Direito Internacional Público

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Domínio Público Internacional


Tópicos:

  1. Introdução
  2. Tratado da Antártica de 1959
  3. Direito do Mar
  4. Navios
  5. O mar
  6. Zona contigua
  7. Zona econômica exclusiva
  8. Plataforma continental
  9. Fundos marinhos

Introdução

Vamos falar da Antártica hoje. Vamos usar o termo “Antártica” em vez de “Antártida”, por dois motivos: aparentemente o termo Antártida tem origem na língua espanhola, sendo Antártica o termo mais “aportuguesado”, e também para se opor ao “Ártico”, o outro pólo.

O domínio público internacional engloba regiões que, por serem de uso comum da comunidade internacional, recebem uma disciplina jurídica particular.

Podem ser também regiões que estão sob a soberania de um único Estado, mas que recebem a mesma disciplina. Exemplo: mar territorial.
Quanto à Antártica, Nenhum Estado exerce direito de soberania sobre ela. Então ela está em área de uso comum.

Em primeiro lugar, então, precisamos distinguir as duas áreas polares. Qual a diferença entre a Antártica o Ártico? A Antártica é um continente, terra coberta de gelo, ao passo que o ártico é uma grande bacia de água congelada. O meio físico dessas duas regiões polares é bastante distinto. Descobriu-se recentemente que há muito petróleo ali no Ártico. Não era explorável, mas a tecnologia está melhor agora. E também há o derretimento do gelo, facilitando ainda mais. Assim os Estados começam a se interessar em promover conferências internacionais para decidir disciplinas jurídicas para a região. A região era simplesmente puro gelo, e por essa razão não despertava interesse da comunidade internacional. O único interesse até então era como corredor marítimo e aéreo. Mas, como são águas de alto mar, o sobrevôo é livre, então não precisa de um tratado, uma disciplina jurídica particular.

Por isso não havia, até pouco tempo atrás, grande interesse sobre essa área. Ao contrário da Antártica.

A área do Ártico foi ocupada pelas soberanias de perto de acordo com a teoria dos setores. O que é? Ela justifica a ocupação de certas ilhas desocupadas (nullius) com base da teoria de uma projeção. É um triângulo que tem um vértice no pólo norte, e os pontos-base são as extremidades das costas, por exemplo, da Rússia. Daí se justificar o direito de soberania da Rússia sobre as ilhas ao norte do continente asiático. Vejam a figura abaixo para entender melhor:

Triângulo

Note que, dentro da área do “triângulo”, que está com um dos lados curvo por causa da distorção na representação do globo em planisfério, estão várias ilhas. Sobre elas a Rússia teria direito de soberania.

E sobre a Antártica? Seria possível fazer uma projeção triangular sobre ela? O próprio Brasil, se fosse aplicada a teoria dos setores, a área do continente antártico abrangida seria proporcional à área do território do Estado. A solução seria fatiar a Antártica entre os diversos Estados do planeta. Não foi possível, por essa razão, aplicar a teoria dos setores à Antártica.

Surgiram outras teorias que justificariam direitos de soberania por parte dos Estados, que são: teoria da descoberta, que é o primeiro a chegar o detentor da primazia do domínio, no caso, a Noruega com os vikings; outra é a teoria do ponto de apoio, que confere o direito de soberania a quem marca presença mais forte lá, no caso, Estados Unidos, com sua marinha. Mas os Estados Unidos nunca postularam direito de soberania sobre a Antártica. Outra teoria, bastante engraçada, é a teoria da contigüidade da massa geológica: defendida pelo Chile e Argentina, diz ela que, se o nível do mar baixasse um pouco, haveria contigüidade das terras. O que deixaram de considerar é que, dessa forma, todo o mundo estaria emendado à Antártica.
 

Tratado da Antártica de 1959

O que diz ele? Em primeiro lugar, que nenhum Estado renuncia ao direito de soberania que entenda que tenha sobre a Antártica. Os Estados entendem que a Antártica deve ser usada somente para fins pacíficos, para fins de pesquisa científica, sendo proibido qualquer tipo de manobra militar na região, qualquer exploração de recursos vivos e minerais. Então as partes se reúnem periodicamente, para trocar experiências sobre a pesquisa, sobre os diferentes interesses que tenham sobre o continente.

