Lembretes
Tópicos:
Conclusão da aula passada: ONGs
Na aula passada ficou faltando falar das ONGs. Estávamos falando de personalidade jurídica internacional. Têm personalidade jurídica os Estados e as organizações internacionais. Somente esses entes têm competência para celebrar tratados em nome próprio. Falamos dos indivíduos, das proteções aos direitos humanos, à postulação de direitos diretamente à ordem internacional; e também das empresas, que não têm personalidade jurídica internacional. Vamos falar das agora das ONGs.
O que são? Como são constituídas? É que as organizações internacionais são constituídas pelos Estados por meio de tratados, pelo consentimento deles. São, portanto, organizações interestatais. As ONGs são pessoas jurídicas de direito interno; são constituídas à luz do Direito de determinado Estado. Exemplo: Comitê Internacional da Cruz Vermelha. É uma pessoa jurídica constituída à luz do Direito Suíço. Elas podem, como é o caso da própria Cruz Vermelha, ter ramificações internacionais. Há a Cruz Vermelha do Brasil, da França, Portugal, etc. Cada uma delas é uma pessoa jurídica constituída à luz do Estado onde atua. Ela recebe diretrizes da matriz, mas é constituída de acordo com o Direito Interno brasileiro. Não há tratados.
Qual o papel delas? Trabalham com a mobilização dos parlamentos, da opinião pública, forçam a aprovação de leis, redigem textos de tratados, que são muitas vezes celebrados de acordo com a essa redação escrita por representantes de ONGs, apesar de não serem elas que celebram, efetivamente, os tratados. Diz-se que são “atores importantes”, mas não são sujeitos de direito internacional porque não criam Direito Internacional do ponto de vista formal. Ainda assim elas têm importância única. Elas praticam, entre outras coisas, atividade de lobby e atuam em outros objetivos gerais e específicos.
Com isso encerramos o tópico de sujeitos
de direito internacional, dos Estados e das organizações internacionais.
Vamos falar hoje sobre os Estados. Depois, falaremos das organizações internacionais.
Pensemos numa coletividade
humana. Quando ela pode ser considerada um Estado? Quando está sentada sobre um
território que está sob algum tipo de autoridade. Alguns constitucionalistas
falam em soberania como elemento constitutivo do Estado, já que ele não pode se
submeter a nenhum outro Estado, a nenhum outro membro da comunidade
internacional. Outros autores entendem que não é um elemento constitutivo, mas que
a soberania é um qualificativo essencial
à constituição do Estado, mais especificamente do elemento constitutivo governo. Então, os elementos
constitutivos são território, povo e governo. Comecemos pelo povo.
Elementos constitutivos do Estado
O que é povo? É a dimensão humana do Estado. Há as dimensões humana, política e territorial. Mas o que vem a ser dimensão humana do Estado? Qual é a diferença entre população e povo? O vínculo de nacionalidade é o povo, enquanto a população é o conjunto de pessoas que vivem na superfície do território. O povo é o conjunto de pessoas que têm para com o Estado um vínculo jurídico. A dimensão humana de um Estado é o conjunto de seus nacionais. Isso inclui também os estrangeiros residentes. População é, portanto, um número. O povo é o conjunto dos nacionais de um Estado e isso inclui os brasileiros, no caso do Brasil, e também os nacionais expatriados que ainda mantêm o vínculo político-jurídico com o Estado.
Já o governo é o conjunto de órgãos que servem para que o Estado manifeste sua vontade no cenário internacional. Os órgãos são compostos por indivíduos, claro. Então o governo é a autoridade política. Ao falar em governo, pensamos imediatamente em Poder Executivo e administração. Acontece que, do ponto de vista do Direito Internacional, o governo é a autoridade política, o conjunto dos poderes do Estado. Então, entram neste conceito também o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. O Direito Internacional não faz essa distinção entre as atividades em cada um dos poderes. Então o governo, do ponto de vista do Direito Internacional, é o conjunto de órgãos do Estado. Órgãos não só executivos, mas também legislativos e judiciários.
E o que é território? É difícil definir o óbvio. De acordo com Hans Kelsen, o
território é o domínio espacial da
soberania do Estado. É onde ele exerce a autoridade e a jurisdição. Qual é
esse espaço onde o Estado exerce a soberania? Em sentido amplo, espaço é terra, mar e ar. Por que “em sentido
amplo”? Porque há também a noção de território propriamente dito, o território
terrestre. O mar e o espaço aéreo recebem uma disciplina de direito
internacional específica, que são domínios públicos internacionais. Falaremos
sobre eles mais tarde. Hoje vamos falar do território propriamente dito, que é
o território terrestre e das formas de aquisição.
Poder do Estado sobre seu território
Sobre seu território o Estado
exerce jurisdição geral e exclusiva. O que é isso? Geral no sentido de que o Estado
exerce sobre seu território o conjunto de suas atribuições, como legislativas,
judiciárias e executivas. Exclusiva no sentido de que naquele domínio espacial
a jurisdição do Estado não concorre com nenhuma outra. E quais são as formas de
aquisição do território? Essa expressão é muito comum, embora o professor Marcelo
Varella, autor do livro que alguns de nós usamos, faça uma observação bastante
pertinente, em que não se deve falar em aquisição, mas em expansão do domínio soberano. Por quê? Porque nem todos os espaços
sobre o qual o Estado exerce seu domínio são propriedades públicas. Não se
trata de, portanto, de um título de propriedade do Estado. O Estado exerce
sobre o conjunto de seu território o domínio eminente sobre aquilo que é
público e privado.
