Essas primeiras aulas são um pouco enfadonhas porque dizem respeito à história do Direito Comercial. Exatamente por isso é que veremos apenas passagens essenciais, pois só têm utilidade para entendermos melhor a situação atual do Direito Comercial. Essa é a finalidade. Logicamente se você tem conhecimento de como uma determinada matéria evoluiu historicamente, você entenderá melhor como as coisas são hoje. O professor adverte: preocupem-se com a leitura! Nosso Código Comercial é de 1850, mas nossa ordem jurídica traz a matéria comercial no Código Civil. Algumas coisas, entretanto, teremos que ver no Código Comercial. É preciso que tenhamos as leis à mão.
Então, o que ocorria no início da atividade humana em termos de produção de bens e da subsistência? Era no seio da própria família que as coisas eram produzidas, principalmente alimentos. Com o passar do tempo, por um lado essa produção não atingia todas as necessidades pois as famílias não conseguiam produzir tudo que necessitavam; por outro, outras famílias produziam determinados bens em excesso. É aí que começa a troca daqueles bens necessários à manutenção da vida, especialmente para a alimentação. Das trocas começa a surgir a produção de bens destinados não a atender somente às necessidades da família, mas passam a existir pessoas que se dedicam à produção de bens para a venda. É exatamente nessa fase em que surge a figura do comerciante. Não temos condições de determinar exatamente quando surgiu a primeira forma de comércio, pois isso começa com a própria origem do homem. A história mais bem-registrada é do tempo romano, mas também há referências aos fenícios, egípcios e até à idade da pedra.
Ao mesmo tempo em que surge essa troca de mercadorias, surge também a moeda. Ela veio como um meio de facilitar a troca. No início, a moeda não tinha essa forma que conhecemos hoje de papel-moeda ou metal, mas poderia ser uma cabeça de gado, por exemplo, que servia como moeda. O boi era usado como parâmetro para outras mercadorias. Um outro aspecto interessante da história é que no início o comércio era considerado uma atividade desprezada; o comerciante não era visto com bons olhos. O nobre não podia exercer o comércio. Concomitantemente a isso, com a evolução dessa fase, os próprios comerciantes começam a se organizar, e a regulação da atividade desses comerciantes não era tratada no Direito Civil Romano. Eles se unem nas organizações de ofício, e o comércio, desde sua origem, transcende às localidades. Os comerciantes se encontravam nos mercados; muitas cidades se originaram exatamente pela congregação de mercados. Embora o Direito Civil Romano, por aversão à atividade, regulasse do comércio, os comerciantes eram protegidos; havia pactos de não-agressão, e eles tinham acesso e direito à permanência naquelas cidades.
No que eles se organizavam nas corporações de ofício, ou corporações dos comerciantes, começou a surgir a produção, por eles, de seu próprio Direito, o Direito dos Comerciantes. Era essencialmente um Direito Costumeiro. Eles registravam os costumes em livros, e o objeto eram as relações entre os comerciantes. Essas regras não alcançavam terceiros. Daí chamava-se, nesta primeira fase, que é chamada fase subjetivista, de Direito dos Comerciantes. Por que subjetivista? Porque tinha por foco o próprio comerciante e o Direito era elaborado por eles mesmo em suas corporações de ofício. Tinham inclusive julgadores, pessoas que decidiam os litígios entre comerciantes: os cônsules. Esse sistema de julgamento chegou a ter tanta importância que em algum período chegou a abranger questões não próprias de comerciantes.
Por volta do século XIII, o Direito dos Comerciantes evoluía rapidamente. As organizações de comerciantes começaram a ter tanta importância que se transformaram em classe social, e formou-se a burguesia. Isso começou a incomodar os reis da época. Até que, cinco séculos depois, vem a Revolução Francesa. O que começa nela? Liberdade, igualdade e fraternidade. O que é importante? Igualdade. Se todos têm que ser iguais, e a existência de uma classe importante não combinava com isso pois se chocava com um dos princípios da revolução, tomou-se então a providencia de tirar o foco do Direito Comercial do comerciante e passar para os Atos de comércio. Essa foi uma das formas que Napoleão usou para fazer essa mudança de foco, inclusive elaborando um Código que, em vez de se preocupar com as relações entre comerciantes, passou a regular os atos de comércio. Ou seja, regular os atos independentemente da pessoa que os praticasse. Então, compra e venda de bens, por exemplo, estaria tutelada independente da qualificação de quem a praticasse. Como agora todas as normas estavam registradas, esse tempo ficou conhecido como período objetivista. Quem quiser aprofundar nisso pode ler o livro de Rubens Requião, volume 1. Diz ele que o Código Francês de 1807 passou a regular atos de comércio, mas isso não é tão simples; pois, quanto aos atos de comércio, até hoje, em pleno século XXI, existem seríssimas discussões sobre o que sejam eles efetivamente. Nem mesmo os italianos, os maiores especialistas na área do Direito Comercial, chegaram a um acordo sobre isso. Exemplo: em regra, o que caracteriza um ato do comércio? Produzir bens para vender, ou comprá-los prontos para vendê-los em seguida. Certo? Vejamos. No Brasil, hoje, temos um conceito de mercadoria: o ato de comércio seria a venda de uma mercadoria. Mas vender seu carro é ato de comércio? Não, você não é comerciante, e você não pratica venda de carros como atividade. Para isso, portanto, tem que haver a habitualidade para caracterizar a atividade de comerciante. Mas pode-se ter, por exemplo, a atividade de vender imóveis. Seria um ato de comércio? Também não, porque imóvel não é mercadoria, já que, pelo menos em consenso, mercadoria é bem móvel destinado à venda.
