Direito Internacional Público

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Outras fontes de Direito Internacional

Nota atualizada em 05/11/09 às 01:47: adicionada parte final, só falada na aula seguinte.

Tópicos:

  1. Direito Costumeiro
  2. Prova da existência de uma norma costumeira
  3. Costume versus Tratado
  4. Fundamento de validade da norma costumeira
  5. Princípios gerais de Direito
  6. Atos unilaterais dos Estados
  7. Decisões das organizações internacionais
  8. Métodos de interpretação do Direito Internacional

Vamos dar continuidade às fontes de Direito Internacional. Hoje vamos falar dos costumes e os princípios gerais do Direito, que são outras fontes elencadas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Veremos também os atos unilaterais dos Estados e os atos das organizações internacionais.

O dito artigo não menciona os atos unilaterais dos Estados nem as decisões das organizações internacionais, que podem ser fontes escritas. Os atos podem ser escritos ou orais.

A controvérsia é acerca da natureza dos atos jurídicos como fonte de Direito Internacional. Mencionados no rol do art. 38 do EICJ estão o costume internacional e os princípios gerais do Direito, além dos tratados, que já vimos:

Artigo 38

1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar:

  • a. as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
  • b. o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito;
  • c. os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
  • d. as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59.

2. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes.

Direito Costumeiro

O que é uma norma costumeira? O que é um costume internacional? Prática geral aceita como sendo de Direito. É uma forma de proceder, ou de se abster de proceder; uma ação ou omissão.

Daí se tiram dois elementos essenciais: o elemento material, que é justamente a prática de uma determinada forma de agir por parte dos Estados, ou de não agir, e mais um elemento psicológico, também essencial. A simples prática, o elemento material, que é essa forma repetida de proceder ou se abster de proceder não é suficiente para caracterizar um costume internacional. É preciso que essa prática seja acompanhada por um elemento subjetivo, dos praticantes; eles têm que agir com convicção de que aquela prática corresponde ao Direito, e não ser um simples ato ou praxe. Eles acreditam que aquela prática corresponde ao justo e ao bom Direito. E, por força de praticar essa regra, acreditando que ela é obrigatória, ela se torna obrigatória pela própria prática reiterada. Por essa reiteração, a norma se cogente. Isso se chama opinio iuris.

Alguns autores fazem uma observação: é como se o costume nascesse de um equívoco, imaginando os Estados ser a norma obrigatória. Isso porque a norma só se torna obrigatória na medida em que os Estados a praticam na convicção de que ela é mesmo obrigatória.

O costume internacional é a prática geral aceita pelos Estados aceita como sendo o Direito. Como assim? O que é prática geral? A generalidade do costume pressupõe uma multiplicidade de vontades. Pressupõe que uma coletividade de Estados pratique essa norma na convicção de seu caráter jurídico. Ela deve ser unânime; deve ser praticada por um conjunto de Estados, que são aqueles que se vêem na contingência de praticá-la. Exemplo: asilo diplomático. É um costume latino-americano. É uma prática geral no sentido de que é aceita pela comunidade de Estados que a praticam como sendo de direito.

E quanto tempo demora para que uma norma costumeira seja reconhecida? A vontade de um único Estado não cria um costume internacional. Se a quebra da imunidade dos Estados fosse praticada por um único Estado, como o Brasil, ela não seria uma norma costumeira internacional. Mas quanto tempo é necessário para que uma norma de direito consuetudinário se forme? A prática e a continuidade é que ditarão o caráter costumeiro da norma internacional e não requer um intervalo cronológico. A CIJ inclusive reconhece isso. Basta a generalidade e continuidade da prática geral, com a convicção de que ela corresponde ao bom Direito, ao jurídico, e também à associação desses dois elementos.
 

Prova da existência de uma norma costumeira

A norma costumeira é mais flexível que a norma escrita. Muitas vezes, o costume tem um grau de observância maior do que a norma escrita. Mas ele tem uma desvantagem: é difícil determinar o termo inicial de vigência de um costume. A partir de quando que ele existe? Outra coisa que nem sempre é fácil é determinar o conteúdo e uma norma costumeira. Quando os Estados invocam em seu benefício a existência de um costume, eles têm que provar a existência de uma norma dessa natureza.  E como provar essa existência? Eles buscam essa prova nos atos estatais: atos dos Três Poderes do Estado. Não que esses atos gerem a norma costumeira; eles contém, são repositórios da norma costumeira. Então, os atos da diplomacia ordinária, do Poder Executivo, as execuções ministeriais, os atos da Administração podem confirmar a existência do direito costumeiro.