Formas de aquisição de território
Então quais são as formas de aquisição de território ou, se preferirmos, de expansão do domínio soberano? Vejamos:
Princípio uti possidetis: ocupação efetiva, aquela em que o Estado avança sobre um território que não pertence a ninguém. Ou seja, ocupação efetiva é aquela em que o Estado avança sobre um território que não pertence a um outro Estado, a um outro membro da comunidade internacional. Essa ocupação efetiva não é mais possível nos dias de hoje porque toda a superfície do planeta está ocupada. Era comum, entretanto, no passado, quando existiam as chamadas “terras de ninguém”, ou terrae nullius. Havia também o que se chamava de terra derelicta, que é a porção de terra descoberta e abandonada pelos descobridores originais, que, por isso, têm mesma situação jurídica da terra nullius. Então a ocupação efetiva é a posse do território, que ainda não pertence a nenhum membro da comunidade internacional.
Nesse tempo, a pretensão dos nativos não era considerada legítima, assim, a terra recém-descoberta não necessariamente era inabitada. Sobre isso, há o caso do Saara Ocidental, território no noroeste da África limitado por Marrocos, Mauritânia e Argélia, antiga posse espanhola abandonada em 1975. A Corte Internacional de Justiça entendeu que os povos autóctones organizados em tribos têm direitos sobre suas terras, que não necessariamente são consideradas terrae nullius. No caso particular do Saara Ocidental, a Corte, por 13 votos a 3, entendeu que o território não era, antes da chegada espanhola, terra nullius. ¹
Antes do Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha em 1494, que estabelecia o limite do mundo que deveria ficar sob o domínio de cada um dos países, caberia aos portugueses até muito pouco depois do litoral brasileiro, algo próximo da metade do que hoje são os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Foi mediante do princípio da ocupação efetiva, bem intimamente relacionado ao princípio da contigüidade, que o colonizador chegou ao continente e foi avançando no território até encontrar resistência de outro colonizador. Pelo princípio da contigüidade, Portugal avançava de leste para oeste, e tudo que encontrava seria dado como posse sua até que encontrasse resistência de outro colonizador, no caso, a Espanha, que avançava de oeste para leste.
Então, o princípio uti possidetis decorre da posse efetiva
do território, ou então podemos dizer que ele é o direito daqueles que ocupam
efetivamente o território. Quer dizer “como possuis, continuarás possuindo”.
Nasceu na época da descolonização da América, no século XIX, e justificava a
manutenção das fronteiras entre as províncias coloniais durante o processo de
descolonização, ou seja, à medida que os Estados se tornavam independentes,
suas fronteiras se mantinham de acordo com seu desenho anterior, quando eram
províncias. Dessa idéia vem um novo princípio: o da estabilidade das fronteiras, que evita que os povos, na
proclamação de suas independências, entrem em conflitos territoriais.
Conquista: esta forma de aquisição de território já tem um outro aspecto: a aplicação da força. Nunca houve no Brasil a chamada debellatio, a aniquilação das populações nativas de uma terra descoberta, que foi praticada por espanhóis em algumas áreas da América. No Brasil não foi preciso porque os nativos eram dóceis. Diferente foi no México, com a dizimação dos astecas. Em sentido mais contemporâneo, a debellatio se refere à conquista no sentido de anexação de outro território mediante aplicação da força.
Qual a conotação que a ocupação tem hoje? De submissão, ou até imperialismo. Antigamente a ocupação de um território poderia ser tida como legítima. Mas hoje em dia não é possível a não ser que haja uma ruptura da ordem jurídica internacional. A conquista não pode ser um meio lícito de expansão do Estado porque o emprego da força foi proibido no Direito Internacional exceto nos casos previstos na Carta de São Francisco (Carta das Nações Unidas).
Secessão ou desmembramento: partes de um Estado se desmembram para
formar uma nova unidade soberana. Houve uma perda de território por parte da Iugoslávia,
mas houve, para os Estados adjacentes, uma aquisição de território. exemplos de
desmembramento foram Iugoslávia, URSS, Tchecoslováquia, etc.
Fusão: é exatamente o processo inverso da secessão: é quando mais de uma soberania se fundem numa única. Exemplo: reunificação das duas Alemanhas, Iêmen do Norte e do Sul, formando a República do Iêmen, República Árabe Unida, em que Egito e Síria se uniram entre 1958 e 1961.
Descolonização: qual a diferença desta para a secessão? Juridicamente os efeitos são os mesmos, em geral. Na descolonização, o que era considerado uma parte do território se torna independente de outro Estado. Mas há uma diferença essencial, pois, no caso do desmembramento, existe uma horizontalidade entre aqueles que desmembram e formam um Estado soberano. Descolonização, na verdade, é o processo de independência, como ocorreu com as colônias européias, no século XIX nas Américas e no século XX na África. Não é uma expressão muito usada; a Guiana Francesa é uma colônia, a rigor. São “territórios franceses ultramarinos”.
Cessão onerosa e cessão gratuita: o que é cessão onerosa?
Transferência de uma parte de um território de um Estado a um outro mediante um
pagamento. Foi o que aconteceu com o Alaska, ex-território russo vendido aos Estados
Unidos em 1867, e também com a Louisiana, que pertencia à França e foi também vendida
aos EUA no século XIX. Outro exemplo é o Acre, comprado pelo Brasil da Bolívia por
2 milhões de libras esterlinas em 1903.
Decisão unilateral da ONU