O que é? Não é exatamente o
conjunto de sanções
aplicadas aos Estados violadores de normas internacionais. A reprimenda
manifestada pela coletividade internacional não pode ser encarada como
sanção
contra o Estado violador, pois inexiste jurisdição global, muito menos
jurisdição entre pares. 1 É a obrigação do
Estado de reparar um dano
produzido por uma conduta ilícita sua. Essa reparação não tem caráter
punitivo,
mas puramente reparatório. Não tem característica de sanção.
A responsabilidade
internacional independe da
intenção do Estado. Não se trata de responsabilidade subjetiva. Mas ao
mesmo
tempo não é dita objetiva, no sentido de que não basta simplesmente o
dano nem
a conduta ilícita para ensejar a reparação. É preciso que haja:
A responsabilidade
internacional pode ser
invocada quando houver afronta a uma norma internacional, tratado
internacional, costume ou princípio geral do Direito.
Elementos
da
responsabilidade internacional
Conduta ilícita, imputabilidade
e dano: são os
elementos da responsabilidade internacional. É preciso que os três
estejam
presentes. Seja ato do Poder Executivo, do Poder Legislativo ou mesmo
Poder
Judiciário do Estado. E também, em situações excepcionais, atos de
particulares
de um Estado poderão ensejar a reparação de danos em virtude da
responsabilidade internacional.
Então vejamos: é necessária a
conduta ilícita. A
responsabilidade não é objetiva embora haja acordos que tragam previsão
de
reparação do dano pela conduta ilícita.
A Convenção sobre Diversidade
Biológica de 1992,
por exemplo, traz uma cláusula em que danos causados por
comercialização de
produtos ensejam reparação. A conduta faltosa não é a comercialização,
mas a
negativa de reparar, o desrespeito a uma norma de tratado. A conduta
ilícita pode
ser ativa ou omissiva.
Vamos nos adentrar na
imputabilidade dos
Estados. A responsabilidade internacional é invocável quando um Estado
falha em
seu dever de assegurar, garantir a segurança territorial. Um caso é do
Estreito
de Corfu, no mar territorial albanês. Na década de 40, navios
britânicos, de
passagem pela região, esbarraram em minas aquáticas, e sofreram enormes
danos.
A esquadra inglesa tinha o direito de passagem, que estudaremos dentro
do
tópico de mar territorial em breve. A Corte Internacional de Justiça
entendeu
que não havia nenhum elemento que comprovasse a conduta ativa albanesa.
Foram
postas ali sem o conhecimento do Estado albanês. Havia, no mínimo, uma
negligência por parte do Estado em não garantir a segurança do mar
territorial.
Seria, na pior das hipóteses, uma conduta ilícita omissiva do Estado
albanês.
O Direito Internacional não
considera, como
vimos, a repartição dos poderes. Um ato do Poder Legislativo ou do
Poder
Executivo tem o mesmo peso para o Direito Internacional, portanto podem
gerar a
obrigação de reparar. Os atos do Poder Executivo são os mais comuns em
se
falando de resultados que dão azo à interpelação por outro Estado. Um
exemplo
recorrente é o que um chefe de governo pratica um ato arbitrário. 2
Um ato do Poder Legislativo,
por exemplo, é
aquele em que a Casa Legislativa edita uma lei que contrarie a norma
internacional que o Estado já se comprometera, antes, a seguir.
Na União Européia, os Estados
têm obrigação de
converter as diretivas em leis. Ao não fazer, o Estado pratica uma
conduta ilícita
de Direito Internacional. Um Estado não pode dizer que seu próprio
Parlamento é
inerte, lento, ou repleto de conflitos políticos. O Estado não pode se
eximir
de uma obrigação internacional alegando um problema interno. O governo,
para o
Direito Internacional, é um só, que é o conjunto dos poderes
institucionais.
Um ato do Poder Judiciário que
pode ensejar
responsabilidade internacional é negar a um estrangeiro o acesso à
justiça, ou
o direito de defesa, atropelando uma norma processual em seu desfavor,
ou ainda
por colidência com o que foi pactuado na Convenção de Viena de 1961.
Também não
se pode alegar lentidão do Poder Judiciário do Estado.