Assim, vemos toda essa dificuldade em relação ao conceito de ato de comércio. Precisamos, então, ter uma idéia do que seja isso. O que é importante repetir: saímos da fase subjetivista, que focava nas relações entre comerciantes, em que o Direito era produzido e pelo comerciante para o comerciante, era essencialmente costumeiro e que, na Idade Média, evolui, no final do período, para um Direito dos atos de comércio. Ou seja, dada aquela importância que a classe dos comerciantes adquiriam, e, estando em choque com uma das preocupações da Revolução Francesa, há a interferência do próprio imperador francês Napoleão que manda editar um Código, legislado objetivamente, retirando o foco da relação da pessoa do comerciante para o ato de comércio.
Mas já nessa época, no século XVIII, o que surge? A industrialização. Produção de bens em série, ou em alta escala. Esta é a passagem para o terceiro período, chamado de Direito da Empresa, influenciado pelo surgimento da industrialização. Mas outro aspecto que devemos ter é que isso não é simples como a Matemática, então não existe uma passagem imediata de uma fase para outra. Há características de uma quando já estamos na seguinte. Há artigos, no Código Comercial Francês, que regulam as empresas. Mas qual a principal característica dessa terceira fase do Direito de Empresa? (No Brasil, levou-se mais de um século para substituir a nomenclatura de Direito Comercial para Direito Empresarial.) Não é só uma mudança de nome, mas também de perspectiva. Em que sentido? Vejam bem, na primeira fase o importante era o comerciante; na segunda eram os atos do comércio, e agora, no Direito de Empresa, não era o comerciante isoladamente nem o ato o que importava, mas a atividade empresarial. O que caracteriza essa mudança de perspectiva? Isso é essencial para entendermos porque estamos falando da fase atual. O comércio é importante apenas porque o comerciante vai ganhar algo, ou o destinatário também tem importância? Tudo importa agora. A população é interessada na atividade comercial. Então quando o Direito passa a regular as empresas, ele passa a dar importância decisiva aos destinatários da atividade, ou seja, a população. Assim, quem monta uma indústria o faz para quê? Fornecer bens para a população. Logo as leis que regulam a atividade passam a ter preocupação com a todos. Ao mesmo tempo, as leis passam a ter preocupação com os empregados naquela atividade. Então, agora o foco é a própria atividade empresarial, que é definida como a atividade que opera com os meios de produção: capital, trabalho e insumos. São os três ingredientes dos meios de produção.
Um ocorrido recente no Brasil, para demonstrar essa mudança de perspectiva, diz respeito à alteração de uma disciplina que veremos, que é a terceira de Direito Comercial, a Falência e Concordata, que hoje se chama Recuperação Judicial e Falência. Do que estamos falando? Concordata, que passou a ser chamada de recuperação judicial. Isso é para demonstrar o foco da terceira fase. A lei que tratava da concordata previa que o comerciante, quando estava em dificuldades, invocava em juízo o instituto da concordata que, de uma forma resumida, era uma simplesmente uma benesse dada a ele. Ele requeria ao juiz e todos seus encargos eram paralisados. Só quem saia ganhando durante esse período era o comerciante. Se não conseguisse sair da concordata, ele entrava em falência. Hoje, como veremos, o instituto que substituiu a concordata se chama recuperação judicial, e há agora um amontoado de requisitos para o comerciante consegui-la. Quem passa a supervisionar a empresa é o juiz, que designa um síndico para administrá-la diretamente. Por que estamos falando isso? Foi preciso mudar a própria legislação para poder tirar as vantagens que, no sistema de concordata, era só do comerciante para que então, mediante a fiscalização do judiciário, estejam protegidos não só o comerciante mas a sociedade e também a própria empresa. E por quê? Porque, se existe uma empresa, é porque há uma sociedade que está adquirindo os bens e serviços produzidos por ela. Se a empresa fecha, a sociedade é prejudicada, tanto por a coletividade deixar de receber seus produtos, quanto por seus empregados que ficam desamparados. É, portanto, uma alteração substancial no Direito que se chamava comercial e agora é empresarial. Ele regula a atividade empresarial a ponto de reduzir o impacto na sociedade quando o empresário está em dificuldade. O Estado intervém de maneira muito mais rígida no sentido de oferecer proteção contra esse impacto.
Isso tudo em termos de objetivo da lei e de focos do Direito Empresarial. Falamos isso porque o aluno depois conhece alguns problemas que costumam ocorrer na vida, mas aqui aprendemos o que é certo. Na prática, saberemos distingui-lo do errado. Embora o objetivo dessa nova lei seja essa proteção da sociedade, problemas existem. Hoje os empresários continuam usando a lei da recuperação judicial e falência para sua conveniência também. Mas o que temos que saber é que a lei foi modificada para beneficiar não mais o comerciante, mas toda a sociedade.
Então a aula de hoje tinha por
objetivo, essencialmente, que aprendêssemos essas três evoluções pelas quais
passou o Direito Empresarial. Terminou com a fase do Direito de Empresa. Nesse tempo,
foi feito na Itália em 1942 o Código de Direito Empresarial Italiano. Essas três
fases nos clareiam a mente para entendermos o comércio de hoje. Não foi deste
jeito desde o início.