Direito Internacional Público

terça-feira, 1º de setembro de 2009

Nacionalidade, Estatuto da Igualdade e condição jurídica do estrangeiro

Esta nota ficou mutilada no final por ter acabado a bateria do meu notebook, já que estávamos numa sala horrível. Com esse desconforto, copiei a aula tão mecânica e desatenciosamente que esta nota também ficou com vários pontos, que infelizmente não sei identificar, duvidosos. Muito cuidado. Os trechos em vermelho não esgotam as partes que esta nota pode estar comprometida.

Estávamos vendo na aula passada a questão da nacionalidade. Quem são mesmo os brasileiros natos? Primeiramente, são os que nascem no Brasil; este é o critério jus soli. Com exceção dos filhos de pessoas que estejam a serviço de seu próprio país. São também brasileiros natos os que nascem fora do Brasil, de pai ou mãe brasileira, que esteja a serviço do Brasil. É a mesma regra. Também brasileiros natos os nascidos com pais brasileiros que estão em viagem, não a serviço do Brasil, mas que expressamente vêm a pedir a nacionalidade brasileira posteriormente. Ou os pais, ou o filho mesmo, ao completar a maioridade. Os pais, se quiserem que o filho tenha nacionalidade brasileira, terão que registrar a criança numa repartição consular brasileira, ou também na embaixada, que pode desempenhar funções consulares. Se não registrarem? Aí sim, criança poderá optar, depois de atingir a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Entre 1994 e 2007, o regime foi diferente. Houve a Emenda Constitucional de Revisão nº 3, que condicionou a nacionalidade brasileira à residência posterior no Brasil. Fazia-se o registro, adquiria-se o documento provisório, e nesse documento vinha registrado que a nacionalidade estava sujeita a uma confirmação posterior. Hoje em dia basta que se faça o registro na repartição consular competente.

E os brasileiros naturalizados? A lei brasileira cria as condições da naturalização. Num dos casos, pede-se tempo mínimo de residência de quatro anos, domínio do idioma, idoneidade moral, etc. Há as hipóteses constitucionais, como as pessoas originárias de países de língua portuguesa. Eles podem se naturalizar com apenas um ano de residência. É a exceção à regra, pois o normal é o tempo quinzenário, previsto no art. 12, inciso II, letra b:


CAPÍTULO III
DA NACIONALIDADE

        Art. 12. São brasileiros:

        [...]

        II - naturalizados:

        [...]

        b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

Como podemos ver pela regra, não se exige o domínio do idioma, como nas outras hipóteses. Normalmente, a lei das naturalizações pede um tempo de quatro anos. É a Lei 818/49.

Voltando ao art. 12 da Constituição Federal de 1988, § 1º: portugueses com direitos inerentes de cidadania. Este é o Estatuto da Igualdade, celebrado entre Portugal e Brasil, que veremos logo mais. A diferença entre os brasileiros natos e naturalizados são com relação à propriedade e à ocupação de alguns cargos:

        [...]

        § 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:

        I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

        II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

        III - de Presidente do Senado Federal;

        IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

        V - da carreira diplomática;

        VI - de oficial das Forças Armadas.

        VII - de Ministro de Estado da Defesa

        [...]

O naturalizado pode ser extraditado em caso de tráfico ou crime anterior à naturalização. O art. 12 da Constituição, no § 3º, transcrito acima, contém a lista dos cargos privativos de brasileiros natos.

Vejam bem: os brasileiros naturalizados podem ser eleitos prefeitos, governadores de Estado, deputados federais, senadores. Não podem, entretanto, ser Presidente da República, nem exercer nenhum cargo que possa a vir, numa situação especial, a exercer a função de Presidente da República, como acontece com o Presidente da Câmara dos Deputados. Podem ter carreira na magistratura, mas não podem ser ministros do Supremo Tribunal Federal. Não podem ocupar a pasta da Defesa, e não podem ter carreira diplomática.

Esses são os casos de brasileiros natos.
 

