Direito Internacional Público

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Asilo político e refúgio


Tópicos:
  1. Asilo político
  2. Procedimento
  3. O refúgio
  4. Condição jurídica do refugiado e  o caso Cesare Battisti


Asilo político

Vamos falar hoje de um assunto muito atual. Por quê? Amanhã o Supremo julgará a sorte de Cesare Battisti, que adquiriu o status de refugiado político.

O que distingue o asilo do refúgio? Os dois institutos coincidem? É o que veremos hoje. Há asilo territorial e o diplomático.

Asilo territorial: acolhida do estrangeiro depois de ele já ter cruzado a fronteira, quando ele se encontra no território de outro Estado. Que estrangeiro? O que esteja sendo perseguido por razões políticas. Está previsto no art. 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Todo ser humano tem direito de buscar asilo político no território de outro Estado.

Já o asilo diplomático é a acolhida do estrangeiro pelas mesmas razões, mas nas dependências da embaixada ou nos locais que gozem da imunidade nos termos da Convenção de Viena de 1961. É dizer, o sujeito, em vez de viajar para outro Estado, bate à porta da embaixada na cidade dele mesmo.

O asilo territorial é reconhecido em todo o mundo. Já o asilo diplomático é mais conhecido na América Latina. Se desenvolveu aqui em razão dos golpes de Estado freqüentes, da instabilidade dos regimes ao longo do século XX. Era um Direito Costumeiro. As disciplinas sobre asilo diplomático estão previstas em textos regionais: Convenção de Havana de 1928, Convenção de Montevidéu de 1933, e de Caracas de 1954.

O asilo diplomático não é uma modalidade do asilo político. Ele é uma etapa provisória do asilo territorial. O objetivo é o asilo territorial. 

Quais os pressupostos do asilo diplomático? É preciso que aquele que vai se beneficiar esteja sofrendo perseguição política, e isso se deduz pela natureza política do delito pelo qual esteja sendo perseguido; e o estado de urgência, de perseguição atual. Os locais já falamos: navios de guerra ou repartição diplomática.
 

Procedimento

E qual é o procedimento? O sujeito entra na repartição e, em regra, a autoridade asilante é o embaixador, e identifica se seus pressupostos estão presentes. Ele verificará se existe perseguição política, e se o delito pelo qual o postulante está sendo perseguido é mesmo de natureza política. Assim feito, ele pede um salvo-conduto à autoridade local para que aquela pessoa deixe com segurança o Estado territorial. Em seguida ele pede o asilo definitivo, no território que concede, ou no território de um terceiro Estado. Isso se chama qualificação unilateral dos pressupostos.

Em regra, a autoridade asilante qualifica. Mas existem Estados que questionam, dizendo que a qualificação dos pressupostos tem que ser feita de comum acordo, e não unilateralmente. Deve haver um entendimento entre ambos os Estados para verificar se os pressupostos estão satisfeitos. Se não, tentar-se-á uma solução, seja política, diplomática, arbitral, ou a que aprouver entre os dois Estados. Peru é um dos Estados que só aceita conceder o salvo-conduto se os pressupostos forem verificados de maneira bilateral.

Caso Haya De La Torre: De La Torre era um dissidente político, que havia comandado uma rebelião militar no peru, e pediu asilo na embaixada da Colômbia em Lima. Pediu às autoridades peruanas o salvo-conduto para que ele deixasse o território. Mas o Peru negou, dizendo que ele era criminoso comum e não político, e também porque não estava presente o caráter atual da perseguição. Questionaram, portanto, os dois pressupostos do asilo político. O caso foi parar na Corte Internacional de Justiça, e esta, analisando os pressupostos, viu que na verdade ele se tratava de um criminoso político sim. Mas a CIJ entendeu que a perseguição não era atual. A perseguição se iniciou justamente em razão da entrada de De La Torre na embaixada. Assim a Corte determinou: de acordo com a Convenção de Havana, que traz a disciplina que deve reger essa relação, viu-se que a Convenção nada dizia sobre a possibilidade de qualificação unilateral dos pressupostos. Então, a qualificação unilateral é um costume. A convenção diz sobre a conseqüência da ausência de um dos pressupostos. O mais importante é a natureza política do delito. Mas não era o caso para o Peru, que considerava De La Torre um criminoso comum.