Todo Estado que manifestar interesse e enviar expedições científicas pode participar. O interessante é que o tratado da Antártica não disciplina a própria denúncia, por uma razão, acha a professora, muito simples: ele cria direitos, direitos de exploração científica, de pesquisa, de forma que os Estados não pretendam executar o tratado simplesmente abdiquem desses direitos.

Essa é a disciplina jurídica da Antártica.

Além disso temos a convenção de Canberra, de 1980, que disciplina a exploração dos recursos vivos nas adjacências, e o protocolo de Madri de 1991 que proíbe a exploração mineral por lá por um período de 50 anos. Depois disso as partes voltam a se reunir e, se houver concordância, liberarão a exploração.

Observação: não se pode falar em “soberania comum”.
 

Direito do Mar

O mar sempre foi a principal forma de comunicação entre os Estados, entre os colonos; o mar tem tantas utilidades, desde a exploração dos recursos minerais até a energia que se retira das águas, o trânsito... Então durante muito tempo o Direito do Mar foi um Direito de caráter costumeiro. Acreditava-se que, nesse tempo, o mar era uma grande “terra nullius”. Hoje, se fôssemos aplicar os conceitos de Direito Civil ao mar, ele talvez não fosse considerada uma terra nullius, mas uma res communis, um grande condomínio. Essas noções de Direito Civil estão, entretanto, obsoletas.

O mar é uma unidade. Mas, juridicamente, o mar é dividido em faixas, e cada uma delas tem um regime jurídico diferente.
 

Navios

Qual o conceito de navio? Está na Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar. Em 1958 começaram as primeiras codificações em Genebra. Foram quatro: uma sobre o mar territorial e a zona contígua, uma sobre o alto mar, uma sobre a conservação dos recursos vivos do alto mar, e uma sobre a plataforma continental. Na convenção de Montego Bay de 1982, grande parte das convenções foram absorvidas e disciplinadas. Muitos Estados não ratificaram a Convenção de Montego Bay, como os Estados Unidos. Para esses Estados, então, aplicam-se as regras das convenções de Genebra de 1958 e também o Direito Costumeiro.

Navio, então, é toda embarcação flutuante, dotada de certa capacidade de autopropulsão, e tem estatuto jurídico de acordo com sua finalidade. Podem ser mercantes ou de guerra. Estes pertencem às forças armadas de determinado Estado; dentro há disciplina militar, ostentam distintivos e insígnias, e gozam de imunidade de jurisdição, onde quer que estejam. Eles só estão sujeitos à jurisdição de seu próprio Estado de origem. Cada navio tem um registro perante determinada Estado. A Convenção de Montego Bay pede que os Estados evitem as chamadas matrículas de conveniência. O que é isso? São Estados que não têm nenhuma ligação com determinado relacionamento entre dois outros Estados e permitem que tais embarcações sejam registradas em seus portos. Não correspondem à verdadeira nacionalidade da embarcação. Exemplo: se o Estado A está em clima de tensão com o Estado B, tendo ambos, portanto, proibido o trânsito de embarcações um do outro em seu mar territorial, o Estado B entra em contato com o Estado C para e deixe seu navio ser registrado num porto deste último, obtendo o navio do Estado B matrícula do Estado C, e assim poder usar a bandeira de C e não ter problemas na passagem nos arredores de A. A “nacionalidade” dos navios é fixada de acordo com o seu porto de matrícula. Ele tem o direito de arvorar uma bandeira quando é registrada no porto de determinado Estado. Alguns Estados facilitam esses registros com o propósito simplesmente de criar uma espécie de evasão às normas internacionais relativas ao Direito do Mar. Então alguns Estados, que não são parte nos acordos, facilitam as matrículas de conveniência de forma que essas embarcações contornam normas que, de outra forma, seriam incontornáveis.