Atos do Legislativo: leis internas que versem sobre matéria de Direito Internacional. Por exemplo: houve um tempo em que o Direito do Mar tinha um caráter eminentemente costumeiro. Então houve um processo de codificação com a Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (Convenção de Montego Bay, 1982). Os limites do mar territorial eram fixados de forma costumeira. Aliás, ainda hoje é assim: o Estado define os limites de seu mar territorial. Há um limite convencional máximo, que hoje é de 12 milhas marítimas. Mas houve um tempo em que o os Estados determinavam livremente, e a comunidade internacional contestava quando a delimitação parecia pouco razoável. Então o limite variava entre 3, 6 ou 12 milhas. O Brasil já teve mar territorial de 6 milhas marítimas. Houve um momento em que Chile e Equador decidiram estender esse limite a 200 milhas, sob o argumento de que a economia dos Estados dependia dessa extensão. A idéia se propagou, até a Islândia adotou. Então veio a Convenção de Montego Bay, Jamaica, para fixar em 12 milhas, salvo para os Estados que precisarem da Zona Econômica Exclusiva, o que estudaremos na próxima aula.

Onde se encontrava a prova desse costume internacional? Cada Estado tinha sua própria lei onde decretava os limites de seu mar territorial. Então eram os atos legislativos dos Estados que mostravam a prova desse costume internacional.

Provas dos costumes internacionais também podem ser encontradas nos atos do Poder Judiciário, quando ele interpreta uma norma de Direito Internacional. Não que as decisões jurisdicionais internas criem direito costumeiro internacional, mas ajudam a determinar a existência dessa vontade generalizada. Exemplo: apelação cível 9696, que já estudamos. A regra da imunidade absoluta dos Estados à jurisdição local, que foi relativizada, num primeiro momento, pelas jurisprudências dos Estados europeus e norte-americana.

Os atos estatais, os atos de cada Poder podem mostrar a prova de um costume internacional.

Também se pode procurar a prova da existência de um costume internacional no próprio plano internacional. Exemplo: nas decisões arbitrais ou nas judiciárias. Vejam como é interessante que, onde existe a prova do costume internacional, existe também sua origem e sua repetição. A decisão arbitral ou judiciária contém a prova da existência da norma internacional, e também a forma de praticá-la. A prática reflete com o conhecimento geral.

Os trabalhos preparatórios dos tratados também podem abrigar prova de um costume internacional. Aliás, existem tratados que são a mera codificação de costumes internacionais, sem adicionar nenhum conteúdo novo. Por exemplo no plano bilateral: os tratados de extradição. O que é o Direito extradicional? É o feixe de tratados bilaterais que contêm e refletem a existência de um Direito Costumeiro. Há cláusulas típicas que se repetem em todos os tratados de extradição. Exemplo: a regra da não extradição de criminosos políticos. A existência dessas cláusulas numa multiplicidade de tratados comprova uma prática geral como sendo de direito. De onde veio a regra da não extradição dos criminosos políticos? Do costume.

No plano dos tratados coletivos, é muito comum que eles venham simplesmente para codificar um Direito Costumeiro.  A Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar em 1982, por exemplo. Outro exemplo é a própria Convenção de Viena do Direito dos Tratados, de 1969, produto de 19 anos de trabalhos preparatórios. A própria Convenção é um esforço de codificação do Direito Costumeiro. Da mesma forma as convenções de Direito Diplomático e Consular. Os trabalhos preparatórios e as discussões empreendidas pelas delegações nacionais no contexto de uma conferência internacional, visando a posterior celebração de um tratado coletivo, que levam a discussões que são arquivadas e tornadas disponíveis à pesquisa podem também conter a prova da opinio iuris, de uma convicção formada por uma multiplicidade de Estados.

Estatuto de Roma: podemos ver uma prova de que a imprescritibilidade dos crimes internacionais é uma norma costumeira em fase de desenvolvimento. Os Estados se manifestaram convencidos de que aquela norma era válida há bastante tempo já.
 

Costume versus Tratado

O que vale mais? Uma norma costumeira internacional ou um tratado? Num conflito entre um costume e uma norma de tratado, qual tem preponderância? Existe doutrina que faz uma lista de quatro fontes de Direito: tratados, contratos, costumes e leis, pondo o costume no topo, prevalencendo sobre os tratados, e limitariam a vontade dos Estados de celebrá-los. Essa doutrina é considerada ultrapassada e contaminada por uma ideologia “primeiro-mundista” na medida em que a prevalência dos costumes sobre os tratados é a prevalência da vontade dos Estados mais antigos sobre a vontade dos Estados mais recentes. Exemplo: processo de descolonização. É claro que os costumes vão ser próprios do Estado colonial, que é o mais antigo. Ao passo que as normas internacionais consentidas pelos Estados novos tenderão a ser normas escritas. Então há sérias críticas a essa correspondência entre costumes, leis, contratos e tratados, gerando primado do costume sobre o tratado.