E sobre a perseguição atual? A Convenção não diz nada também. E agora? Como a Corte poderia decidir? A Convenção de Havana não prevê uma conseqüência para a falta desse segundo pressuposto, mas prevê para o primeiro. Assim, pode-se aplicar ao segundo pressuposto as conseqüências do primeiro por analogia. No entanto, não se pode usar a analogia em desfavor da liberdade humana. Então, pensou-se na equidade. Se aplicasse, a Corte diria o quê? O principal pressuposto está presente. Neste caso, apesar de o instituto do asilo não se encontrar apoiado em seus dois pilares neste caso concreto, ao pensarem na equidade, viram que seria necessário que ambas as partes autorizassem sua aplicação. O que foi feito, então? A Corte entendeu que “de fato, o asilo é irregular, mas a autoridade asilante não estava obrigada a entregar o indivíduo às autoridades territoriais.” Essa foi a decisão.

O que aconteceu é que De La Torre ficou na embaixada três anos até conseguir o salvo-conduto e só então deixou o território.  
 

O refúgio

E o refúgio? O asilo é um instituto com fundamento na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e o asilo diplomático vem do Direito costumeiro, apesar de haver casos isolados de asilo diplomático na Europa. Enquanto o asilo político encontra suas origens na Declaração de 1948, o refúgio passou por uma evolução histórica diferente. Claro que ambos têm uma origem comum, mas o refúgio foi disciplinado por um tratado internacional que é a convenção de 1951 sobre o Status de Refugiado, também conhecido como Estatuto do ACNUR. ACNUR é a Agência da ONU para os Refugiados. Foi em princípio concebida para proteger aquelas vítimas da segunda guerra mundial, que se encontravam espalhadas pela Europa. Ela tinha um requisito temporal, espacial, era aplicada às vítimas de acontecimentos anteriores a 1951 na Europa. Mais tarde esse requisito foi suprimido; o requisito temporal e espacial foi substituído pelo Protocolo de 1967 Relativo aos Estatuto dos Refugiados. A Declaração de Cartagena, de 1984, deu uma nova leitura ao conceito de refugiado. Trouxe a categoria de pessoas que deveriam ser consideradas refugiadas. Quais são os que devem ser contemplados com o benefício de refugiado? São as pessoas que sofrem perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade e opiniões políticas. Enquanto os textos regionais falam em asilos diplomáticos, a convenção fala em perseguição por questões políticas. A doutrina interpreta dizendo o que é isso. É a perseguição que decorre de uma manifestação de uma opinião que normalmente seria tolerada em um regime democrático de Direito. A Convenção das Nações Unidas Relativa ao Status de Refugiado, celebrada em 1951 em Genebra também prevê a proteção aos que pertencem a algum grupo social. Cuidado: essa convenção, apesar do local onde foi realizada, não é nenhuma das quatro tradicionais convenções de Genebra que estudamos no começo do semestre.

O que é o refugiado? É o que sofre perseguição injusta, odiosa, por razão de raça, religião, ideologia, ser de um grupo político, mas também aquele que se encontra num contexto de violação massiva de direitos humanos, de turbulência na ordem social, numa situação de perseguição coletiva, ocupação estrangeira, guerra civil, etc. Abrange também as pessoas que não sofrem perseguição direta, mas que tenham motivos para temer pela sua integridade. Enfim, é só provar que o sujeito vive em um contexto de perigo, de ameaça, em razão de uma guerra civil, e então ele demonstra que simplesmente é fundamentado o seu status. Ter o sujeito um processo penal correndo contra ele, evidentemente, não é admitido como motivo para ser considerado refugiado.

Observação: não basta o estado psicológico, ele precisa mostrar razões objetivas para o seu temor.

O asilo, historicamente, é concedido a personalidades notórias. Antigos chefes de Estado, por exemplo. São perseguidos por alguma dissidência política, que sofrem uma perseguição pessoal em razão de opiniões dissidentes daquelas posições expressadas pelos que estão em situação de mando. Os refugiados são, geralmente, pessoas que coletivamente deixam seus Estados em razão de uma situação de conflito onde venham os seus direitos seriamente ameaçados. No Brasil, a maioria dos refugiados acolhidos são famílias com mulheres e crianças. Refúgio também só se associa ao território. Só ocorre quando o postulante já se encontra no território do Estado pretendido. Têm que ser pessoas que não podem ou não querem pedir ajuda ao seu próprio Estado de origem.

