuneração “pelo trabalho”. É a remuneração do administrador. Na sociedade em comandita simples e na em nome coletivo, somente sócio pode ser administrador, enquanto na LTDA o administrador pode ser contratado, não necessariamente sócio. Pro labore é uma nomenclatura própria para sócio que trabalha como administrador. Se a sociedade tem um diretor contratado, ele será um empregado, e sua remuneração será salário, e não pro labore. O sócio administrador recebe pro labore, pois não é empregado; ele acumula a condição de sócio e de administrador.
É exatamente essa palavra que distinguirá sua remuneração do lucro, que são coisas completamente diferentes. A pessoa jurídica pode até dar prejuízo, mas o administrador não deixará de ter direito à sua remuneração pelo trabalho. Sendo sócio administrador, em caso de prejuízo, o sujeito terá sua remuneração pelo trabalho de administrador, mas suportará, na condição de sócio, o prejuízo. Ninguém poderá trabalhar de graça. Da mesma forma que os equipamentos precisam de manutenção independente de ter havido lucro ou prejuízo...
Resumindo, os direitos do sócio são:
Exclusão de sócio - só de sociedades contratuais, não de sociedades institucionais
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Estão aí as condições da exclusão de sócios. Estamos falando somente de sociedade contratual, mas não de sociedade institucional.
Mora na integralização pode ensejar a exclusão do sócio remisso, que pode ocorrer por decisão de outros sócios. Art. 1004:
Art. 1004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos,
às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar
de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade,
responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1031. |
Está repetido no esquema anterior. Precisa haver justa causa.
Também pode ser excluído o sócio que faz concorrência desleal, como o que é sócio de outra sociedade que atua no mesmo segmento, fazendo concorrência com sua própria sociedade por meio da outra. Isso configura justa causa. Quem está fazendo a concorrência desleal é o próprio sócio majoritário, o que, na prática, será difícil.
A exclusão é feita pelos demais sócios. Quem decide excluir um sócio são os demais, e não a sociedade, a pessoa jurídica. Só pode ocorrer se presentes as causas de exclusão: as legais ou as previstas no contrato social. A exclusão pode ser requerida também por sócio minoritário, presente sua causa. Na prática, dificilmente um sócio minoritário tem condições de bancar um negócio dessa natureza. Veremos a diferença de tratamento daqui a pouco.
Na sociedade em nome coletivo e na sociedade em comandita simples, a exclusão extrajudicial, independente de decisão judicial só pode ocorrer por inadimplência na integralização por um sócio. Ou seja, por decisão entre sócios, nesses dois tipos societários, o sócio inadimplente (remisso) pode ser excluído. Nos demais casos a exclusão tem que ser apreciada pelo Poder Judiciário. Art. 1030:
Art. 1030. Ressalvado o disposto no art. 1004 e seu parágrafo único,
pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria
dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações,
ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1026. |
Na LTDA a exclusão de sócio minoritário pode ocorrer por simples alteração contratual, se previsto no contrato social e com a participação dos sócios e com a presença do sócio a ser excluído, ou seja: o(s) sócio(s) que tem(têm) poder de decisão pode(m) excluir o minoritário extrajudicialmente, e ele não se manterá na sociedade. Receberá perdas e danos na melhor das hipóteses.
O sócio majoritário só pode ser excluído pelo juiz. É o majoritário que manda na sociedade, e tem o poder de decidir. Na prática, a sociedade será extinta se ele for excluído. Mesmo na lei, há coisas que são consideradas “sexo de anjo”. Não haverá efeito útil de saber o sexo de um anjo; não fará diferença. Até porque o juiz sopesará as conseqüências de excluir o sócio majoritário, já que, como é provável que a sociedade se extinga, os empregados ficarão desamparados e, nisso, entra-se até discussão sobre a função social da empresa, o que já foi usado como fundamento para impedir a falência de uma empresa numa cidade do interior.
O
sócio minoritário tem essa
proteção legal para efeito de perdas e danos. Mas não existe proteção
legal
para sócio minoritário no que se refere ao Judiciário querer mantê-lo
como
sócio. Quando a maioria decide excluir, o caminho é a exclusão mesmo.