O dano também é um elemento
essencial da
responsabilidade internacional. Sem conduta ilícita e dano, sem
responsabilidade internacional. Conduta ilícita sem dano não enseja a
responsabilidade internacional. Qual a natureza desse dano? Pode ser
dano
material, ao patrimônio, a um bem público, ou até ao patrimônio de um
determinado
nacional de outro Estado; a degradação de seu meio-ambiente, como o
Estado que
polui o rio alheio, o Estado que deixa vazar petróleo sobre o mar
territorial
de outro; ou bombardear prédios por engano. O dano não necessariamente
é
material, podendo também ser moral. Exemplo: no ano passado, quando
houve a
intervenção da Colômbia no território Equatoriano, em que aquela
cirurgicamente
eliminou terroristas das FARC que se abrigavam neste. Não houve nenhum
dano ao
território equatoriano nem aos nacionais do Estado. Mas o governo de
Rafael
Correa entendeu que houve uma violação de sua soberania territorial,
então foi
o dano eminentemente moral. Assim como na abdução de Adolf Eichmann por
israelenses em Buenos Aires.
Imputabilidade
dos
atos de particulares
Podem atos de particulares
ensejar conduta
ilícita por parte do Estado? Pode o Estado responder por um ato ilícito
cometido por seu súdito? Pode, desde que se comprove que o Estado
falhou em
garantir a segurança territorial, ou se patrocinou aquela conduta, ou
também se
aquela conduta refletir uma postura oficial, estatal. Um caso para
entender
isso foi o da invasão da embaixada americana em Teerã em 1979, em que
pessoas
foram feitas reféns por mais de um ano. Entendeu a CIJ que aqueles
rebeldes
agiam de alguma forma refletindo a postura do governo. O governo
iraniano
tentou, em vão, se defender dizendo que aquele era um momento de
desobediência
civil, e que, por conta disso, não tinha condições de garantir a
segurança do
local.
E as organizações
internacionais? Podem elas ser
responsabilizadas? Desde 1948 a resposta é positiva. Vejamos o caso
Folke Bernardotte.
Conde Bernadotte era um nobre sueco, diplomata, que havia tido uma
conduta
muito importante na segunda guerra mundial, negociando com o governo
alemão a
liberação de milhares de judeus. E, por conta dessa atuação, as Nações
Unidas
entenderam que ele poderia ser um excelente interlocutor, então o
Conselho de
Segurança o escolheu como mediador do conflito entre Israel e
Palestina. Quando
chegou a Jerusalém acompanhado de uma comitiva da ONU, ele foi vítima
de uma
emboscada e foi assassinado por extremistas judeus. Parte de sua agenda
era
promover o retorno das famílias árabes. As Nações Unidas então se viram
na
obrigação de indenizar as famílias dos mortos, até porque houve mais
vítimas,
que acompanhavam Folke. As Nações Unidas então solicitam um parecer
consultivo
à CIJ. Pode uma organização internacional ser vítima de uma conduta
ilícita? Afinal
Israel falhou em seu dever de garantir a segurança territorial. A Corte
disse
que a organização internacional pode sim ser vítima do outro sujeito de
Direito
Internacional (o Estado de Israel). Se as organizações internacionais
podem ser
vítimas, também podem ser autoras.
Na responsabilidade
internacional, os
particulares não são vítimas, somente a organização internacional que
teve um
funcionário seu vitimado. Ou então a vítima pode ser um Estado, que
teve a
imunidade de seus agentes violada, ou a ampla defesa de um nacional seu
foi
cerceada por outro Estado. Quando uma norma processual for descumprida,
o
Estado da vítima se torna ele mesmo a vítima desse ato.
Ocorre quando um Estado assume
como seu um dano
produzido por outro Estado a um particular seu. Cuidado para não
confundir com
as imunidades diplomáticas, que nada têm a ver com o que vamos falar
agora.
E a ONG? Ela é particular.
Então, se ela sofre
determinado dano produzido por outro particular, então houve falha do
Estado em
garantir a segurança? É possível. Quando o Estado assume a defesa de um
particular
seu, como assumir as dores, e interpela o Estado que produziu danos ao
seu
particular, dizemos que ele pratica o endosso,
a proteção diplomática. Assim, o Estado cujo nacional foi lesado exige
do Estado
que o lesou uma reparação.
O Estado pode interpelar
diplomaticamente ou
juridicamente.
Há endosso quando o Estado
oferece proteção ao
particular, como a uma empresa que tenha sofrido dano por uma
determinada
medida econômica do governo local, o que foi exatamente o motivo de
haverem
inventado esse instituto de Direito Internacional.
