Direito Internacional Público

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sujeitos de direito internacional e tribunais internacionais



Relação entre ordem internacional e ordem interna: monismo e dualismo

Faltou falar sobre isso na aula passada. São proposições doutrinárias. O intuito tem, por enquanto, uma carga de abstração muito grande. Temos que abstrair. Mais tarde falaremos em norma internacional e interna de forma mais concreta. Em seguida sobre o direito interno brasileiro e a ordem jurídica internacional, e, então, retomaremos esses conceitos doutrinários de agora.

A ordem jurídica internacional a ordem jurídica interna são distintas? A resposta vai variar, segundo os monistas e dualistas. Para os monistas, existe uma única ordem jurídica, e, dentro dela, estariam abrigadas a norma internacional e a norma interna. Então, para o monista, no momento em que o Estado ratifica um tratado internacional, ele se compromete no plano internacional, e essa norma já passa a integrar a ordem jurídica interna. Feito isso, a norma jurídica internacional, que acaba de ser recepcionada, e o conjunto de normas internas passam a estar na mesma estrutura. Não existem duas ordens jurídicas internacionais para os monistas.

Já para os dualistas, existem duas ordens jurídicas diferentes. A ordem jurídica internacional e a ordem jurídica interna. A justificativa é que as duas disciplinam relações sociais distintas. A interna disciplina os indivíduos, e a internacional rege a relação entre o Estado com os demais Estados soberanos. Por isso duas ordens jurídicas distintas. Qual a conseqüência disso? É que, para os dualistas, é preciso que haja um mecanismo de inserção formal da norma internacional na ordem jurídica interna. Os monistas recusam essa idéia; não precisa, não há necessidade de um mecanismo formal de integração da norma internacional na ordem jurídica interna, pois, desde que o momento em que o Estado se compromete no plano internacional, essa norma já integra a ordem jurídica interna.

Entenderemos depois o que é esse mecanismo formal.

Monistas internacionalistas e monitas nacionalistas

Os monistas se dividem entre os que acham que, no topo dessa pirâmide do ordenamento jurídico, encabeçando a ordem jurídica, está a norma internacional, e os que defendem que a norma suprema é a Constituição. Como os monistas internacionalistas, também chamados monistas kelsenianos, justificam isso? Não com nenhum tipo de lógica intrínseca ao sistema. Simplesmente dizem que o fato de a norma internacional encabeçar essa estrutura jurídica facilita a integração entre os povos e a paz mundial. Por isso que os Estados devem conceder uma superioridade hierárquica às normas internacionais. Os monistas nacionalistas, por sua vez, discordam. Dizem eles que no topo da pirâmide da estrutura jurídica está a Constituição do Estado.

Nenhum Estado se declara expressamente monista ou dualista.

Aqui no Brasil temos uma prática de certa forma dualista, que veremos, nas fontes de direito internacional, que, depois de concluído o tratado, existe ainda um decreto presidencial, que se chama fase de internalização da norma internacional que, a partir daí, o tratado será distribuído e passará a ter força vinculante. Cada Estado adotará um mecanismo de inserção da ordem jurídica internacional à sua norma jurídica interna. No Brasil, diz-se que a norma internacional é internalizada. Esse decreto presidencial não é uma condição de existência do tratado, mas de eficácia do tratado. É uma característica dualista.

Há argumentos em favor dos monistas nacionalistas. Na Constituição holandesa está previsto que uma norma internacional pode gerar uma reforma constitucional por ela mesma. Significa então que a norma internacional tem uma superioridade hierárquica em relação à própria Constituição da Holanda. Por que os monistas nacionalistas ainda assim têm razão? Porque ainda que a Constituição confira essa superioridade hierárquica, é na própria Constituição que se encontra essa informação. É a Constituição que dirá o lugar da ordem internacional na ordem interna. No Brasil, os tratados estão sujeitos ao controle de constitucionalidade. Então, aqui, não temos exatamente uma regra a esse respeito. Mas quando a Constituição americana diz que os tratados têm uma qualidade hierárquica igual à das normas federais, é na própria Constituição dos EUA que encontramos os parâmetros, o lugar da norma, a informação sobre o lugar que a norma internacional ocupa. Quando a Constituição francesa diz que os tratados têm validade supralegal e infraconstitucional, é na Constituição que está dito isso. Em outras palavras, é exatamente nas Constituições dos Estados que constam as regras sobre recepção de novas normas internacionais. Então os monistas nacionalistas têm sua parcela de razão pois é a Constituição, no final das contas, que dirá onde deve se alocar a norma internacional. É ela que dá as condições de validade e eficácia dos tratados no plano interno.