Navios mercantes: são os navios comerciais. Não gozam de imunidade de jurisdição. Mas existe uma praxe de não interferir no que acontece dentro da embarcação alheia a menos ela esteja perturbando a paz territorial. A imunidade de jurisdição é extensível a outros navios que pertençam ao Estado e que não tenham finalidade comercial. Um navio que tem finalidade comercial, ainda que pertença a um Estado, não tem imunidade de jurisdição. A imunidade é dada mais pela finalidade do que pela propriedade da embarcação.

Observação: nada tem a ver a nacionalidade do navio com a do indivíduo. No caso da embarcação, a nacionalidade é um vínculo de sujeição administrativa, uma metáfora. Associado ao Estado perante o qual tem registro, e pode ostentar a bandeira quando é registrado em seus portos matriculados. Não é o vínculo político-jurídico que liga o indivíduo ao Estado, obviamente.
 

O mar

O que são águas interiores? Pensamos logo em rios, lagos, cachoeiras... Nada disso é água interior. Na verdade, elas são águas do mar. Os rios e lagos têm disciplina jurídica à parte. Águas interiores são águas do mar que ficam aquém da linha de base do mar territorial. Vamos definir o que é linha de base do mar territorial.

Mapa

Imaginem que isso é uma praia com essas baías, suas entrâncias. O mar territorial é uma faixa adjacente à costa que, segundo a Convenção de Montego Bay, pode chegar a 12 milhas marítimas. Há uma linha de base e uma linha de bordo. A linha de base é traçada na praia, na maré baixa, de forma a contornar a costa, e deixando de fora as reentrâncias, as baías, desde que tenham menos de 24 milhas marítimas de largura e tenham recorte igual a um semicírculo ou mais fechado. A linha de base também contorna os deltas e portos.

As ilhas distantes da costa, não representadas na figura, devem ter seu próprio mar territorial e sua própria linha de base. As águas interiores estão aquém da linha de base do mar territorial. De acordo com o regime jurídico das águas interiores na Convenção de Montego Bay, de o Estado exerce sua soberania ilimitada nelas. Nenhuma embarcação pode ali entrar sem autorização do Estado costeiro.

E o mar territorial, que é essa faixa de mar adjacente à costa, de até 12 milhas marítimas? Qual sua disciplina jurídica? A soberania exclusiva do Estado costeiro com uma única exceção: o direito de passagem inocente. Os navios de outros Estados precisam passar por essa faixa. É uma passagem contínua, rápida, que é o só passar. A convenção traz uma lista de atividades que removem o caráter inocente da passagem: manobra militar, propaganda, colocação de redes para pesca, uso de instrumentos de pesquisa, etc.

Qual extensão o mar territorial deveria ter? O Direito Costumeiro fixava um mar territorial de até 12 milhas marítimas. E os Estados proclamavam de forma unilateral. No século XVIII, o mar territorial tinha a extensão de 3 milhas marítimas, já que também era esse o alcance da artilharia costeira.

Na década de 40, Chile e Equador fixaram unilateralmente seu mar territorial em 200 milhas marítimas. Isso passou a ser um novo costume internacional, tanto que até os países nórdicos passaram a adotar. Os Estados que dependam economicamente do mar terão o direito de exercer soberania limitada naquela região. Isso se chama zona econômica exclusiva, que veremos adiante.

A ilha de base pode ser jogada para frente sempre que houver portos ou ilhas próximas. As ilhas que pertencem ao Estado, que não estão dentro de seu mar territorial, mas por motivos históricos, como Fernando de Noronha, que está longe, e tem mar territorial próprio.
 

Zona contigua

É uma faixa de água adjacente ao mar territorial, que começa em sua linha de bordo, e que pode ter a mesma extensão dele. Então, se o mar territorial tem extensão de 6 milhas, a zona contígua será também de 6 milhas. Fica além do mar territorial.

Veja que os direitos de soberania vão reduzindo à medida que afasta-se da costa. A zona contígua existe com um propósito securitário. No que se refere à alfândega, imigração, saúde, e ainda à disciplina regulamentar dos portos e do trânsito pelas águas territoriais. ¹
 

Zona econômica exclusiva

Como dissemos, alguns Estados têm economia dependente dos recursos marítimos. Então a ZEE foi instituída pela Convenção de Montego Bay, dando aos Estados que tiverem todos esses recursos disponíveis a possibilidade de exercer certos direitos de soberania sobre uma faixa de um mar adjacente à costa que, somado ao mar territorial, forme 200 milhas marítimas. O máximo é de 200, então, se o mar territorial tem 12, a zona econômica exclusiva terá 188 milhas marítimas.