A doutrina contemporânea entende que há uma relação de paridade hierárquica entre o costume e o tratado. Ambos teriam a mesma estrutura hierárquica e ambos teriam o mesmo valor derrogatório, o costume derrogar o tratado e vice-versa. Daí se dizer que “tal tratado caiu em desuso”: quando a norma de tratado colide com um costume internacional.

Então não há prevalência de tratados sobre normas costumeiras e vice-versa.

O costume, como já vimos, é de difícil determinação. É difícil identificar o termo inicial de vigência, e o conteúdo também não é fácil de ser definido. Depois da segunda guerra mundial houve um grande movimento de codificação do Direito Internacional, no intuito de clarear tudo. Entendeu-se que, sendo a medida positiva, deixar-se-iam as normas costumeiras mais evidentes e de mais fácil determinação de seu termo inicial de vigência. O que se percebeu foi que esse empreendimento nem sempre é tão fácil. Nem sempre a norma escrita ganha em força jurídica. A norma, quando codificada, tende a criar resistências. Os Estados tendem não adotá-la, a não ratificá-la, ou também a, quando ratificam, opor reservas, então não necessariamente ela ganha obrigatoriedade quando ela é codificada. Exemplo disso é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Quanto tempo foi preciso para se chegar a conclusões? Dezenove anos de trabalhos preparatórios! Eram normas de natureza costumeira, aceitas por um grande número de Estados, que, no entanto levaram tanto tempo em discussão. Imagine as normas de Direito ius cogens. Vimos que elas, quanto mais fundamentais, mais óbvias, mais óbvio o seu caráter e natureza obrigatória. Exemplo: princípio da proibição da tortura. Os Estados evitaram determinar quais seriam as normas de Direito ius cogens. Quanto tempo os Estados precisaram? O Brasil, por exemplo, precisou de 40 anos. Somente em 1992 que o então Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer enviou o tratado à aprovação do Congresso Nacional. E mais 17 anos para ser aprovado.

O costume tem um grau de adesão seguramente maior, mas não necessariamente de observância. Os tratados têm grande “taxa de respeitabilidade” porque foram os próprios Estados que consentiram.
 

Fundamento de validade da norma costumeira

Aqui surge uma discussão entre doutrinadores voluntaristas e objetivistas. Para os voluntaristas, mesmo as normas costumeiras são produto do assentimento dos Estados, enquanto os objetivistas entendem que a obrigatoriedade do costume é uma norma superior à vontade dos Estados, e independeria de seu assentimento. Mais uma vez é a discussão sobre uma ideologia primeiro-mundista. Afinal os costumes são próprios dos Estados mais antigos, dos preexistentes, e dizer que eles prevalecem sobre os Estados, e que obrigam os Estados independente de seu consentimento seria virtualmente dizer que as normas dos Estados preexistentes prevalecem sobre as normas dos mais recentes. Os voluntaristas entendem que o costume é fruto do consentimento dos Estados. Quando um Estado se forma, segundo os autores objetivistas, numa visão simpatizada pelos britânicos e norte-americanos, ele continua obrigado pelos costumes anteriores. Os voluntaristas dizem que eles só continuam obrigados se assim desejarem. O que ocorre é que é preciso expressar a rejeição, o repúdio, mas muitas vezes os Estados não o expressam, e aceitam os costumes internacionais silenciosamente. O princípio da tabula rasa também vale para os costumes.

Então, o fundamento de validade da norma costumeira é o consentimento dos Estados, simples.

Para a Corte Internacional de Justiça, nenhuma norma se forma sem o consentimento dos Estados, seja ele expresso em tratados ou tácito.
 

Princípios gerais de Direito

O art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça indica também como fonte de Direito Internacional os princípios gerais do Direito. Os aceitos pelas nações civilizadas. São consideradas civilizadas as nações que têm um Estado de Direito, uma ordem jurídica. Os princípios gerais reproduzem-se nas ordens jurídicas internas dos Estados, orientando-as, e também no plano internacional. São concebidos e nascem no plano interno dos Estados, que são transferidos ao plano jurídico internacional. Existem também princípios gerais do Direito que nascem e já regulam as relações entre os Estados. Princípios comuns às ordens internas e internacionais: lex posterior derogat priori, pacta sunt servanda, princípio dos direitos adquiridos, e princípio da coisa julgada. São princípios que nascem no plano interno dos Estados e se projetam em seguida às relações entre os Estados.

