Direito Internacional Público

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Direito Internacional: idéias introdutórias 

Não deixem de trazer, todos os dias, os esquemas que a professora colocará no espaço aluno antes de cada aula.

Tópicos:

  1. Fundamento do Direito Internacional
  2. Tipos de consentimento
  3. Princípios do Direito Internacional
  4. Sanção em Direito Internacional
  5. Distinção entre Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

A ordem jurídica internacional é uma ordem jurídica descentralizada. O que significa isso? Que não existe uma autoridade central. Essa autoridade seria aquilo que assegura o cumprimento das obrigações internacionais. Em Direito Internacional isso não existe. Também não existe um Poder Legislativo que concentre a produção normativa. E por fim não existe, em Direito Internacional, uma hierarquia entre as normas internacionais; os tratados todos têm o mesmo valor. Assim como os costumes e princípios gerais do direito. Existem jurisdições internacionais, mas funcionam de uma forma diferente das jurisdições internas. No plano interno, todos estamos sujeitos indiscriminadamente à jurisdição do Estado. No plano internacional não é assim. Para que o Estado se submeta à jurisdição internacional é preciso que ele tenha concordado, aceito previamente essa jurisdição, seja ela judiciária ou arbitral. Do contrário, essa jurisdição internacional não será obrigatória, e o descumprimento não implica num ilícito. Por quê? Porque o Estado não teria consentido previamente a se submeter, então não assumiu a responsabilidade.

Fundamento do Direito Internacional

Então os Estados se submetem posteriormente ao consentimento. Eles são autores e destinatários do Direito Internacional. Eles só se submetem ao Direito o qual tenham produzido e que tenham concordado. Daí se dizer que o fundamento do Direito Internacional Público é o consentimento dos Estados. No plano interno existe uma polícia que fiscaliza o cumprimento das obrigações, mas não para as obrigações internacionais. Os Estados fiscalizam uns aos outros.

O consentimento pode ser expresso, se escrito, ou tácito, que decorre de uma prática silenciosa de uma determinada norma. Exemplo: os costumes internacionais, que decorrem de uma prática silenciosa. No caso dos costumes, não se sabe quando começaram a existir; já os tratados sabemos. Tanto é assim que, quando um Estado se torna independente de outros, como Angola em relação a Portugal, para que o novo emancipado faça parte dos tratados dos quais o colonizador fazia, o novo Estado independente tem que manifestar expressamente sua vontade de continuar se submetendo àquela obrigação internacional. No caso dos costumes, basta que não se repudiem: o repúdio, se não vier, importará concordância.
 

Tipos de consentimento

O consentimento pode ser criativo ou perceptivo. O criativo decorre de uma criação, em que os Estados deliberam e uma forma ou de outra. Por exemplo: a convenção de Montego Bay, na Jamaica sobre o Direito do Mar. É um Direito puramente costumeiro. Quando Equador, Peru e Chile decretaram a regra das 200 milhas, tudo foi aceito. Até que em 1982 os Estados se reuniram na Jamaica e decidiram que o mar territorial se estenderia em 12 milhas marítimas.

Consentimento perceptivo: não varia, flui da lógica humana. Por exemplo: pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos) é um princípio geral do Direito que se tornou regra. Essa norma poderia ter se formado de outra forma? Teria como existir a negativa? Isso não flui no raciocínio humano mais elementar. Quando dizemos nemo plus juris transferre potest quam ipse habet (ninguém pode transferir mais direitos que possui), também haveria como imaginar uma gênese diferente para essa regra, ou adotar sua negação (pelo menos um sujeito poderá transferir mais direitos que possui)? Em outras palavras, se temos três balas 7 Belo, não podemos distribuir seis. É até elementar, básico, lógico. Esse princípio poderia ser manipulado, de uma ou outra forma? É impossível. Decorre, pois, da pura lógica humana. É um consentimento perceptivo.

Ainda sobre os consentimentos: se digo que ninguém pode ser discriminado em função da cor, do sexo, da idade, das preferências políticas e religiosas, ninguém, hoje em dia no Brasil, achará isso estranho. Todos nascemos sob a luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Isso, para nós, parece muito claro. Já ouvimos falar do apartheid, e aquilo existia num lugar do mundo, e era um fenômeno contemporâneo a pessoas da geração anterior a nossa e até para pessoas mais novas. Para nós, hoje, isso é passado. O mesmo para a escravidão. Achamos que isso é óbvio. Isso decorre de um consentimento perceptivo ou criativo? Infelizmente é criativo, porque uma regra como essa não flui naturalmente.
 

Princípios do Direito Internacional

 