Aqui há uma intersecção entre a zona contígua e a zona econômica exclusiva. Vejam que, na figura, o rótulo transpassa as duas regiões. Tanto é que dizem: “por que manter a zona contígua”? Acredita-se que o instituto perdeu força. Mas a zona contígua justifica certos direitos de soberania, de controle sobre certas embarcações que, só com a zona econômica exclusiva, o Estado não teria. Quais os direitos dos Estados? É que certos Estados dependiam economicamente daquelas extensões do mar, e, para evitar o aproveitamento dos recursos marinhos excessivo é que proclamaram o mar territorial. Mas no mar territorial há soberania demais, onde só se pode passar inocentemente; nem o sobrevôo é permitido. Os Estados podem explorar, mas exercer direitos de soberania limitados à atividade de exploração econômica.

E quais os direitos dos outros Estados? Além de sobrevoar e navegar? Podem aproveitar o excedente que o Estado costeiro não consegue aproveitar. Esse excedente o Estado costeiro tem a obrigação de tornar disponível aos demais, sempre em bases acordadas. Quando houver excedente, sem conseguir explorar tudo, o Estado tem que facilitar a exploração pelos outros.

Todos esses direitos se estendem às águas, subsolo, leitos e ar.
 

Plataforma continental

É uma área a partir da costa que tem uma profundidade máxima estabelecida em 200 metros, que naturalmente se inclina progressivamente até o momento em que desaba nas profundezas maiores. Qual a extensão? Sobre ela podem estar águas do mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e vai até o limite natural. Apenas os direitos do Estado costeiro se limitam a 350 milhas marítimas. Se for além, o Estado não exerce mais os direitos de soberania sobre a plataforma continental. O limite ficto da plataforma continental é o mesmo da zona econômica exclusiva. Se a extensão com profundidade menor que 200 metros exceder o limite exterior da ZEE, a plataforma continental, de acordo com a Convenção de Montego Bay, se estenderá até 350 milhas da costa; se for ainda maior, o Estado não mais terá direitos sobre a região que exceder essa distância.

Qual o regime jurídico da plataforma continental? O Estado costeiro tem o direito exclusivo de exploração de seus recursos, sejam eles minerais, vivos ou o que for. Os Estados podem até dispor dessa área quando ela estiver fora do mar territorial. Os Estados podem colocar cabos, dutos submarinos, e os outros Estados não podem concorrer com o costeiro no aproveitamento dos recursos minerais.

Aconteceu em 1963 uma disputa entre França e Brasil. Naquele tempo o mar territorial era de 6 milhas. E boa parte da plataforma ficava sobre águas de alto mar. Um belo dia a França começou a enviar embarcações para recolher lagostas. Até que o Brasil disse que o habitat da lagosta não é a água, mas o leito do mar. A lagosta não nada, mas rasteja. Portanto os franceses estavam recolhendo não das águas de alto mar, mas da plataforma continental brasileira. Houve um incidente diplomático, e, a partir de então, França e Brasil entravam em acordo para que a lagosta fosse colhida. A plataforma continental é o leito do mar.
 

Fundos marinhos

Entende-se por área o leito do mar que fica embaixo da água de alto mar. Não está dentro dos limites da jurisdição nacional. Sobre a área estão as águas de do alto mar e o espaço aéreo correspondente. Caracteriza-se pelos recursos minerais. Sobre essa área, a Convenção de Montego Bay instituiu uma autoridade internacional dos fundos marinhos para administrar esses recursos, uma organização da comunidade dos Estados que aderiram à convenção. Comunidade internacional dos fundos marinhos. A razão pela qual os Estados Unidos não ratificaram a Convenção é para que a essa area ficasse livre à exploração, permanecendo como era antes, em condição de res nullius, para que aquele que tivesse a tecnologia apropriada pudesse explorar. 


Alto mar na aula que vem.

  1. Obra do professor Rezek.