Outro princípio é o da continuidade dos Estados: lembram-se? O princípio segundo o qual os Estados nunca se extinguem porque têm dupla existência material: uma dimensão humana e uma territorial, ainda que mudem as ordens jurídica e política. Esse é um princípio geral de Direito Internacional. Outro é o princípio da solução pacífica dos litígios, o princípio da igualdade entre os Estados, da não-ingerência nos assuntos internos, e do esgotamento dos recursos internos para a representação internacional (é preciso que se esgotem os recursos internos para se pedir endosso sobre proteção diplomática.) E há também o princípio da proibição da propaganda de guerra.

Não termina aqui o rol das fontes dadas pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça. O Estatuto, no art. 38, também menciona a doutrina dos principais publicistas e a jurisprudência internacional. Não como fonte, mas como meio auxiliar de interpretação. E a equidade, como método de compensação do direito, assim como a analogia. Vamos falar delas depois que esgotarmos as fontes.

Há fontes que não estão no artigo. Os princípios óbvios como o que preve que "ninguém pode transferir mais direitos que possui" (nemo plus juris transferre potest quam ipse habet), o consentimento perceptivo, ao contrário do consentimento criativo. Decorre também da ética. Por exemplo: quando dizemos pacta sunt servanda, isso decorre de uma consciência ética. O que foi pactuado deve ser cumprido.

Então o fundamento também é o consentimento, ainda que em sua forma mais sutil como o consentimento perceptivo.
 

Atos unilaterais dos Estados

São fontes de Direito Internacional. São atos que produzem efeitos jurídicos, assim como a ratificação, a denúncia dos tratados, que são atos unilaterais, de um único Estado. Há o exemplo da declaração de Ihlen de 1933: Noruega vs. Dinamarca. Sobre o estatuto político da Groenlândia Oriental. O embaixador da Noruega prometeu à Dinamarca que não criaria problemas em relação à adoção do estatuto jurídico da Groenlândia Oriental. Foi um ato jurídico, transmitido via oral, que produziu efeitos na medida em que a Dinamarca aceitou como promessa, e que foi registrado. Foi um ato unilateral. Não foi tratado, mas produziu efeitos jurídicos. Nessa situação a CIJ entendeu que a Noruega havia se obrigado perante a Dinamarca.

Por isso parte da doutrina jurídica internacional entende que os atos unilaterais são fontes de Direito Internacional. Houve um decreto do início do século XX que permitia a navegação de embarcações de todas as bandeiras pelo Rio Amazonas. É um ato produzido por uma única soberania, e produz efeitos jurídicos sobre a comunidade internacional, sobre vários Estados, já que eles poderão navegar justificando seu direito num ato unilateral do Estado que é esse decreto. É um ato normativo do Estado.

Decisões das organizações internacionais

Também há controvérsia: parte da doutrina entende que as resoluções e decisões são obrigatórias, gera obrigações aos Estados, mas, ao cumprirem essas decisões, estão, na verdade, obedecendo ao tratado constitutivo da organização, e não a uma ordem posterior dela emanada. As decisões das organizações internacionais produzem efeitos jurídicos sobre os Estados, mas eles estão obedecendo justamente o ato constitutivo.

A outra corrente diz que não, que o tratado constitutivo é um acordo formal concluído entre pessoas jurídicas. A decisão da organização internacional é um ato jurídico unilateral da própria pessoa jurídica de Direito Internacional que é a própria organização. Os Estados, claro, compõem, a organização por força do tratado institucional. Essas são as razões pelas quais a doutrina não fala sobre os atos unilaterais dos Estados e os atos unilaterais das organizações internacionais como fonte de Direito Internacional.
 

Métodos de interpretação do Direito Internacional

O próprio art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça menciona a doutrina, a jurisprudência e a equidade como métodos de interpretação do Direito, como métodos de compensação, de equilíbrio. Então vejamos: doutrina dos principais publicistas ao redor das diferentes nações: trabalhos doutrinários produzidos pelos Estados. São uma forma auxiliar a compreensão. Então sempre que a norma for de difícil interpretação e comportar contradições, recorre-se à doutrina como forma de entendimento de determinada norma. Não é fonte de Direito Internacional, mas ferramenta de auxilio. O mesmo para a jurisprudência.

