Direito Internacional Público

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Conflitos Internacionais



Introdução

O que são? O conceito era dado pela antiga Comissão Permanente de Justiça Internacional, a CPJI, a corte predecessora da Corte Internacional de Justiça.

Conflitos internacionais são conflitos armados? Não apenas. O conflito internacional é qualquer confronto de interesses e de teses jurídicas entre os Estados. Pode ser um simples conflito relativo à interpretação de uma cláusula de tratado.

Quais são os sujeitos, ou quem esses conflitos envolvem? Quem são os protagonistas dos conflitos? São os Estados e as organizações internacionais. O caso do Conde Bernadotte, que opôs Israel às Nações Unidas em 1948, é um exemplo de conflito entre um Estado e uma organização internacional. Bernadotte havia sido enviado pelo Conselho de Segurança para ajudar a apaziguar no conflito entre israelenses e palestinos, quando foi morto num atentado durante sua missão.

Outro exemplo: Malásia x Organização das Nações Unidas sobre imunidades dos funcionários das Nações Unidas. Foi o caso Param Cumaraswamy, um advogado malaio que havia recebido uma missão de relatoria da Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas. Antes de terminar seu trabalho, ele deu entrevista à imprensa britânica tecendo duras críticas ao Judiciário na Malásia. Suas declarações renderam ações civis por difamação e dano à imagem de particulares somando 112 milhões de dólares. Nisso, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas fez um pedido de parecer consultivo à Corte de Haia para saber se a imunidade de jurisdição do agente incidiria. A Corte entendeu que ele estava no exercício de suas funções e que a imunidade, inclusive no foro civil, se aplicava a Cumaraswamy, e o governo malaio estaria obrigado a respeitá-la. ¹
 

Solução pacífica dos litígios: meio diplomático

A solução dos conflitos deve ser pacífica. Os Estados têm que buscá-la sempre. Quais os meios de solução pacífica dos litígios? Até o século XX, os meios eram unicamente a diplomacia e a arbitragem. No decorrer do século passado, com o advento das organizações internacionais, surgiram outros meios, outros sistemas de resolução como o uso político da organização internacional, a Corte Internacional de Justiça e mais outras cortes internacionais. Os meios diplomáticos são os mais antigos: o entendimento direto entre Estados, sem envolver um quadro institucional de nenhuma organização internacional. Pode envolver diretamente os Estados contendores, e eventualmente mais um que se disponha a ajudar na solução do conflito.

O entendimento direto entre os Estados pode se dar com a ajuda de:

  1. Bons ofícios;
  2. Mediação;
  3. Sistema de consultas;
  4. Conciliação.

O que são os bons ofícios? É a iniciativa de um Estado de se dispor a servir de agente aproximador de dois Estados que enfrentam litígios. O Estado não propõe uma solução, ele simplesmente aproxima as partes, oferecendo um campo neutro de negociação, inclusive convidando os representantes dos Estados em tensão para debate em seu próprio território, como a França fez aproximando os Estados Unidos e o Vietnã para dar fim à guerra. Simplesmente há a aproximação. É o caso também dos acordos de Camp David de 1979 quando Estados Unidos aproximaram Israel e Egito, oferecendo um campo neutro para que as partes pudessem dialogar.

Os Estados sob clima de controvérsia também podem, é claro, recusar o convite do Estado que se dispõe a prestar os bons ofícios. Foi o que fizeram George Bush e Fidel Castro em 1991 quando os presidentes da Colômbia, México e Venezuela se reuniram para propor aos dois líderes um meio para o diálogo.

Mediação: diferentemente dos bons ofícios, há aqui uma proposta do Estado mediador. Ele propõe uma solução. Por exemplo: os acordos de Argel foram resultado de um conflito entre Estados Unidos e Irã quando do atentado à embaixada americana em Teerã em 1979. A Argélia se propôs a mediar o conflito e formou os acordos de Argel. Por isso muitas vezes os bons ofícios se confundem com a mediação.

Celso Amorim se ofereceu para mediar o conflito atual entre Colômbia e Venezuela. Muitas vezes a mediação inclui os bons ofícios. O Estado que pretende aproximar as partes acolhem em seu território. Mas não se esqueçam da diferença: na mediação, o mediador propõe soluções, interferindo no diálogo. Nos bons ofícios, o aproximador apenas oferece o campo neutro para o início dos debates.

O sistema de consultas é geralmente previsto em tratados. Há reuniões periódicas, em que as partes se encontram, revelam suas insatisfações mútuas acumuladas. As partes, envolvidas num conflito, acordam unicamente em trazer o tema à discussão nessa mesa de negociações. Não há terceiro Estado nem intervenção de partes estranhas ao problema. Assim funciona a OEA: ali os Estados resolvem suas pendências.