E por que os monistas internacionalistas também têm razão? Porque, em última analise, é uma norma que permite a sobrevivência dos Estados, uma norma que assegura a autodeterminação dos povos em Estados. Os Estados, até para sobreviverem, precisam respeitar o Direito Internacional, e também para que tenham o mínimo de credibilidade. Por exemplo: o que seria de um Estado que, ignorando o Direito, dissesse: “eu sou dono da Antártida?” Esse Estado não teria nenhum tipo de credibilidade internacional e não poderia existir em harmonia com os demais.

O Brasil concentra as duas práticas. Chegamos à paridade entre a norma internacional e a constitucional no caso dos direitos humanos. Veremos isso mais para frente. Mas temos, sim, uma prática monista constitucionalista em que os tratados estão sujeitos ao controle de constitucionalidade, ou seja, temos apenas uma ordem jurídica, e os tratados são recepcionados ressalvada a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade. Se estão sujeitos ao controle de constitucionalidade, então estão aquém da Constituição. Não existe nenhuma regra escrita sobre a necessidade da promulgação, é caráter costumeiro. No Brasil, salvas exceções, os tratados gozam de paridade em relação às leis ordinárias. Veja o art. 5º, § 3º da Constituição: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. O art. 98 do Código Tributário Nacional também assegura que as normas internacionais de caráter tributário têm uma hierarquia superior à lei ordinária: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”
 

Sujeitos de direito internacional

Terminada essa exposição doutrinária, vamos sair desse capítulo introdutório e vamos para os sujeitos de direito internacional.

Quem tem personalidade jurídica em direito internacional? Hoje, muito se fala sobre o lugar do indivíduo na cena jurídica internacional. Até mesmo no lugar da empresa, as ONGs, pessoa jurídicas de direito público, e assim por diante. Mas os sujeitos de direito internacional são menos do que todos esses aí. Atualmente, quem tem personalidade jurídica internacional são Estados e organizações internacionais. Por quê? Porque a pedra de toque é a capacidade de celebrar tratados em nome próprio. E só quem pode fazer isso são os Estados e organizações internacionais. Os Estados têm personalidade jurídica originária e as organizações internacionais têm personalidade jurídica derivada. Por que isso? Porque os Estados são anteriores no tempo às organizações internacionais, e vêm desde o século XV. Até antes, mas os Estados nacionais são dessa época, enquanto as organizações internacionais são produtos do século XX. Há, portanto, precedência histórica dos Estados em relação às organizações internacionais. Em segundo, as organizações internacionais são constituídas pela vontade dos Estados, daí a idéia de que têm personalidade jurídica derivada. Derivam do consenso, da vontade dos Estados. Elas têm personalidade jurídica própria, e celebram tratados em nome próprio. Mas a personalidade jurídica é derivada.

E quanto aos indivíduos e pessoas jurídicas de direito interno? Na hora atual, e esse é um movimento que se iniciou há algumas décadas, o direito internacional proporciona uma abertura aos indivíduos, às pessoas jurídicas de direito interno, às ONGs. Mas não conferem a esses personagens a personalidade jurídica internacional que é a capacidade de celebrar tratados em nome próprio. Eles conferem abertura na medida em que conferem direitos e obrigações ao indivíduo e, a esse respeito, sobre a criação de direitos diretamente em relação ao indivíduo, de forma que ele possa postular diante da ordem jurídica internacional, há os foros internacionais, que são o sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Temos, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), que cria direitos materiais, prerrogativas dos indivíduos, como o direito à vida. Leiam, quando der. Isso até intriga: por que o direito à vida é tutelado mas ainda assim há pena de morte? É que os Estados que têm pena de morte não ratificaram essa parte do tratado.

