Leiam o artigo sobre a abdução internacional. Está no SGI. Veja também o vídeo com a reportagem sobre o caso Ronald Biggs.
Finalizado o estudo da deportação e
da expulsão, passemos à
extradição. O que distingue a extradição das outras formas de exclusão
do
estrangeiro de determinado território? Em primeiro lugar, a iniciativa.
De quem
é a iniciativa da deportação? Do próprio Estado, através da autoridade
administrativa, sem envolver a cúpula do governo. Polícia Federal. E
expulsão? Cabe
ao Presidente da República, com base em decisão proferida em inquérito
administrativo corrido no Ministério de Justiça. A extradição é a
entrega de
uma pessoa a um Estado a pedido deste, Estado perante o qual o sujeito
deva
responder a Processo Penal. Então o primeiro elemento diferenciador é a
iniciativa, que, na extradição é do Estado estrangeiro. Ele que formula
o
pedido de extradição. O segundo elemento diferenciador é que na
extradição há
um envolvimento do Poder Judiciário. As outras duas formas são
procedimentos
administrativos. Aqui
sempre é possível
ajuizar-se mandado de segurança. No caso da extradição, os Poderes
Judiciários,
tanto do Estado requerente quanto do requerido se envolvem. Requerente
porque
lá o indivíduo responde a um processo penal. No mínimo, exige-se que
exista um
mandado de prisão expedido por autoridade judiciária competente daquele
Estado.
Do lado do Estado requerido, é o Poder Judiciário que autorizará a
extradição.
É formulada de governo a governo, ou pela via diplomática, que
encaminha ao
Poder Judiciário local para analisá-lo segundo a lei local
extradicional.
Fundamento
jurídico
da extradição
Qual o fundamento jurídico da extradição? Sempre existe um tratado bilateral de extradição e, na falta desse tratado, deverá haver uma promessa de reciprocidade. Então, o Estado requerente promete ao Estado requerido, caso não haja tratado entre os dois. Mas o Estado não promete extraditar no futuro, ele se compromete apenas a analisar, segundo sua própria lei, aquele pedido de extradição que vier a ser feito. Isso porque quando um pedido de extradição está baseado num tratado, o Poder Executivo não tem escolha, e ele deverá entregar ao exame do Poder Judiciário, que fará a análise. Se não há tratado, ele pode rejeitar de imediato ou encaminhar para a apreciação do Judiciário. Imagine que os Estados A e B não tenham tratado de extradição. Eventualmente um criminoso, nacional de B, é encontrado no Estado A. B pede a A que extradite o sujeito, e B faz uma promessa de reciprocidade, o que significa que, quando A pedir a B o mesmo, B se comprometerá a não negar de pronto o pedido, não rejeitar sumariamente.
No Brasil: o que é discricionariedade governamental? É que se o pedido for baseado na promessa de reciprocidade, o Brasil poderá recusar sumariamente. E não haverá nem azo à interpelação perante à Corte Internacional de Justiça.
Feito o pedido, o Poder Executivo o encaminhará à autoridade judiciária competente. Assim o Brasil analisará, de acordo com a Lei 6815, se concederá a extradição. A autoridade competente aqui é o Supremo Tribunal Federal. Detalhe interessante: se o pedido é formulado em promessa de reciprocidade e encaminha ao Supremo, e depois o Executivo recusa sumariamente, isso é possível, apesar de que não seria lógico e estúpido. Mas em tese pode ser feito.
Observação: o Estado pode abrir mão
do cumprimento da pena
do sujeito para extraditá-lo imediatamente, ou esperar o cumprimento da
pena
antes.
Pode ser feito via governos ou pela via diplomática. O pedido é formulado e encaminhado ao presidente do Supremo Tribunal Federal que determina imediatamente a prisão do extraditando. A lei fala que quem determina é o Ministro da justiça, mas a Constituição de 1988 vem com uma nova redação.
Glória Trevi: cantora mexicana acusada do crime de tráfico de menores com exploração da prostituição infantil e escravidão juvenil. Meses depois de ser presa pela polícia brasileira, conseguiu ser posta em liberdade, apesar de o Supremo ter sido bastante categórico no sentido de que a prisão não admite liberdade provisória. Depois, o que acontece? O Estado não é considerado parte, mas tem direito de contratar um advogado para defender suas razões, assim como o extraditando tem o direito de se defender. Ele não pode entrar no mérito da questão, mas pode contestar questões processuais, como a própria identidade do sujeito, que leva a um problema de legitimidade da parte. Ou então erro de forma, erro de acordo com a lei brasileira. Em outras palavras, ele poderá alegar questões processuais, mas não materiais. O Supremo analisará à luz dos pressupostos legais. Ele analisará como? Ele verificará a nacionalidade do extraditando, pois o Brasil não extradita seus próprios nacionais. Somente EUA e Reino Unido o fazem. Se for brasileiro naturalizado, ele poderá ser extraditado em caso de crime anterior à naturalização ou se tiver praticado tráfico de drogas.