A conciliação lembra muito a mediação, mas é resolvida por um órgão colegiado. Cada um dos Estados indica dois integrantes de sua confiança para integrar uma comissão de conciliação, sendo que um deles é um nacional seu. Esses quatro indicarão um quinto, para ser o presidente da comissão e desempatar o voto.

Nenhum desses meios pode ocorrer à revelia dos Estados; eles têm que consentir. As soluções propostas não são obrigatórias. Os Estados aceitam de acordo com sua própria conveniência.

Eles fazem um relatório com uma proposta de solução do conflito. Os Estados aceitam-no se quiserem. É previsto em tratados. Por exemplo: há uma previsão do uso de um sistema de conciliação na Convenção de Montego Bay de 1982, e também na Convenção de Viena de 1969.

Inquérito: também é um órgão colegiado, em que as partes escolhem técnicos para integrá-lo, com o objetivo investigar e apurar uma determinada situação de fato, a materialidade e as circunstâncias. Por exemplo: Em 1915, o navio holandês Tubantia naufragou misteriosamente depois de sair do porto de Amsterdã. No cenário da guerra, imediatamente Inglaterra e Alemanha começaram a acusar uma à outra pelo incidente e pela violação à neutralidade holandesa; Alemanha alegou se tratar de uma mina aquática britânica, no que a Inglaterra respondeu dizendo se tratar de um torpedo alemão. Montou-se uma comissão de inquérito para apurar as circunstâncias. Examinaram fragmentos de torpedo e encontraram bronze na composição, denunciando o processo de fabricação alemão. A partir do resultado do inquérito, Alemanha ofereceu 300 mil libras como valor reparatório, o que foi recusado pela Holanda. Depois da guerra as partes buscam uma solução para o conflito. A Alemanha acabou pagando 830 mil libras.

Se for o caso, as partes podem recorrer a outros métodos de solução para aquele conflito.
 

Meio político

Os Estados, quando lançam mão do meio político para a resolução de conflitos, recorrem a uma organização internacional. Esse é um dos usos da Assembléia Geral das Nações Unidas. São os meios políticos de resolução de conflitos, ou seja, não são soluções jurisdicionais.

E o Conselho de Segurança das Nações Unidas? Quando ele pode ser chamado a resolver um conflito entre Estados? Sempre que houver um quadro de ameaça à paz e segurança internacional.

Todos os meios diplomáticos, sem exceção, requerem a vontade dos Estados. Nenhuma dessas formas pode se dar à revelia. Mas o Conselho de Segurança pode examinar determinado conflito à revelia dos Estados envolvidos. Sempre que se entender que o Estado esgotou suas formas de resolução pacifica de conflitos, o assunto é levado ao conhecimento do Conselho de Segurança.

O que o Conselho de Segurança pode fazer? Ele pode diretamente montar comissões de conciliação, de inquérito, como fez na situação entre Iraque e Kuwait: enviou comissão às fronteiras para investigar a invasão iraquiana. O Conselho de Segurança pode também constituir comissões intergovernamentais, eleger pessoas para atuar, etc. No caso Bernadotte, o mediador era a própria Organização das Nações Unidas, e o enviado era apenas um ator.

O Conselho de Segurança pode também convidar as partes a recorrer ao Secretário Geral das Nações Unidas ou à Corte Internacional de Justiça. Mas o mais importante que o Conselho de Segurança pode autorizar são medidas coercitivas contra um Estado quando entender que sua conduta implica ameaça à paz e segurança internacionais. São medidas que vão de sanções econômicas e até o uso da força. As forças armadas dos Estados que se colocam disponíveis se for o caso de se promover uma invasão autorizada pelo Conselho. Elas ajudam não em nome de seus Estados, mas das Nações Unidas. Na guerra do golfo, houve uma intervenção autorizada.

As vantagens do Conselho de Segurança é ter força para, de fato, forçar o cumprimento de suas resoluções. Mas há limitações. As resoluções não têm caráter obrigatório; elas forçam, mas não têm em si o caráter obrigatório justamente porque são de natureza política. Outra limitação é que, para que as medidas sejam aplicadas, é imprescindível o consenso dos cinco Estados que tem assento permanente no Conselho: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China. São os Estados que têm poder de veto.