Ainda assim o pacto cria direitos materiais políticos e civis. O protocolo opcional abre a possibilidade de que aqueles indivíduos que considerem um direito seu assegurado pelo pacto de 66 afrontado, o indivíduo pode protocolar uma petição no comitê de direitos humanos das Nações Unidas e denunciar essa violação de direito. Não só o indivíduo tem uma personalidade, mas ele pode postular se o Estado-alvo for parte e tiver aderido ao protocolo opcional. O Brasil não aderiu, então ninguém pode interpelar o Brasil. Quem cria o direito é o Estado, portanto, e o indivíduo é mero destinatário, embora possa agir diretamente perante a ordem jurídica internacional.
 

Foros penais internacionais

É uma excelente ocasião para falarmos sobre a evolução da justiça penal internacional.

Como começou o sistema repressivo internacional? Com o Tribunal de Nuremberg, em 1946, no final da segunda guerra mundial, quando as potências aliadas entenderam que era o caso de se julgar as atrocidades nazistas. Era uma forma de prestar uma satisfação à sociedade internacional por aqueles horrores cometidos na guerra. Organizou-se um tribunal militar internacional, o Tribunal de Nuremberg. Foi o maior exemplo de uma obrigação criada pela ordem jurídica internacional diretamente ao indivíduo. Nuremberg não passava pela vontade dos Estados e não contava com a colaboração deles. Também pouco se importou com o Estado de origem dos criminosos, etc. Por quê? Porque Nuremberg criou a tese de que os indivíduos podem ofender o direito internacional agindo de acordo com a ordem jurídica interna. Então, uma conduta lícita no direito interno pode ser um ilícito internacional. Nuremberg ignorou solenemente a vontade dos Estados de origem ou de residência dos criminosos e cobrou satisfações diretamente deles.

E qual a crítica que se faz a Nuremberg? Primeiramente cabe dizer que ele não pode ser usado como referência, e nem foi. É que é um tribunal post factum, portanto é um tribunal de exceção. E também porque havia pena de morte. As normas internacionais, em sua maioria, eram normas costumeiras. Alegou-se que os criminosos não respeitaram as convenções de Genebra nem as de Haia de 1899 e de 1907. Os indivíduos que vieram das potências aliadas, por sua vez, não foram julgados. Por quê? Porque venceram a guerra, então o tribunal foi de vencedores contra vencidos. Era, na perspectiva dos vencedores, um imperativo moral. Vejam o filme!

Depois vieram os tribunais ad hoc: especiais, que foram criados no início da década de 90, na cidade de Haia, que são os Tribunais Penais Internacionais para a Iugoslávia e para Ruanda. Ad hoc significa “para isso, para tal finalidade”. A professora colocará um texto muito interessante na pasta: Maira Rocha Machado, sobre os tribunais internacionais. Os tribunais internacionais ad hoc foram criados pelas Nações Unidas, mais especificamente pelo Conselho de Segurança, com base no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que confere ao Conselho a prerrogativa de ação, não falando diretamente em formar tribunais; pode, entretanto, agir sempre que houver ameaça à paz e a segurança internacional. Com base nesse capítulo, o conselho de segurança, entendendo que havia em tais regiões uma afronta à paz, foram julgados os oficiais da República que antes controlava a ex-Iugoslavia, os sérvios. Eles que teriam exercido as violências contra os insurgentes, praticando o que se chamou de “graves violações de direitos humanitários”. Uma das etnias foi considerada autora de violência contra outras.

Então, qual é a evolução por que eles passaram, e qual a crítica que se podem fazer? É a seletividade política. É que eles escolhem um determinado lugar no mundo onde violências são cometidas, crimes contra os direitos humanitários, mas não escolhem outras regiões do mundo onde crimes graves também ocorrem, e até de maneira mais sistemática, como na China; mas é rápido para criarem um tribunal penal internacional para julgar os crimes em Ruanda. Parece evidente, portanto, que os tribunais ad hoc têm o propósito de condenar com o fim de dar exemplos. Quanto à evolução, podemos dizer que foi o fato de terem sido criados não por vencedores de uma guerra pra julgar vencidos, mas pelas próprias Nações Unidas, pela vontade dos Estados, e com base numa norma internacional já existente (a Carta das Nações Unidas).

E para que crimes eles atuam? Graves violações do direito humanitário e genocídio, como em 1969. Também podemos dizer que a evolução que eles trouxeram, em relação ao Tribunal de Nuremberg, Eram tratados que haviam sido celebrados por aqueles Estados de onde os nacionais foram julgados. Os Estados haviam consentido e era do conhecimento de todos que aquelas condutas eram criminosas. 