O crime que motiva o pedido de extradição deve ser considerado crime tanto no Estado requerido quanto no requerente. Então, primeiro se analisa o tipo penal. Depois, verifica-se se o crime por acaso é político, pois não se autoriza a extradição por motivo de crime político. Em geral é a doutrina quem define o que é crime político e crime comum.
Também o crime deve ter alguma gravidade. Adota-se a regra de que o crime deve ser apenado com pena privativa de liberdade superior a um ano. E não pode estar sujeito à jurisdição brasileira; se estiver, não caberá pedido de extradição. Também não pode ter havido prescrição, e é preciso que haja um processo penal em qualquer fase em curso contra o extraditando, com mandado de prisão já expedido contra ele. E o Supremo exige ainda que o Estado requerente não corra o risco de submeter o indivíduo a tribunal de exceção. Tudo isso está na Le i 6815/80. Normalmente a defesa do extraditando alegará que não se verifica uma ou outra das condições. Leiam o art. 77 para fixar as condições:
...
O sujeito só será extraditado se o Estado requerente se comprometer a assumir certos compromissos perante o Estado requerido.
Se o pedido é negado, o sujeito é posto em liberdade imediatamente. Também o Estado requerente se comprometerá a não punir o sujeito por fatos estranhos ao pedido. Além disso prometerá que aquele período que o extraditando ficou preso será detraído. O Estado requerente também se compromete a não condenar o sujeito à morte; a pena de morte deverá ser convertida em pena privativa de liberdade. Nisso tem jurisprudência: extradições 426 e 855. Na primeira se pedia que a pena de morte fosse convertida em pena privativa de liberdade, ou então de prisão perpétua para pena privativa de liberdade de no máximo 30 anos. O Supremo decidiu que não porque isto não está previsto na lei extradicional; esta só fala em pena de morte, não em pena perpétua. Na segunda, o Supremo entende que o Estado requerente tem que converter a prisão perpetua para pena privativa de liberdade de no máximo 30 anos. Essa é uma construção jurisprudencial, e não está na lei.
Também o Estado requerente se compromete a não entregar o extraditando a outro Estado sem que o Brasil autorize. O Brasil autoriza a extradição e os EUA, que recebem a pessoa, não deverão mandá-lo para o Canadá.
E mais uma exigência: o Estado requerente não agravará a pena por motivos políticos.
Quando a extradição não é possível por algum motivo, costuma-se recorrer a alguns artifícios, como à extradição simulada ou disfarçada. Tratam-se de expulsão ou deportação com o propósito de fazer alguém cumprir o Processo Penal. Se elege a via da deportação, mas na verdade é uma extradição disfarçada porque o sujeito é mandado exatamente para responder a processo penal.
Caso
Soblen, 1962: O Dr. Robert Soblen, judeu nascido na
Lituânia, foi considerado espião soviético. Mudou-se para os EUA em
1940, supostamente mandado pela polícia secreta soviética. Durante a
segunda guerra mundial, ele forneceu documentos secrfetos do Escritório
de Serviços Estratégicos e informações sobre armas nucleares. Soblen
sofria de leucemia.
A acusação de espionagem renderia pena de morte nos Estados Unidos.
Entretanto a sentença que obteve foi de prisão perpétua. Quando seu
último recurso foi negado, ele embarcou para Israel, acreditando que
seria acolhido pelo direito previsto na Lei de Retorno israelense, que
previa que os judeus estrangeiros ou descendentes de judeus ganhassem
nacionalidade israelense. Porém, subestimando as relações de amizade
entre Estados Unidos e Israel, ele foi barrado na entrada, o que gerou
muitos protestos dos residentes israelenses pois acreditava que o
Direito ao Retorno era inviolável, e também garantido pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948. (Israel, no
entanto, alegou que sua legislação permitia a extradição de cidadãos
israelenses por crimes cometidos antes da imigração.)
Soblen foi posto novamente num avião
com destino aos EUA, mas o vôo, felizmente para ele, não era direto, e
tinha uma escala em Londres. Quando o avião se aproximava do solo
inglês, ele cortou os pulsos, para que fosse forçado a desembarcar em
Londres e obter atendimento médico. Não demorou e rapidamente surgiu
uma ordem para que ele deixasse imediatamente o território inglês. Foi
o que ele queria. Em vez de entrar no mérito de sua condenação nos EUA,
Soblen resolveu atacar a legitimidade dessa ordem e pediu, por meio de
habeas corpus, a permanência na Inglaterra, alegando ser perseguido
político, e que a deportação na verdade era uma extradição velada, pois
ele seria mandado para lá justamente para responder a processo penal.