Em tese, a Assembléia Geral tem os mesmos poderes do Conselho de Segurança. Pode constituir comissões de conciliação, indicar mediadores, mas não pode autorizar medidas coercitivas. Pode apresentar sugestões para as partes. O problema da Assembléia Geral é que ela só se reúne durante um certo período por ano, e, em segundo lugar, sua grande virtude é sua fragilidade: todas as soberanias estão representadas com igual direito de voto. Assim é muito difícil obter um entendimento sobre qualquer forma. Todas as soberanias teriam que concordar sobre a constituição de uma comissão de inquérito e conciliação, por exemplo. Também existe a contraposição entre Estados mais influentes e menos influentes, em que os pequenos Estados ecoarão a voz dos Estados maiores que lhe protegem. Por fim a Assembleia Geral não tem poder de autorizar medidas coercitivas. Os não-membros podem levar a ela denúncias de fatos que ameacem a paz internacional.  

Além desse quadro, são muitas as organizações internacionais que têm um órgão de solução de conflitos. OACI, por exemplo, bem como a OIT e OEA, que são organizações internacionais que oferecem um quadro de solução de conflitos, ou pelo menos de tentativa.
 

Meios jurisdicionais

O que é uma jurisdição? É um foro especializado que resolve litígios internacionais em conformidade com o Direito aplicável. Até agora os órgãos que vimos não têm obrigação de oferecer soluções jurídicas. Outro diferencial é que os Estados não obrigatoriamente devem cumprir as decisões proferidas nos foros diplomático e político. No jurisdicional, os Estados têm a obrigatoriedade de cumpri-las.

Qual a diferença entre o juiz e o árbitro? Este é escolhido pelas partes, ao contrário do juiz, que é anterior ao conflito e é profissional de carreira, operando em caráter permanente, e são designados para demandas posteriores à sua investidura. O árbitro é constituído pelas próprias partes para julgar determinado litígio e apenas para aquilo, então ele tem um caráter ad hoc. Finalizada sua prestação, ele se desinveste da atribuição e só pode ser consultado posteriormente para esclarecer sua própria decisão, quando eivada de dúvida, obscuridade ou ambiguidade. Similar ao embargo declaratório previsto no Direito Interno brasileiro. A semelhança entre o juiz e o árbitro é que ambos proferem decisões obrigatórias. O juiz se insere no quadro institucional permanente, e, resolvido o litígio, ele retoma suas funções.

Os árbitros e tribunais arbitrais podem ser colegiados, são escolhidos pelas partes para julgar determinado litígio, e não existe nenhum compromisso em recorrer primeiro à solução diplomática, depois à política, depois à jurisdicional; em outras palavras, não existe hierarquia entre as diferentes formas de solução de conflitos. Um caso para ilustrar isso é o do Canal de Beagle, de 1977, em que Chile e Argentina não conseguiram chegar a uma solução para uma disputa de delimitação territorial e a posse de três ilhas estratégicas. Em primeiro lugar recorreram à arbitragem, e escolheram como árbitro a Rainha da Inglaterra. Depois se percebeu que personalidades e estadistas não resolvem efetiva e pessoalmente, mas delegam a uma assessoria jurídica. E também foi insatisfatória para a Argentina, que questionou a decisão, alegando nulidade. Os dois Estados, então, e recorreram à mediação da Santa Sé.

Corte Permanente de Arbitragem

O que é? Nada mais é que uma lista com cerca de duzentos nomes de árbitros que a integram por sua capacidade técnica. Há quem diga que, por conta disso, não é nem propriamente uma Corte, nem Permanente. De fato não é corte; ela é, na verdade, uma grande lista de pessoas qualificadas para funcionar como árbitros, indicadas pelos Estados que a patrocinam, que podem indicar até quatro nomes, escolhidos entre juristas de renome para um mandato de cinco anos. É administrada por uma secretaria e é invocada sempre que há um litígio. 

Uma missão que a Corte Permanente de Arbitragem é indicar um candidato a uma vaga na Corte Internacional de Justiça.

A tendência atual é que os Estados recorram a ela para dirimir seus conflitos.
 

Solução arbitral

Na arbitragem ou num tribunal arbitral, a solução pode vir num tratado geral de arbitragem. Qualquer litígio entre os Estados-partes será resolvido com a arbitragem. As partes celebram o tratado com esse fim, e só com esse. No futuro, qualquer problema será resolvido nas bases da arbitragem.  

A solução também pode vir prevista em cláusula arbitral. O tratado sobre outro assunto pode prever que eventuais conflitos serão resolvidos pela arbitragem. De qualquer forma, as partes precisam celebrar, no momento do conflito, um compromisso arbitral. É desse compromisso arbitral que surge o fundamento da obrigatoriedade da decisão. As partes descrevem o conflito, escolhem o direito material, o procedimento, as regras, e escolhem os árbitros. Finalmente se comprometem a obedecer de boa-fé a decisão arbitral. Então a base jurídica da arbitragem resulta no compromisso arbitral, ainda que haja um tratado geral de arbitragem ou cláusula arbitral, haverá esse compromisso no momento em que o conflito surge. As partes concordam em submeter o conflito à apreciação da arbitragem, então pelo menos aí há um consentimento. Dessa forma, pode-se exigir o cumprimento da decisão arbitral fundada no princípio pacta sunt servanda.