Sanção em Direito Internacional

Havia um discurso de que Direito Internacional não existe, pois não existe sanção propriamente dita, ou ela é insuficiente. Essa suposta inexistência de sanção é um obstáculo ao desenvolvimento do Direito Internacional? O que acontece com os Estados que descumprem os tratados que eles próprios se obrigaram a se submeter? Ou os Estados mais fortes gozam sempre de imunidade? Muito bem. Em primeiro lugar, é verdade que o Direito Internacional é diferente mesmo. Quando um tratado é celebrado, ele não prevê o descumprimento de seu conteúdo, não prevê sanções. Entretanto, dizer que sanção não existe é ir longe demais. Existe, sim, um sistema de sanção-repressão que é desempenhado pelas Nações Unidas, embora seja verdade que esse sistema opere bem menos do que o sistema de sanção-repressão das ordens jurídicas internas. É verdade que existem Estados mais poderosos que outros. Mas essa relação de forças também não existe no plano interno? Em todas as relações sociais? Vamos ver a manifestação dessa relação de forças: vocês conhecem alguma delegacia do homem? Não mesmo. Existem, no entanto, delegacias da mulher. O Direito vem para traduzir a relação de forças. Criança em relação ao adulto, mulher em relação ao homem, idosos em relação aos jovens. Isso é mais intenso no plano internacional. O Direito Internacional funciona em bases distintas. Os Estados não gostam de ser vistos como infratores, descumpridores, que agem de má-fé. Eles tendem a cumprir suas obrigações internacionais. Existe a condenação pública por parte de seus pares. Exemplo que deixa isso claro: arbitragem. Ela existe há muito tempo e uma decisão arbitral, que vamos ver no futuro, é obrigatória, porém não executória. Não confundam, pois algo que não é executório pode dar a impressão de que não é obrigatório. Os Estados têm que cumprir de boa-fé. E adianta muito, pois o índice de descumprimento das decisões arbitrais é quase inexistente. Significa dizer que as decisões arbitrais gozam de muita eficácia, o que lhes imprime esse caráter de obrigatoriedade.

Para Hans Kelsen, uma norma só é jurídica quando é acompanhada de uma sanção. Mas o Direito Internacional é diferente pois não há uma previsão de sanção para cada conduta faltosa. Mas existe sim um sistema de sanção. Então as normas internacionais, a julgar por esse critério que desenhamos, são normas jurídicas sim. A sanção é eficaz? Vamos ver. A norma jurídica é respeitada só em razão da sanção? As decisões da Corte de Justiça Internacional são executórias, mas o artigo do tratado que prevê o procedimento em caso de descumprimento nunca foi empregado. Em geral não é aplicado porque os Estados cumprem as decisões. O Direito, agora pensado em sentido amplo, só é respeitado porque existe uma sanção? Vejam bem: o descumprimento não é um privilégio da ordem jurídica internacional; até mesmo uma lei federal brasileira (Lei 9503, o Código de Trânsito Brasileiro) que traz a norma da faixa de pedestres, que tem muita eficácia aqui em Brasília, é eventualmente desrespeitada. Na quase totalidade das vezes, contudo, não há pardal na faixa nem guarda de trânsito por perto, o que significa que o motorista poderia sair impune. Ainda assim as pessoas param! Por outro lado, imaginemos uma situação dramática: um motorista atropela alguém numa via deserta, durante a noite, e absolutamente ninguém presencia. No lugar do motorista, vocês prestariam socorro à vítima? Não se esqueçam que o motorista, nessa situação hipotética, pode se considerar livre da acusação de omissão de socorro pois não houve testemunhas a não ser o próprio desafortunado. Mas podemos dizer, com um confortável grau de certeza, que pelo menos 90% dos que lêem esta página prestariam.

Quantos não avançam o sinal sem pardal? Enfim, na verdade, tudo isso é por causa da consciência da obrigatoriedade da norma, muito pouco por causa da sanção. Claro que qualquer sistema é imperfeito, mas funciona.
 

Distinção entre Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

O que é mesmo o Direito Internacional público? O conjunto de normas que regem as relações entre Estados soberanos. E o Direito Internacional Privado? Este tem objetos de estudo distintos daquele. A produção normativa não é destinada a regular relações entre Estados, mas as relações entre particulares que tenham algum elemento de transnacionalidade capaz de gerar um conflito de leis. Por exemplo: uma pessoa vive na França e tem bens no Brasil, e seus herdeiros vivem França. Como se dará, como acontecerá, sob que lei se dará a sucessão dessa pessoa que vive em outro Estado? Cada um tem seu próprio Direito Privado. Por exemplo: o Direito Internacional Privado está na nossa Lei de Introdução ao Código Civil. Veja o art. 10:

        Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

        § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.

        § 2o  A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

O morto vivia na França, mas tinha bens aqui no Brasil. O inventário foi aberto aqui, porque aqui estão os bens dele. Os herdeiros então pretendem que a sucessão se dê conforme o Direito Francês. O juiz brasileiro, quando procurado, se vê diante dessa causa com elemento de transnacionalidade. Onde ele acha a solução? Direito Internacional Privado. Ele abre a Lei de Introdução ao Código Civil e vê a norma do art. 10. Ele verá que, na verdade, se o falecido vivia na França, os bens que estivessem aqui tem que ser transmitidos de acordo com as normas de sucessão francesas. Ele não pode enviar o processo para a França. Isso geraria um jogo-do-empurra pois cada juiz poderia, quando recebesse os autos, declarar-se incompetente. Não se envia o processo, portanto. O juiz brasileiro tem que resolver o caso. Então ele aplica diretamente o Direito Material Francês. As partes providenciam a tradução juramentada do Código Civil Francês. As partes arcam com as despesas de envio e tradução. Veja o § 1º. Se se verifica que a lei brasileira é mais favorável aos herdeiros, esta será aplicada em detrimento da francesa.

Então, o Direito Internacional Privado também serve para solucionar conflitos de lei entre Estados.

Os autores falam em impropriedade do termo, porque o Direito Internacional Privado usa regras processuais (normas de ordem pública), e também porque não é exatamente internacional, já que cada Estado tem seu próprio Direito Internacional Privado. E também não poderia ser nem direito, porque não há doutrina nem livro, é simplesmente uma metodologia de solução de conflitos. Mas isso mudou, hoje em dia. Os Estados tendem a buscar regras comuns de Direito Internacional Privado e continuam tendo o seu próprio Direito, mas com a busca da harmonização entre Direitos. Mas por muito tempo se considerou que o Direito Internacional Privado era, na verdade, interno.


Aula que vem: relação entre Direito Interno e Direito Internacional.