Os médicos ingleses determinaram que sua leucemia estava adormecida e,
então, a Inglaterra negou o pedido de asilo político. Pouco antes de
ser deportado novamente, Soblen se suicidou com uma overdose de
barbitúricos.
Pensamos em extraterrestres ao falar em abdução, que vêm com suas naves e capturam um terráqueo para suas naves. Não é muito diferente na abdução internacional. É a captura ilegal de uma pessoa por agentes de outro Estado com o propósito de fazer essa pessoa a responder a processo penal. Em geral recorre-se a isso quando o Estado que deseja pôr as mãos no sujeito não quer correr o risco de obter uma negativa no pedido de extradição.
Um dos casos mais notórios foi o de Adolf Eichmann, que já sabemos. Foi em 1960. Instalado na Argentina, ele adotou o pseudônimo de Ricardo Klement. Viveu 10 anos, até que o Mossad o pegou.
Antoine Argoud, 1963. Argoud era um
ex-coronel francês que participava de um movimento armado contra a
independência da Argélia. Sua oposição fez com que ele entrasse para a
Organização do Exercício Secreto (OAS, Organisation de l'armée secrète)
para resistir à emancipação do país africano. Por volta de 1963 ele era
o único membro ativo conhecido da organização, e foi acusado da
tentativa de assassinato do presidente francês Charles De Gaulle. Foi
encontrado ferido e amarrado a uma Kombi em Paris, depois de uma
denúncia, onde foi preso. Argoud alega ter sido sequestrado em Munique,
onde se escondia, por integrantes do Serviço Secreto Francês
(conhecidos como Les Barbouzes). O sujeito que ligara para a polícia
para dizer a localização da Kombi com Argoud dizia ser membro da OAS,
"revoltado com a traição do colega, que falhara em cumprir todas as
tarefas a ele impostas".
Humberto Alvarez-Machain, 1990: Médico mexicano acusado de dar suporte a uma sessão de tortura de um agente da DEA, a Agência Anti-Drogas americana (Drug Enforcement Administration). Um promotor de Los Angeles afirma que Machain foi capturado em Guadalajara por caçadores de recompensas, que haviam se empenhado em obter a recompensa ofertada pelo governo americano por ele. Isso rapidamente levantou discussões sobre a legalidade dessa abdução, mas a DEA nunca confirmou que oferecera tal recompensa.
Nenhum pedido de extradição formal foi feito pelo governo americano ao governo mexicano, então um agente da DEA contatou cidadãos mexicanos para organizar uma equipe e abduzi-lo.
Machain
foi levado para a California e julgado em 1992, sendo absolvido por
falta de provas. Ele foi mandado de volta ao México. Posteriormente ele
ajuizou ação civil nos EUA pedindo indenização pelas violações a
direitos constitucionais contra ele enquanto ele esteve em solo
americano. Ganhou US$ 25 mil.
E se houver dois pedidos de extradição concorrentes, com dois estados pedindo o mesmo indivíduo? Há critérios para definir a prioridade. Estão nos parágrafos do art. 79 da Lei 6815:
Art. 79. Quando mais de um
Estado requerer a extradição da mesma pessoa, pelo mesmo fato, terá
preferência o pedido daquele em cujo território a infração foi
cometida. § 1º Tratando-se de crimes diversos, terão preferência, sucessivamente: I - o Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira; II - o que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando, se a gravidade dos crimes for idêntica; e III - o Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando, se os pedidos forem simultâneos. § 2º Nos casos não previstos decidirá sobre a preferência o Governo brasileiro. § 3º Havendo tratado ou convenção com algum dos Estados requerentes, prevalecerão suas normas no que disserem respeito à preferência de que trata este artigo. § 3º Havendo tratado ou convenção com algum dos Estados requerentes, prevalecerão suas normas no que disserem respeito à preferência de que trata este artigo. |
Todas as vezes que esse tipo de conduta estatal, como a de Israel, gerar alguma indignação, o que os Estados sempre alegaram foi a ofensa à sua soberania.
