Não deixem de trazer, todos os dias, os esquemas que a professora colocará no espaço aluno antes de cada aula.
Tópicos:
A ordem jurídica internacional é uma
ordem jurídica
descentralizada. O que significa isso? Que não existe uma autoridade
central. Essa
autoridade seria aquilo que assegura o cumprimento das obrigações
internacionais. Em Direito Internacional isso não existe. Também não
existe um Poder
Legislativo que concentre a produção normativa. E por fim não existe,
em Direito
Internacional, uma hierarquia entre as normas internacionais; os
tratados todos
têm o mesmo valor. Assim como os costumes e princípios gerais do
direito.
Existem jurisdições internacionais, mas funcionam de uma forma
diferente das
jurisdições internas. No plano interno, todos estamos sujeitos
indiscriminadamente à jurisdição do Estado. No plano internacional não
é assim.
Para que o Estado se submeta à jurisdição internacional é preciso que
ele tenha
concordado, aceito previamente essa jurisdição, seja ela judiciária ou
arbitral. Do contrário, essa jurisdição internacional não será
obrigatória, e o
descumprimento não implica num ilícito. Por quê? Porque o Estado não
teria
consentido previamente a se submeter, então não assumiu a
responsabilidade.
Fundamento do Direito Internacional
Então os Estados se submetem posteriormente ao consentimento. Eles são autores e destinatários do Direito Internacional. Eles só se submetem ao Direito o qual tenham produzido e que tenham concordado. Daí se dizer que o fundamento do Direito Internacional Público é o consentimento dos Estados. No plano interno existe uma polícia que fiscaliza o cumprimento das obrigações, mas não para as obrigações internacionais. Os Estados fiscalizam uns aos outros.
O consentimento pode ser expresso, se
escrito, ou tácito,
que decorre de uma prática silenciosa de uma determinada norma.
Exemplo: os
costumes internacionais, que decorrem de uma prática silenciosa. No
caso dos
costumes, não se sabe quando começaram a existir; já os tratados
sabemos. Tanto
é assim que, quando um Estado se torna independente de outros, como
Angola em
relação a Portugal, para que o novo emancipado faça parte dos tratados
dos quais o
colonizador fazia, o novo Estado independente tem que manifestar
expressamente
sua vontade de continuar se submetendo àquela obrigação internacional.
No caso
dos costumes, basta que não se repudiem: o repúdio, se não vier,
importará concordância.
O consentimento pode ser criativo ou perceptivo. O criativo decorre de uma criação, em que os Estados deliberam e uma forma ou de outra. Por exemplo: a convenção de Montego Bay, na Jamaica sobre o Direito do Mar. É um Direito puramente costumeiro. Quando Equador, Peru e Chile decretaram a regra das 200 milhas, tudo foi aceito. Até que em 1982 os Estados se reuniram na Jamaica e decidiram que o mar territorial se estenderia em 12 milhas marítimas.
Consentimento perceptivo: não varia, flui da lógica humana. Por exemplo: pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos) é um princípio geral do Direito que se tornou regra. Essa norma poderia ter se formado de outra forma? Teria como existir a negativa? Isso não flui no raciocínio humano mais elementar. Quando dizemos nemo plus juris transferre potest quam ipse habet (ninguém pode transferir mais direitos que possui), também haveria como imaginar uma gênese diferente para essa regra, ou adotar sua negação (pelo menos um sujeito poderá transferir mais direitos que possui)? Em outras palavras, se temos três balas 7 Belo, não podemos distribuir seis. É até elementar, básico, lógico. Esse princípio poderia ser manipulado, de uma ou outra forma? É impossível. Decorre, pois, da pura lógica humana. É um consentimento perceptivo.
Ainda sobre os consentimentos: se
digo que ninguém pode ser
discriminado em função da cor, do sexo, da idade, das preferências
políticas e
religiosas, ninguém, hoje em dia no Brasil, achará isso estranho. Todos
nascemos
sob a luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Isso,
para nós,
parece muito claro. Já ouvimos falar do apartheid,
e aquilo existia num lugar do mundo, e era um fenômeno contemporâneo a
pessoas
da geração anterior a nossa e até para pessoas mais novas. Para nós,
hoje, isso
é passado. O mesmo para a escravidão. Achamos que isso é óbvio. Isso
decorre de
um consentimento perceptivo ou criativo? Infelizmente é criativo,
porque uma
regra como essa não flui naturalmente.
Princípios
do Direito
Internacional
Sanção em
Direito
Internacional
Havia um discurso de que Direito Internacional não existe, pois não existe sanção propriamente dita, ou ela é insuficiente. Essa suposta inexistência de sanção é um obstáculo ao desenvolvimento do Direito Internacional? O que acontece com os Estados que descumprem os tratados que eles próprios se obrigaram a se submeter? Ou os Estados mais fortes gozam sempre de imunidade? Muito bem. Em primeiro lugar, é verdade que o Direito Internacional é diferente mesmo. Quando um tratado é celebrado, ele não prevê o descumprimento de seu conteúdo, não prevê sanções. Entretanto, dizer que sanção não existe é ir longe demais. Existe, sim, um sistema de sanção-repressão que é desempenhado pelas Nações Unidas, embora seja verdade que esse sistema opere bem menos do que o sistema de sanção-repressão das ordens jurídicas internas. É verdade que existem Estados mais poderosos que outros. Mas essa relação de forças também não existe no plano interno? Em todas as relações sociais? Vamos ver a manifestação dessa relação de forças: vocês conhecem alguma delegacia do homem? Não mesmo. Existem, no entanto, delegacias da mulher. O Direito vem para traduzir a relação de forças. Criança em relação ao adulto, mulher em relação ao homem, idosos em relação aos jovens. Isso é mais intenso no plano internacional. O Direito Internacional funciona em bases distintas. Os Estados não gostam de ser vistos como infratores, descumpridores, que agem de má-fé. Eles tendem a cumprir suas obrigações internacionais. Existe a condenação pública por parte de seus pares. Exemplo que deixa isso claro: arbitragem. Ela existe há muito tempo e uma decisão arbitral, que vamos ver no futuro, é obrigatória, porém não executória. Não confundam, pois algo que não é executório pode dar a impressão de que não é obrigatório. Os Estados têm que cumprir de boa-fé. E adianta muito, pois o índice de descumprimento das decisões arbitrais é quase inexistente. Significa dizer que as decisões arbitrais gozam de muita eficácia, o que lhes imprime esse caráter de obrigatoriedade.