Perda da nacionalidade

Quando a nacionalidade brasileira é perdida? § 4º:

        § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

        I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

        II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

        a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

        b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

Então, em primeiro lugar, aquele que tiver contra si sentença judicial por ato nocivo ao interesse nacional. Muito raramente acontece. Adquirir outra nacionalidade: vale tanto para os naturalizados quanto para os natos. Então, aquele que adquire uma nova nacionalidade derivada perde a nacionalidade brasileira. Não acontecerá se essa nacionalidade for originária. Os que requerem a nacionalidade de outro Estado e a obtêm terão nacionalidade concedida jus sanguinis, como acontece na Itália. O mesmo daquele que nasce num Estado que reconhece o jus soli, que têm nacionalidade originária. Esses critérios são de nacionalidade originária. Desde o seu nascimento, aquela pessoa era potencialmente italiana em razão de seus entes. A Constituição brasileira prevê que, neste caso, o indivíduo não perde a nacionalidade brasileira.

A regra de nacionalidade não tem limitações. Alguém pode, de alguma forma, obter múltiplas nacionalidades, com várias combinações de jus soli e jus sanguinis. A nacionalidade derivada é fruto de uma escolha, adquirida depois. Então, uma vez naturalizado, o sujeito perde a nacionalidade brasileira. Nisso a doutrina surge para dizer que é preciso uma conduta ativa e específica nesse sentido: uma manifestação expressa de vontade. Segundo essa interpretação, caso alguém se veja atribuído de forma graciosa a nacionalidade de outro Estado e não tenha tomado a iniciativa de pedi-la, essa pessoa não perderá a nacionalidade anterior. Como é o caso da mulher, que não deve perder a nacionalidade em função da mudança de nacionalidade do marido. Marcelo Varella discorda dessa opinião doutrinária.

Então, os adquirem uma nacionalidade jus soli perdem a nacionalidade brasileira a menos que, como diz a Constituição, no inciso II do § 4º do art. 12, tenham sua nacionalidade originária reconhecida pelo Estado estrangeiro e, segundo, se a pessoa comprovar que se naturalizou por exigência do Estado para que pudesse exercer alguns direitos civis e/ou para continuar no território. Então, demonstrando isso, a pessoa não perde a nacionalidade brasileira. Essa norma constitucional foi feita para homenagear os trabalhadores brasileiros que iam para outros Estados que exigiam a naturalização.

Alguns Estados comunicam ao Estado brasileiro que um indivíduo se naturalizou por lá. O Presidente da República edita um decreto de cancelamento da nacionalidade brasileira originária.

Sempre que alguém se naturaliza, a pessoa pode preencher um requerimento junto à embaixada justificando a naturalização. Esse requerimento pode ou não ser deferido administrativamente. A nacionalidade estrangeira pode ser concedida, por exemplo, a alguns jogadores de futebol que vão ao Estado estrangeiro jogar e precisam se naturalizar. Ao se naturalizar e não conseguir justificar, perde-se a nacionalidade brasileira.

Questão interessante: brasileiro naturalizado que perde a nacionalidade. Se houver ação rescisória, ele poderá recuperar sua nacionalidade. O naturalizado ou nato que tenha perdido sua nacionalidade em razão de naturalização também tem a possibilidade de recuperar justificando a sua naturalização. Ao recuperar, ele volta como nato ou naturalizado? José Afonso da Silva defende que volta como nato, enquanto Pontes de Miranda e Rezek dirão que voltam na condição de naturalizado, alegando que houve lapso de nacionalidade.
 

Estatuto da igualdade

§ 1º:

        § 1º   Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)

O que é o Estatuto da Igualdade? É um regime jurídico que assegura aos brasileiros que vivem em Portugal e vice-versa o exercício de direitos de cidadania. São direitos civis e políticos. São dois regimes de igualdade, que são estabelecidos mediante tratado bilateral, e existe desde 1971. Em 2001, Brasil e Portugal celebraram outro tratado bilateral que ab-rogou nove tratados já existentes e absorveu grande parte das disposições que neles se encontravam, inclusive o próprio Estatuto da Igualdade. Ele foi substituído pelo Estatuto de Amizade, Cooperação e Consulta entre Brasil e Portugal, de 2001. Permite que o português ou brasileiro residente possa gozar de direitos inerentes aos nacionais de Estado mantendo incólume sua nacionalidade.