Sempre existe um mandado de
prisão
expedido por uma autoridade competente. Então, o que ocorre é uma
simples
irregularidade na captura. E, quando isso é exposto à justiça, as
autoridades costumam dizer que a irregularidade da captura não deve ser um
argumento
usável no processo penal. Então, a verdadeira vítima é o Estado. Quando
Conselho
de Segurança profere uma resolução contraria à atitude de Israel no
caso
Eichmann, a preocupação foi em se demonstrar que a soberania havia sido
violada, mas não os direitos do indivíduo. Não existe uma regra de
Direito
Internacional que garanta ao indivíduo o direito de se submeter a um
processo
de extradição regular. *
Os tratados prevêem algumas regras, como o risco de se submeter o indivíduo a um tribunal de exceção. As regras de proteção ao indivíduo devem existir no âmbito dos ordenamentos jurídicos nacionais. Neles é que deve haver regras de proibição a extradição simulada, por exemplo.
O Direito Brasileiro
não proibe a extradição simulada simplesmente; ele proibe a extradição
simulada, a deportação ou a expulsão como formas de extradição quando a
própria extradição for ilegal.
O caso Ronald Biggs – também conhecido como Michael Kaynes.
Biggs foi o ladrão de um trem pagador na Inglaterra em 1963. O fato foi muito notório. O trem transportava cédulas usadas que seriam encaminhadas para a troca. Ele mais dois camaradas assaltaram o trem. O maquinista foi severamente ferido com uma barra de ferro no processo. Biggs foi preso, e depois de dois anos conseguiu fugir da prisão de Wandsworth.
Fugiu imediatamente para Paris, onde adquiriu nova identidade e se submeteu a cirurgia plástica. No final de 1965 ele voou para Sydney, onde morou alguns meses, indo depois para Adelaide. Sua família foi ao seu encontro. Em 67 ele recebeu uma carta de um amigo que dizia que a Interpol suspeitava de sua localização, e que ele deveria se mudar. Foi para Melbourne, onde foi novamente descoberto. Fugiu de casa com a família e foi para a casa de um amigo nos subúrbios. Cinco meses depois ele falsificou o passaporte de um amigo e embarcou num navio que partiu do porto de Melbourne com destino ao Panamá. Duas semanas depois ele já estava no Brasil.
Ele entrou no Rio com documento falso, em que constava “Michael Kaynes” como seu nome. Se instalou aqui e logo ficou conhecido como um homem bastante carismático, e contava vantagem de suas proezas do passado cinicamente. Virou cantor.
Em 1974 seu paradeiro no Rio foi descoberto pela Scotland Yard, e logo agentes ingleses chegaram à cidade. Naquela ocasião, ele não pôde ser extraditado porque não estava prevista na Constituição da Inglaterra a promessa de reciprocidade, e o Brasil não possuía tratado de extradição com o Reino Unido. Então, cogitou-se deportá-lo com base no fato de ele ter entrado no Brasil com nome falso. Mas isso esbarraria em dois problemas: primeiramente, porque o efeito imediato dessa deportação seria que ele iria responder a processo penal, o que daria a essa deportação uma essência de extradição, nisso, ele apelou para o TFR (Tribunal Federal de Recursos). O Tribunal impediu a deportação. Também não se poderia expulsá-lo pois Biggs havia engravidado uma dançarina de boate, e a lei brasileira não permitia que o pai de uma criança brasileira fosse expulso do território nacional. O próprio TFR também impediu que ele fosse mandado para qualquer Estado onde ele corresse o risco de ser, posteriormente, enviado à Inglaterra.
Em 1981, ele foi seqüestrado e enviado para Barbados. Os seqüestradores pretendiam obter uma recompensa da polícia inglesa, mas o país do Caribe também não possuía tratado de extradição com o Reino Unido e Biggs acabou voltado ao Brasil. Um de seus filhos com a dançarina acabou vindo a entrar para a Turma do Balão mágico, uma nova fonte de renda para Biggs. Isso durante a década de 80. Logo o Balão saiu de moda e as dificuldades financeiras retornaram.
Até que ele resolve voltar, de espontânea vontade, para a Inglaterra. Um jato particular bancado pelo tablóide The Sun o levou, em troca de o jornal obter direitos exclusivos de exibição da história. Tão logo que chegou foi preso, e rapidamente peticionou para obter indulto humanitário. Depois de sucessivas negativas, ele foi solto mês passado, e alega lutar para conseguir chegar vivo ao Natal de 2009.
Posteriormente, Inglaterra e Brasil vieram a celebrar tratado de extradição, e em seguida pediu. Mas o Supremo reconheceu a prescrição.
Se a extradição for autorizada pelo Supremo, o indivíduo é posto em liberdade, e o Estado não pode formular um novo pedido baseado nos mesmos fatos. Se a extradição é concedida, o Estado requerente providenciará. Terá 60 dias para isso.