Para Hans Kelsen, uma norma só é jurídica quando é acompanhada de uma sanção. Mas o Direito Internacional é diferente pois não há uma previsão de sanção para cada conduta faltosa. Mas existe sim um sistema de sanção. Então as normas internacionais, a julgar por esse critério que desenhamos, são normas jurídicas sim. A sanção é eficaz? Vamos ver. A norma jurídica é respeitada só em razão da sanção? As decisões da Corte de Justiça Internacional são executórias, mas o artigo do tratado que prevê o procedimento em caso de descumprimento nunca foi empregado. Em geral não é aplicado porque os Estados cumprem as decisões. O Direito, agora pensado em sentido amplo, só é respeitado porque existe uma sanção? Vejam bem: o descumprimento não é um privilégio da ordem jurídica internacional; até mesmo uma lei federal brasileira (Lei 9503, o Código de Trânsito Brasileiro) que traz a norma da faixa de pedestres, que tem muita eficácia aqui em Brasília, é eventualmente desrespeitada. Na quase totalidade das vezes, contudo, não há pardal na faixa nem guarda de trânsito por perto, o que significa que o motorista poderia sair impune. Ainda assim as pessoas param! Por outro lado, imaginemos uma situação dramática: um motorista atropela alguém numa via deserta, durante a noite, e absolutamente ninguém presencia. No lugar do motorista, vocês prestariam socorro à vítima? Não se esqueçam que o motorista, nessa situação hipotética, pode se considerar livre da acusação de omissão de socorro pois não houve testemunhas a não ser o próprio desafortunado. Mas podemos dizer, com um confortável grau de certeza, que pelo menos 90% dos que lêem esta página prestariam.
Quantos não avançam o sinal sem
pardal? Enfim, na verdade,
tudo isso é por causa da consciência da
obrigatoriedade da norma, muito pouco por causa da sanção.
Claro que
qualquer sistema é imperfeito, mas funciona.
Distinção
entre Direito
Internacional Público e Direito Internacional Privado
O que é mesmo o Direito Internacional público? O conjunto de normas que regem as relações entre Estados soberanos. E o Direito Internacional Privado? Este tem objetos de estudo distintos daquele. A produção normativa não é destinada a regular relações entre Estados, mas as relações entre particulares que tenham algum elemento de transnacionalidade capaz de gerar um conflito de leis. Por exemplo: uma pessoa vive na França e tem bens no Brasil, e seus herdeiros vivem França. Como se dará, como acontecerá, sob que lei se dará a sucessão dessa pessoa que vive em outro Estado? Cada um tem seu próprio Direito Privado. Por exemplo: o Direito Internacional Privado está na nossa Lei de Introdução ao Código Civil. Veja o art. 10:
Art. 10. A
sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e
a situação dos bens. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. § 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. |
O morto vivia na França, mas tinha bens aqui no Brasil. O inventário foi aberto aqui, porque aqui estão os bens dele. Os herdeiros então pretendem que a sucessão se dê conforme o Direito Francês. O juiz brasileiro, quando procurado, se vê diante dessa causa com elemento de transnacionalidade. Onde ele acha a solução? Direito Internacional Privado. Ele abre a Lei de Introdução ao Código Civil e vê a norma do art. 10. Ele verá que, na verdade, se o falecido vivia na França, os bens que estivessem aqui tem que ser transmitidos de acordo com as normas de sucessão francesas. Ele não pode enviar o processo para a França. Isso geraria um jogo-do-empurra pois cada juiz poderia, quando recebesse os autos, declarar-se incompetente. Não se envia o processo, portanto. O juiz brasileiro tem que resolver o caso. Então ele aplica diretamente o Direito Material Francês. As partes providenciam a tradução juramentada do Código Civil Francês. As partes arcam com as despesas de envio e tradução. Veja o § 1º. Se se verifica que a lei brasileira é mais favorável aos herdeiros, esta será aplicada em detrimento da francesa.
Então, o Direito Internacional Privado também serve para solucionar conflitos de lei entre Estados.
Os autores falam em impropriedade do
termo, porque o Direito
Internacional Privado usa regras processuais (normas de ordem pública),
e
também porque não é exatamente internacional, já que cada Estado tem
seu
próprio Direito Internacional Privado. E também não poderia ser nem
direito,
porque não há doutrina nem livro, é simplesmente uma metodologia de
solução de
conflitos. Mas isso mudou, hoje em dia. Os Estados tendem a buscar
regras
comuns de Direito Internacional Privado e continuam tendo o seu próprio
Direito,
mas com a busca da harmonização entre Direitos. Mas por muito tempo se
considerou que o Direito Internacional Privado era, na verdade, interno.