Então, quais são mesmo os pressupostos do asilo político? Natureza política do delito e perseguição atual. Os pressupostos do refúgio são bem mais amplos. Nacionalidade, religião, pertencimento a um grupo social, etc., embora não se fale aqui em crime político.

Aqui no Brasil há cerca de 2,5 mil refugiados, cuja maior parte vem de Angola, Colômbia, Iraque, Libéria, República Democrática do Congo, e Iraque. Em 1991, quando da guerra do Golfo, refugiados iraquianos pousaram em Brasília. A Polícia Federal não pode recusar, ela tem que receber os refugiados. O princípio de Direito Internacional subjacente a isso é o non refoulement, um princípio francês.
 

Condição jurídica do refugiado e  o caso Cesare Battisti

O Estado que acolhe tem obrigações para com o refugiado. Entre elas, integrá-lo à sociedade, auxiliar sua inserção no mercado de trabalho; são obrigações internacionais para com o refugiado. No asilo, as obrigações não são muitas. E existem também causas de exclusão, que são as hipóteses em que o refugiado não será admitido. Por exemplo, aquele que é perseguido por delito comum. As causas de exclusão para o refugiado são bem mais delineadas. Segundo a própria convenção, os que praticam atos contrários aos textos das Nações Unidas não devem receber o refúgio. Fundamentalmente são pessoas que cometeram crimes contra a paz, crimes de guerra, crime de genocídio, crimes anteriores à demanda (à condição de refugiado). Nossa lei vai até mais longe nessa lista de exclusões. Dadas essas características, o Direito Internacional recomenda que ele não receba refúgio.

Devemos lembrar sempre que o asilo é político; o refúgio é humanitário. Este também pode ocorrer por razões políticas. Mas sua natureza é humanitária.

Como as condições são muito bem delineadas pela Convenção, o Estado, num ato discricionário, como no caso do asilo, concede a alguém a condição de asilado. No refúgio, o reconhecimento da condição não é um ato discricionário, mas declaratório. O que se faz? Ao se conceder o refúgio, o Estado simplesmente reconhece que o postulante atende a todas aquelas condições impostas pela Convenção de 1951, que foi modificada pelo Protocolo de 1967. É um ato declaratório, e não constitutivo. No caso do asilo é sim constitutivo justamente porque discricionário. Presentes os pressupostos, o Estado terá que reconhecer a condição de refugiado, desde que não haja causas de exclusão.

Qual a diferença? No caso do refúgio, existe uma fiscalização internacional. Existe um órgão das Nações Unidas responsável pela prática, que é o próprio ACNUR. Caso um Estado-parte se negue a conceder, esse Estado passa a ser considerado um Estado violador dessas Convenções das quais faz parte.

Aqui no Brasil o asilo recebeu a disciplina de lei ordinária. Na exposição de motivos vê-se a importância de se detalhar as condições e a disciplina jurídica do refúgio. É a Lei 9474/97. Qual a definição de refugiado? É uma definição ampla:

TÍTULO I

Dos Aspectos Caracterizadores

CAPÍTULO I

Do Conceito, da Extensão e da Exclusão

SEÇÃO I

Do Conceito

        Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

        I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

        II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

        III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Todo aquele que sofre perseguição injusta por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social, ideologia, que tenha fundado temor de perseguição odiosa e que, por aquele motivo, não possam solicitar ajuda de seu Estado de origem. E também as pessoas que estão inseridas num contexto de graves violações dos direitos humanos, em razão de conflitos, ocupação estrangeira, guerra civil, turbulências sociais, que induzem a um fundado temor de perseguição.