O que o português aqui ou o brasileiro lá têm que fazer? Requerer ao Ministério da Justiça. Basta que se reúnam as condições. Os efeitos se restringem a cada pessoa que houver requerido, obviamente. Então, o que ele tentará demonstrar? Em primeiro lugar, ele precisa demonstrar a nacionalidade portuguesa, capacidade civil, e que foi admitido em caráter permanente no Brasil. Não existe prazo mínimo para isso. Isso para o registro de igualdade parcial, civil. Para ter a igualdade plena, que abrange os direitos políticos, ele precisará demonstrar que foi admitido no Brasil há mais de três anos, e também que goza dos direitos políticos em Portugal. No momento em que ele é admitido no regime de igualdade plena, ele deve renunciar aos seus direitos políticos em Portugal. Isso porque, logicamente, ele não pode ser eleito lá e aqui ao mesmo tempo.

Se o português perder a nacionalidade portuguesa por algum problema inerente à sua relação com Portugal, ele perderá os direitos no Brasil.

Então quais as diferenças entre português beneficiário do Estatuto da Igualdade e brasileiro naturalizado? Serviço militar, para começar: o português não presta o serviço. Em segundo lugar, há a proteção diplomática, em que um Estado, diante de um dano sofrido por um particular, assume como seu aquele dano e pede reparação ao Estado causador na via diplomática. Isso se chama endosso sobre proteção diplomática. Outra diferença é a extradição. Brasileiro naturalizado, a menos que cometa crime de tráfico ou crime anterior à naturalização, não poderá ser extraditado; já o português pode sim ser extraditado, mas somente para Portugal, por qualquer crime.

Curiosidade: brasileiro naturalizado não pode ser expulso, apesar de poder ser extraditado. E se perder a nacionalidade brasileira, ele será extraditado como estrangeiro.
 

Condição jurídica do estrangeiro

Vamos falar também, dentro desta parte, da condição jurídica do estrangeiro no Brasil. Veremos depois o asilo político, refúgio político, e o caso Battisti, que será julgado quarta-feira, dia 9 de setembro. Veremos a extradição amanhã.

Não existe nenhuma regra de Direito Internacional que obrigue os Estados a acolher em seu próprio território nacionais de outros Estados. Os Estados são soberanos para acolher ou não os estrangeiros.

Vistos: o que são? Permissão para ingresso e permanência no território de um Estado estrangeiro. Quem distribui o visto são os consulados e embaixadas. O visto permite o ingresso e a permanência do estrangeiro. Entretanto, alguém que tem o visto é obrigado a entrar? Não. O visto não cria uma obrigação, nem direito ao Estado de ter aquele indivíduo em seu território. Cria uma expectativa de direito, não um direito subjetivo.

Os Estados têm várias modalidades de títulos de ingresso. Pode ser de permanência transitória, definitiva, de trabalho ou estudo, etc. o Estado não é obrigado a receber ninguém. Mas, no momento em que o Estado recebe o estrangeiro, aquele passa a ter obrigações para com este. O indivíduo estrangeiro tem direitos em relação àquele Estado.

Direitos do estrangeiro: variarão, segundo o regime jurídico do Estado onde ele se encontra, alguns são derivados de tratados, e outros estão previstos no próprio ordenamento jurídico daquele país. Como os direitos de primeira geração: vida, segurança, integridade, devido processo legal, ampla defesa... São, de modo geral, concedidas a todos os estrangeiros, ainda que de passagem pelo território de determinado Estado. Direito de propriedade: de modo geral, no mundo ocidental, é concedido aos estrangeiros. Cada Estado ditará suas próprias regras em relação ao direito de propriedade. Não é necessário visto permanente para adquirir imóvel. Há limitações, entretanto, por exemplo na propriedade de empresas jornalísticas. Alguns autores, entretanto, vêem uma ampliação nos direitos dos estrangeiros. Uma Emenda na nossa Constituição criou a possibilidade de 30% do capital de tais empresas ser estrangeiro.

Há limite também no que tange à área de propriedade rural em nome de estrangeiros. Está na Constituição, art. 190:

        Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.

Há também a limitação no art. 20, § 2º, quanto às regiões de fronteira.