Se a parte não concordar com a decisão, ela pode recorrer? Não. O que ela pode fazer? Não há recurso, pois não há uma instância superior, pois o árbitro não opera no quadro institucional de uma corte. Pode haver no máximo o pedido de esclarecimento falado anteriormente. Quando não sai satisfeito, o Estado costuma alegar a nulidade da sentença e apontar os motivos: decisão além, aquém ou fora do pedido (ultra, infra ou extra petita), ou o árbitro não entendeu exatamente qual é a controvérsia. Aconteceu no caso do Canal de Beagle. A Argentina disse que a solução proposta pela Rainha da Inglaterra era absurda. Partiram, então, para a mediação pelo Papa João Paulo II, e não houve a contestação da boa-fé por parte da Argentina.

A sentença arbitral é obrigatória? Sim. Mas não é executória. O não-cumprimento da decisão arbitral é um ilícito internacional. Como os Estados não querem ser taxados de violadores e descumpridores de pactos, as decisões arbitrais raramente são desobedecidas. Quando celebram compromisso arbitral, eles têm o fim e o propósito de resolver o litígio, e acreditam que aquela forma de resolução é a melhor. Tanto que os Estados escolhem o direito material de comum acordo, bem como as regras procedimentais e os árbitros. O só fato de escolherem o árbitro e aceitarem levar o conflito à apreciação arbitral é uma manifestação de que o Estado pretende cumprir qualquer decisão, ainda que eventualmente sucumba.
 

Jurisdição internacional permanente

A Corte Internacional de Justiça

É a sucessora da Corte Permanente de Justiça Internacional, que foi constituída nos anos 20 do século passado. A CIJ é um órgão das Nações Unidas. A Corte Permanente não era da Sociedade das Nações. A corte permanente operou de fato até 1939, e foi sucedida pela Corte Internacional de Justiça, que entrou em funcionamento logo depois do final da segunda guerra mundial, herdando a sede da antecessora, um palácio na cidade de Haia na Holanda.

Integrantes: são 15 juízes. São escolhidos pela Assembléia Geral das Nações Unidas, e há também uma eleição no Conselho de Segurança. Ele pode vetar um nome. Quem são esses juízes, e como são escolhidos? Devem representar diferentes formas de pensar o Direito ao redor do mundo. Devem refletir os sistemas jurídicos por regiões. Não há regra sobre a obrigatoriedade de haver pelo menos um dos cinco grandes. Fora isso, há sempre uma vaga para a Europa oriental, duas para a Europa Ocidental e outros, podendo representar a Austrália e o Canadá; três para África, devendo haver pelo menos um da África negra e um da África Árabe, duas para a América Latina e Caribe; duas para a Ásia (atualmente ocupadas por Jordânia e Japão). 

A Corte tem uma dupla função: consultiva e contenciosa. Ela oferece pareces consultivos, podendo ser solicitada pelos Estados e pelas organizações internacionais. No caso do conflito entre Malásia e ONU, a Corte proferiu um parecer consultivo solucionando o conflito. E também se manifestou em parecer consultivo em 2004 sobre a construção de um muro da Palestina.

Os pareceres não têm força obrigatória, mas dizem qual é o Direito.

Na função contenciosa, a Corte só resolve questões entre Estados, não entre organizações internacionais. Profere acórdãos executórios. Em caso de desobediência, a parte que se sente prejudicada pode e deve comunicar o fato ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, por sua vez, pode autorizar medidas coercitivas contra a parte recalcitrante. O Conselho de Segurança nunca precisou forçar a execução do acórdão.

Aconteceu num caso do Estreito de Corfu, que já estudamos em responsabilidade internacional, em que minas aquáticas no mar territorial da Albânia causaram danos a uma embarcação britânica que testava a reação albanesa ao exercício do direito de passagem inocente. A Albânia se recusou a cumprir o acórdão, mas se não entendeu que tal atitude seria uma ameaça à paz e segurança internacional, por isso nenhuma medida adicional foi tomada contra o Estado.

Em outro caso, os Estados Unidos se recusaram a cumprir o acórdão em que foram condenados por apoio militar a forças contrarrevolucionárias na Nicarágua. Os EUA tiveram sua responsabilidade internacional decretada, mas nada mais pôde ser feito pois qualquer medida que fosse tomada contra o Estado seria vetada por ele mesmo, já que ele é membro permanente do Conselho de Segurança.

Só mediante consentimento das partes que um litígio poderá ser examinado pela CIJ.


1 – Da obra do Prof. Rezek.