Essa lei instituiu o Comitê Nacional para os Refugiados, o CONARE. Antes dele havia um escritório do ACNUR aqui em Brasília, que fazia o que o CONARE faz hoje: o reconhecimento da condição de refugiado em primeira instância. O CONARE analisa a documentação, entrevista o sujeito, estuda caso a caso, e verificará a condição ou não de refugiado. É um órgão colegiado. É composto por um representante de cada um dos seguintes ministérios: Justiça, Trabalho, Relações Exteriores, Educação, mais um representante da Polícia Federal, um representante de uma ONG chamada Cáritas, ligada à Igreja Católica, que sempre teve um papel muito importante na assistente aos refugiados, e também o ACNUR. Com a criação do CONARE, a presença do ACNUR perdeu um pouco o sentido, mas participa das reuniões do CONARE com direito a voz sem voto. Ele é mero convidado. A legislação brasileira também foi além nas causas de exclusão. Além daquelas, a nossa legislação fala em crimes hediondos, terrorismo e tráfico de drogas.

As pessoas que recebem auxílio de uma organização que não o ACNUR também não podem gozar desse benefício.

Da decisão resultante da deliberação em primeira instância do CONARE sobre a condição de refugiado caberá recurso administrativo. Se a decisão for negativa, caberá o recurso ao Ministro da Justiça. Se for positiva, não caberá recurso administrativo. Foi o que Battisti fez: o CONARE negou o reconhecimento de seu status de refugiado, e Tarso Genro reformou essa decisão.

Então a Lei 9474 fala sobre a extradição no caso do refugiado. Arts. 33 a 35:

TÍTULO V

Dos Efeitos do Estatuto de Refugiados Sobre a

Extradição e a Expulsão

CAPÍTULO I

Da Extradição

        Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

        Art. 34. A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.

        Art. 35. Para efeito do cumprimento do disposto nos arts. 33 e 34 desta Lei, a solicitação de reconhecimento como refugiado será comunicada ao órgão onde tramitar o processo de extradição.

Significa que o refugiado não pode ser extraditado. O art. 34 diz que o mero pedido suspende o processo. A concessão do status de refugiado obstará por inteiro o processo de extradição. Foi exatamente o que aconteceu no caso Battisti. O pedido já havia sido formulado e encaminhado ao Supremo quando o Ministro da Justiça reconheceu a condição de refugiado. Existe, por parte das pessoas que participam da deliberação, um dever de sigilo. Talvez sejam divulgados amanhã no julgamento no Supremo os pareceres. Interessante deverá ser o parecer do ACNUR.

O pedido de extradição, baseado em tratado, já havia sido encaminhado ao Supremo. Já houve um pedido, de um “Padre” chamado Olivério Medina, associado às FARC. É a extradição 1008. O Supremo entendeu que não houve problema, e dizia que, afinal de contas, era do chefe de Estado mesmo a prerrogativa de decidir sobre relações internacionais, e não havia nenhuma ofensa à separação dos poderes e nenhuma subtração de competência do Supremo. Cabe ao STF decidir apenas se é um crime político. Diz o Supremo que uma lei ordinária não pode determinar uma supressão de competência constitucional do Supremo Tribunal Federal. A lei diz que o reconhecimento da condição de refugiado obsta o procedimento de extradição. Pode-se dizer que o ato do Ministro da Justiça pode ser controlado. Por quê? Por força da norma do inciso XXXV do art. 5º da Constituição, que diz que não se pode afastar da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. No caso das causas de exclusão, o Supremo decide: “por que Cesare Battisti teria motivos para temer uma perseguição?” Porque, afinal de contas, o Estado de onde ele vinha era um Estado Democrático de Direito. Por que razão a Itália não respeitaria? Porque existe uma decisão da Corte Européia de Direitos humanos reconhecendo a legitimidade dos processos e das decisões em desfavor dele, e que não existe razão de fundado temor. Por trás de um pedido de refúgio, sempre existe um Estado violador de direitos humanos. O ato administrativo, mesmo quando discricionário, é passível de controle, e o refugio, que é apenas um ato declaratório, pode ser passível apenas do controle para se coibir eventual abuso.

Battisti recebeu asilo, e não refúgio. Celso de Mello havia construído jurisprudência: o asilo não obsta o processo de extradição.

Do ponto de vista do Direito Internacional o caso Battisti vê a presença das causas de exclusão, dada a gravidade e natureza dos crimes e a ausência de perseguição odiosa.

A Lei 9474 diz que cabe ao Supremo comparar se o pedido de extradição coincide com as causas da concessão do refúgio.