Exercício de atividade remunerada: somente os estrangeiros que estão em caráter permanente aqui.

Direitos políticos: em geral, os estrangeiros também não têm direitos políticos aqui. Existe, entretanto, uma Emenda Constitucional segundo a qual os estrangeiros, na forma da lei, poderão exercer cargos e funções públicas. A norma tem a ver com os professores universitários estrangeiros.
 

Exclusão de estrangeiros

E como e quando o estrangeiro pode ser excluído do território local?

Ele pode ser deportado, expulso ou extraditado. Esta última modalidade de exclusão de estrangeiros ocorre em razão de um pedido de um Estado estrangeiro, e tem destino certo. A extradição é regulada pelo Direito Internacional, mais especificamente por tratados e Direito costumeiro internacional, ao passo que a expulsão e deportação são prerrogativas dos Estados locais, e são determinadas por leis locais. Hoje veremos melhor a deportação e a expulsão.
 

Deportação

Quem pode ser deportado? Quem entrou de forma irregular no país ou quem teve sua estada tornada irregular pelo decurso do tempo. De quem é a iniciativa da deportação? Da autoridade local. Não envolve Ministro da Justiça nem o Presidente da República, basta a Polícia Federal. Ao constatar a irregularidade, ela pode notificar e dar um prazo ao estrangeiro para que ele corrija a situação, que em geral é de 8 dias. Quem paga as despesas? A princípio, o próprio deportado, se não tiver condições, o Tesouro Nacional.

Uma vez sanada a irregularidade, ele poderá retornar ao Brasil, e, se as despesas tiverem corrido por conta do Tesouro, o estrangeiro terá que ressarcir. Para onde ele vai? Para seu Estado de origem. Por quê? Porque é o único que tem a obrigação de recebê-lo. Note que a lei não fala nisso, mas fala em “país de residência, de nacionalidade ou qualquer pais que queira recebê-lo”. A deportação deverá ter como destino um Estado em que o sujeito não corra riscos em relação às suas condições pessoais. Por exemplo: um judeu não pode, pelo menos não deve ser deportado para um país muçulmano como o Irâ.
 

Expulsão

Tem conseqüências mais sérias, e o sujeito não pode retornar, a menos que haja um decreto presidencial permitindo. Precisa de devido processo legal para que aconteça. A Lei 6815/80, o Estatuto do Estrangeiro, elenca as possibilidades de expulsão em seu art. 65:

TÍTULO VIII
Da Expulsão

        Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.

        Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:

        a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;

        b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo aconselhável a deportação;

        c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou

        d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro.

São expulsáveis os que tenham cometido crime ou conduta nociva ao interesse e conveniência nacional.

Na prática, isso se traduz para os estrangeiros que praticarem crimes ou crimes cuja conduta seja inconveniente ao interesse nacional.

O que é conduta nociva ao interesse e conveniência nacional? Existe uma discricionariedade do chefe de Estado. Olhem o ato administrativo, que não deve ser afastado da apreciação do Poder Judiciário. Cogitou-se, por exemplo, expulsar o jornalista Larry Rohter, correspondente no NY Times, que escrevera um artigo em que expunha-se o hábito etílico do presidente Lula. O governo voltou atrás porque ele não quis parecer autoritário, já que haveria uma conotação muito negativa em se expulsar um jornalista de um país democrático.

Um exemplo: Padre Victor Maracapilo, em 1980. A lei é de agosto, foi expulso em outubro porque se recusou a celebrar Missa de 7 de Setembro.

Então abre-se um procedimento administrativo no Ministério da Justiça, e ele não poderá adentrar no mérito da condenação. Nem negar que é o sujeito passivo. Ele poderá dizer que existe uma das hipóteses previstas pela lei de possibilidade de expulsão. A condição familiar do expulsando poderá influenciar decisivamente.

A expulsão pode se dar por meio de uma Portaria do Ministério da Justiça por delegação presidencial, feita por decreto.

Qual o destino? Seu Estado de origem, de nacionalidade, ou qualquer um que deseje recebê-lo. A regra é que ele, primeiramente, cumpra a pena no Brasil, e seja expulso depois. O Presidente da República pode abrir mão do cumprimento da pena aqui no Brasil. Não é a regra.