O Tribunal Penal Internacional de Haia

O TPI de Haia foi criado em 2002, com base no tratado de Roma, ou Estatuto de Roma. Em primeiro lugar, as infrações que serão julgadas pelo TPI foram todas debatidas pelos Estados-partes. O TPI não é um tribunal de vencedores, também não é criado pelas Nações Unidas, e tem personalidade jurídica própria. Não integra as Nações Unidas embora haja relações muito estreitas com o Conselho de Segurança. Em geral trabalham em crimes de guerra, de genocídio, e também de agressão, mas este último ainda não foi definido pelo Estatuto.

Com relação à competência do tribunal, em razão do tempo, o tribunal só julgará crimes ocorridos depois da entrada em vigor do tratado. O Brasil faz parte.

Não se prende a determinada região, é universal, ainda que a universalidade esteja limitada aos Estados que aderiram.
 

Princípio da complementaridade

Enquanto os TPIs ad hoc estão acima, têm preferência em relação aos internacionais, eles partem do princípio de que não existem Estados envolvidos em condições de abrir um processo. O TPI não, ele concede a preferência para julgar o feito aos tribunais nacionais. Quando houver uma afronta ao Estatuto de Roma, o próprio Estado parte tem preferência para julgar, excluído somente em caso de indisposição, por razões políticas ou incapacidade. Se o Brasil não quiser julgar determinado genocida, o TPI terá a competência subsidiária.

O TPI tem um promotor, que é eleito pela Assembléia Geral dos Estados partes para escolher, fazer a seleção, dos processos. Os Estados também podem oferecer denúncias e o Conselho de Segurança também.

É uma bela discussão a hipótese em que, num caso em que o Brasil tenha se proposto a julgar determinado crime de genocídio, se o processo for extinto por causa de uma questão processual, sem resolução de mérito, o TPI tenha competência para julgar, subsidiariamente, o sujeito. É que ele não recebeu uma sentença absolutória, portanto não foi considerado inocente.

E quanto à prescrição? Crimes no Brasil prescrevem notadamente mais rápido do que em alguns outros países. Mas, para o TPI, há crimes imprescritíveis. Como resolver o impasse? Também fica para os debates.

Sintetizando, o que se percebe é que Nuremberg criou obrigações aos indivíduos sem passar pelos Estados. Já os outros tribunais vêm prestando respeito ao consentimento dos Estados. Pode-se dizer que esses Estados conheciam, haviam concordado quando assinaram, quando se comprometeram nas convenções de Genebra, por exemplo. O TPI só existe a partir do momento em que os Estados consentem com sua existência.
 

As empresas

São pessoas jurídicas de direito interno. Como se tornam atores na cena jurídica internacional? Quando as empresas contratam os Estados, ou vice-versa? Um Estado pode contratar uma empresa estrangeira para construir uma ponte ou sua dependência diplomática, ou celebrar contratos de investimento, exploração de energia, telefonia... Qual direito deveria reger, em princípio, esse contrato? A princípio seria o Direito Administrativo do Estado que contrata. Mas as empresas não gostam de se sujeitar a um direito estranho, especialmente quando houver conflito de interpretação de um contrato. Uma questão de importância, por exemplo, é a designação do foro competente. Essa jurisdição, na grande maioria dos casos, é arbitral. Diz que os eventuais conflitos devem ser julgados por um tribunal arbitral. E como deve ser constituído esse tribunal arbitral? No momento em que o conflito surge. As partes escolhem os árbitros, escolhem o presidente dos árbitros, o direito material, as regras do processo, então, as partes constituem, de comum acordo, o tribunal arbitral. E como se escolhem? Com o sistema de arbitragem transnacional. Como se organizam? Existem organizações internacionais para isso. Elas são constituídas por Estados, mas são consideradas internacionais mesmo, que celebram tratados, com estruturas permanentes, que organizarão os tribunais arbitrais. Uma delas é o CIRDI (Centro Internacional para a Resolução de Disputas relativas a Investimentos, em inglês chamado de ICSID, ou International Center for Settlement of Investiment Disputes). São constituídos caso a caso. É preciso que tanto o Estado quanto as empresas sejam parte do tratado que criou essa solução. É o conteúdo da Convenção de Washington de 1965. É um direito criado pelo Estado tendo as empresas como destinatárias.