O que o particular precisa
reunir para receber
a proteção? Primeiramente, precisa ser um nacional de determinado
Estado. Uma
das limitações dos portugueses beneficiários do Estatuto da Igualdade é
que
eles não podem pedir proteção diplomática do Brasil contra Portugal.
Esse é o
primeiro requisito. E que nacionalidade é essa? Pode ser originária ou
derivada, mas tem que ser efetiva e
contínua: tem que existir no momento
do
dano e continuar existindo no momento do pedido. Já a efetividade da
nacionalidade é o que vem às nossas cabeças quando pensamos em nosso
velho
conhecido Friedrich Nottebohm. Sua nacionalidade em Liechtenstein não
deixava de
ser efetiva por ser derivada; o problema era a descontinuidade entre o
tempo do
dano sofrido por ele e a aquisição da nacionalidade em Liechtenstein,
também
pela rapidez com que a nacionalidade foi concedida, então ela não pôde
ser
considerada substancial. O vínculo substancial pode decorrer de laços
sanguíneos,
de nascer naquele território, ou então desde que ele possua um laço
sólido
entre o indivíduo e o Estado, como ter prestado serviços públicos, ou
ter se
casado com um nacional local e então ter sido contemplado.
E a nacionalidade da pessoa
jurídica? Como é
determinada? Remonta ao ano de 1962. Barcelona Traction – empresa
constituída
em Toronto, no Canadá, em 1911; os acionistas majoritários, no entanto,
eram belgas.
Os fundadores, americanos, resolveram registrá-la no Canadá porque
seria mais
vantajoso em termos fiscais. O objetivo era atuar na área de energia
elétrica
na Espanha. Até que, em 1960, o governo espanhol resolveu dificultar a
exploração de tais tipos de serviço por estrangeiros, e os belgas
acabaram
perdendo o grande parte do dinheiro investido. Eles se uniram, então,
para
requerer ao seu Estado, a Bélgica, que interpelasse a Espanha perante a
Corte
Internacional de Justiça, mas esta de pronto negou a pretensão porque
entendeu que
somente o Estado em que a empresa fora constituída tinha legitimidade
para a
interpelação, ou seja, o Canadá. Este, por sua vez, recusou-se
inteiramente a
oferecer qualquer tipo de proteção diplomática, alegando que nada tinha
a ver
com a situação. Os belgas sucumbiram, então, e a Espanha saiu ilesa
dessa
controvérsia.
E felizmente, já que entender
que a
nacionalidade da pessoa jurídica seria a nacionalidade de seus
acionistas
majoritários seria algo muito inseguro. Seria como se estrangeiros
conquistassem uma empresa apenas pela injeção de capital.
Esgotamento
dos
recursos internos
Os recursos internos precisam
ser esgotados
antes de haver a concessão da proteção diplomática. Significa que o
Judiciário
do Estado local e, quando cabível, o Legislativo, devem ter dado seu
parecer ao
indivíduo estrangeiro que se sente lá lesado, até que para ele se
esgotem as
chances de se socorrer. Isso também pode ser relativizado. Aconteceu em
1911, quando
havia um brasileiro, residente em Manaus, que trabalhava como cônsul
honorário
da Bolívia. Ele realizou vários gastos a pedido do governo Boliviano em
razão
de sua função, que não foram reembolsados. O consultor jurídico do
Itamaraty
entendeu que o Brasil poderia sim interpelar a Bolívia sem que houvesse
esgotamento de seus recursos internos. Na Bolívia, ele não tinha nenhum
tipo de
laço, não tinha familiares lá, nem havia fixado emprego no território
boliviano,
então exigir que ele fosse à Bolívia pedir seria exigir demais.
Outros casos de relativização
foram os já
conhecidos Angel Breard, LaGrand e Avena, todos de condenados nos
Estados
Unidos à pena de morte. Neste último, eram 52 mexicanos no corredor da
morte. Os
EUA disseram que não cabia a proteção de seu Estado de origem; que eles
tinham
que recorrer internamente primeiro antes que o Estado mexicano o
interpelasse. A
CIJ entendeu que, pelos precedentes de Breard e Lagrand, tudo indicava
que o
entendimento será o mesmo, portanto, não deveriam ser esgotados os
recursos
internos primeiro.
Outra coisa: um binacional não
pode pretender obter
a proteção diplomática por parte de um dos Estados de nacionalidade
dele contra
o outro. Rafael Canevaro era
italiano ius sanguinis e peruano ius solii. Lá viveu, constituiu
patrimônio, foi candidato a senador, e então pediu a proteção
diplomática da
Itália contra o Peru quando uma situação veio a ameaçar seu patrimônio.