Mas há controvérsias, claro. Há autores que se referem à jurisprudência como fonte, mas a professora não concorda, seguindo posicionamento de Francisco Rezek, pois a jurisprudência não tem o caráter de abstração e generalidade. Ela é criada para regular um caso concreto. Jurisprudência não gera efeitos vinculantes sobre o conjunto dos Estados.

Pode-se também usar a analogia, quando não existe um regramento jurídico para dada situação concreta. Não pode ser usada, no plano interno, em malefício de um acusado. No plano internacional a analogia também encontra limitações: sempre que ela resultar na submissão do Estado a uma jurisdição internacional, ela não é aplicada. Ela também é um método de equilíbrio, de compensação.

O Estatuto ainda menciona a equidade. O juiz pode decidir ex aequo et bono: “conforme o justo e o bom”. Quando não houver previsão jurídica para determinada situação, ou quando a norma que for aplicada em determinado contexto resultar em injustiça, as partes podem autorizar o juiz a decidir ex aequo et bono: ele pode recorrer a outros princípios de direito com o objetivo de corrigir e completar o sentido da norma naquele caso concreto. Também pelo ex aequo et bono ele poderá afastar a incidência de uma norma, apesar de haver controvérsia.

A convenção de Montego Bay convida o juiz a decidir aplicando princípios equitativos. Significa que a previsão da equidade, portanto, pode vir no texto dos tratados. A Corte Internacional de Justiça, na verdade, nunca a aplicou. Ela precisa da autorização das partes e os Estados relutam em permitir que o juiz complete o significado das normas.

Note o caso da perda do território da então Guiana Inglesa, que hoje é um Estado soberano. É difícil para o Estado autorizar o juiz a decidir conforme o justo e acabar sucumbindo. Muito embora a equidade nunca tenha sido aplicada pela Corte.

A equidade, portanto, é um método de compensação do direito. Aplica-se a equidade quando a norma for insuficiente e quando a aplicação da norma for injusta.

Caso Haya De La Torre: a Corte quase aplicou a equidade. Ele era um insurgente peruano, militar, líder político que um dia foi perseguido e se refugiou na embaixada da Colômbia. Lá se refugiando, a Colômbia percebeu que a perseguição era atual e política e concedeu o asilo político. Quando pediram o salvo conduto para que Haya deixasse o território peruano, os Peruanos negaram a legitimidade da Colômbia de proceder à análise dos pressupostos de concessão do asilo diplomático unilateralmente. A CIJ, analisando a Convenção de Havana, percebeu que nada se falava sobre a qualificação unilateral. Era uma regra puramente costumeira que não foi tratada na convenção. Então, a própria Corte Internacional de Justiça fez a qualificação. Ela entendeu que a perseguição era mesmo desenganadamente política. Esse era o principal requisito do asilo diplomático. Mas entendeu também que a perseguição não era atual, mesmo que a embaixada estivesse cercada a partir do momento em que Haya lá entrou. A Convenção de Havana é analisada pela Corte, que percebe que havia uma previsão de entrega do indivíduo caso ele fosse um criminoso comum. Mas não havia uma previsão, uma conseqüência jurídica para a ausência do segundo pressuposto, que era a perseguição atual. Então a Corte tenta usar a analogia, que é aplicação de uma norma a uma situação semelhante. Poderia empregar a previsão jurídica da entrega, que é prevista pela ausência de um dos requisitos. Na ausência do outro, a solução seria a mesma. Mas a Corte entendeu que não poderia aplicar a analogia em detrimento da liberdade humana.

Restava então aplicar a equidade. Fazendo isso, ela entenderia que, embora não estivessem presentes os dois requisitos, um deles, talvez o mais importante, que é a natureza política da perseguição, estava presente. Preencheria a norma entendendo que, mesmo na falta daquele segundo requisito, presente o principal, a autoridade local seria obrigada a expedir o salvo conduto para que o postulante deixasse o território. Seria uma solução conforme o justo e o bom, corrigindo a insuficiência da norma.

Mas não havia a autorização das partes para aplicar a equidade. A CIJ disse, no final das contas, que o instituto do asilo estava imperfeito, e faltou um dos requisitos, então o asilo político não poderia se consumar, mas também entendeu que a autoridade asilante não era obrigada a entregar o postulante de asilo porque não se tratava de um criminoso comum. Foi o que a corte conseguiu decidir, de acordo com as limitações, e então Haya ficou três anos lá, até que só depois desse tempo ele obteve o salvo conduto para deixar o Peru.