Decidido
em tribunal arbitral em 1912, a Itália ofereceu o endosso, e o tribunal
arbitral negou. Se a proteção tivesse sido oferecida pela Itália contra
o
Brasil, França ou outro ela seria válida, mas não neste caso.
Para a proteção de um
funcionário de uma
organização internacional, o sujeito deve estar a serviço dela. Assim
ela
poderá endossá-lo. Isso é importante porque, quando alguém serve a uma
organização internacional,é preciso que ele tenha certeza que, num
momento
difícil, ele poderá ser protegido por ela. Isso ajuda a assegurar a
independência do funcionário. Significa que ele não precisará da
proteção de
seu próprio país, e assim ele poderá trabalhar com muito mais
liberdade.
Justamente a interpelação de um
Estado por
outro no plano internacional, assumindo como seu aquele dano. Mas vejam
bem,
isto é uma questão interessante, e rende uma bela tese: como deve ser
essa
interpelação? Não existe regra em Direito Internacional, pode ser no
plano
político, ou então diplomaticamente. O Estado pode ajuizar uma ação
contra outro
perante um tribunal arbitral ou perante a CIJ. O Estado pode,
simplesmente, em
seu plano negocial, interpelar outro Estado soberano. Não existe uma
forma
determinada pelo Direito Internacional de interpelação de uma pessoa
jurídica
de direito internacional por outro sujeito de direito internacional.
Carlos Calvo era ministro das
relações
exteriores da Argentina e, em 1868, estabeleceu que, para os
estrangeiros,
assim como para os nacionais, as cortes locais deveriam ser a única via
de
recurso contra atos da administração. 3 Significa
que os Estados não
deveriam se prontificar a conceder o endosso. Os nacionais que se
sentissem
lesados deveriam, por força dessa cláusula, abrir mão de invocar seus
Estados
de origem para assisti-los, e tais Estados deveriam recusar a proteção
diplomática.
Especialmente as empresas: de
acordo com essa
cláusula, elas não podem pedir apoio ao seu Estado de origem.
Nacionalidade de
empresa é um entendimento metafórico, claro. A empresa não poderia
pedir, portanto,
a proteção diplomática. As empresas podem assinar uma cláusula abrindo
mão da
proteção diplomática em momento de dificuldade. No fundo, isso é uma
discussão
muito interessante porque hoje em dia as empresas e grandes
investidores em
geral assinam, quando contratam os Estados, cláusulas de arbitragem. E
não são jurisdições
nacionais nem dos Estados de origem deles que dirimirão os eventuais
conflitos.
Isso hoje em dia. Mas essa cláusula já gerou muito debate porque a
proteção
diplomática não surgiu para proteger o indivíduo desamparado que vive
no outro
Estado, mas para as grandes corporações. Em geral elas saíam dos EUA e
Europa e
se instalavam em países em desenvolvimento. Quando havia problemas,
elas iam “para
baixo da saia” de seus Estados de origem.
Os Estados Unidos foram o país
que se puseram à
frente da tese de que a Cláusula Calvo era nula, justamente porque não
é
direito do particular, mas do Estado em proteger diplomaticamente um
nacional
seu. Foi também este o entendimento de alguns tribunais arbitrais.
A reparação pode ser, também,
moral. Como
Eichmann. Argentina queria pedido de desculpas, restituição do status quo ante. A reparação moral pode
ser mais difícil de obter. Um caso para ilustrar essa dificuldade é
aquele que
ficou conhecido como “caso Lockerbie”, cidade escocesa onde caíram
destroços de
um avião que foi alvo de um atentado terrorista em 1988. Era o vôo 103
da Pan
Am, que saía da Inglaterra com destino à Costa Oesta americana. A
investigação
do atentado durou três anos e, ao final, chegaram-se a três suspeitos,
entre
eles o líbio Abdelbaset Ali Mohmed Al Megrahi, apontado como mentor da
ação. Outros
dois eram pessoas ligadas à LAA (Libyan Arab Airlines). A Líbia foi
acusada de
não promover a segurança, e foi condenada. Ela pagou generosa
indenização às
famílias das vítimas, mas deixou claro que nunca reconheceu sua
responsabilidade pela omissão. O acusado, o líbio Abdelbaset Ali Mohmed
Al
Megrahi, foi condenado à prisão perpétua em 2001. Em 2009, ele recebeu
indulto
humanitário pelo governo da Escócia.